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Bernardo Mortimer
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Bruno Maia
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30.11.06

Show :: "Bibi conta e canta Piaf"

To be atriz.
fotos: Bruno Maia

Será que é pintura o rosto da atriz? Com mais de 80 anos, a maquiagem a protege da crueldade do tempo e a aproxima do lúdico de Piaf. No espetáculo "Bibi conta e canta Piaf", a atriz não incorpora como fizera em "Bibi vive Amália". A diferença nos títulos explica bem o que é cada uma das "peças". Se na quinta-feira Amália deixou Bibi no camarim, no domingo Bibi trouxe Piaf para o palco. A diferença talvez se dê pelo idioma. Em Amália, ela estava livre para abandonar seu corpo e entregá-lo à fadista. Em Piaf, o francês seria um problema na comunicação com o público. Mas o rosto da atriz nunca vai te entregar quem é que está ali de fato.

A singeleza da presença de Bibi e a força abrupta que ela traz consigo constrangem. Séra que é de louça? De tão delicado e miúdo, o corpo tenta camuflar a idade. Idade que revela o efêmero do espetáculo. Será que é de éter? A presença fugaz. Vai-se, mas o cheiro permanece e permanecerá. Ali, cerca de 55 minutos. Acá, pouco mais de 80 primaveras. Depois de quatro dias no palco, não há como se cobrar mais do corpo. Será que é loucura? Inverossímel? De quem?


Será que é tragédia? A vida de Piaf gera essa dúvida. Em suas mãos, incontáveis desastres, inúmeras privações. E o sucesso que só é concendido a poucos. O Olimpo só sorri quando quer. Ou será que é comédia?A chanson francesa talvez seja o gênero musical que vai mais facilmente da alegria à tristeza, misturando referências do folclore do leste europeu, com a densidade das artes, sobretudo a literatura e a pintura, da Europa Central. Essa era a pista em que Piaf dançava.


Bibi não ousa tanto quanto em Amália. Ela serve de fio condutor. Por muitas vezes, até narra o espetáculo em primeira pessoa. Essa posição, porém, não interfere na força e precisão da interpretação vocal. Já andando para o final do espetáculo, duas das mais belas e populares canções de Piaf são, inevitavelmente, o auge. "La vie en Rose"e "Non, je ne regrette rien". Andada sem pés no chão.

Será que é uma estrela? Pleonasmo. O brilho que já não está mais ali. Não despenca mais do céu. Todos os pagantes aplaudiram longamente de pé. Nenhum pagante exigiu bis. A vida não tem bis. A vida da atriz não tem bis. Piaf não tem bis. Nem Bibi. No fim, o arcanjo que deixou o chapéu aos pés dela, declarou que a eternidade estava por um triz.

Quando o encantamento se faz, nenhuma crítica ou resenha pode fugir disso. Não é perigoso a gente ser feliz.


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ficha técnica:
Bibi Ferreira
"Bibi conta e canta Piaf"
Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2006
Teatro Rival

29.11.06

Estudando os ruídos

Há um mês, o site Pitchfork - que hoje em dia é uma das maiores referências em informação musical do mundo - publicou uma entrevista com Tom Zé. A conversa em si já é boa, mas fica ainda melhor quando analisada sob o prisma dos ruídos da comunicação. Logo no início, o jornalista Joe Tangari registra esse desacerto explicando a engenharia que foi criada para que ele, que não falava português, fizesse uma entrevista com um Tom Zé, que não respondeu em inglês.

Alguns erros de tradução são evidentes e dão ainda mais charme à conversa. Falando com Tangari, ele disse ao sobremusica que a tradução de suas perguntas e das respostas de Tom Zé foram feitas por um português e não por um brasileiro. Isso explica o porquê de se traduzir "Tô ficando atoladinha" como "I'm becoming crazy".

Vale a pena lê-la. Tom Zé, desde que foi descoberto por David Byrne, é endeusado lá fora e talvez seja, junto com os Mutantes, o grande ícone internacional do tropicalismo. Talvez mais do que o próprio Caetano. A entrevista é bem divertida. Mais divertida do que a que o Tom Zé deu ontem para o Jô.

27.11.06

Show :: The Bravery


Poucas pessoas compareceram ao Circo Voador para assistir ao show do Bravery, na última sexta-feira. Surpreendentemente, a casa resolveu respeitar o público e o show do Moptop começou (acreditem!!) às 23hs. Pouco depois da meia-noite, os nova-iorquinos subiram e mostraram competência no palco.

Ao vivo, o Bravery é uma mistura de New Kids on the Block, com Ramones, Strokes, The Cure e The Smiths. New kids, pelas roupas, cortes-de-cabelos, postura e dancinhas. Ramones pelo punk-rock retinho. Strokes por alguma sofisticação em cima do rock retinho. The Cure e The Smiths pelos timbres de voz, teclado e guitarras. E ainda rolou cover de INXS.

Apesar de totalmente hypados lá fora, pouco mais de 200, 300 pessoas (segundo meu olhômetro) compareceram ao Circo. Mesmo assim, a banda deu gás, tocou cheia de vontade, como se estivessem em algum mega-festival. Os que não ligaram para gastar R$80,00 no fim-do-mês, depois de já terem gasto uma nota preta em shows ao longo deste ano, e que não quiseram saber dos outros muitos outros shows que rolavam na cidade (Hutúz, Paralamas, Cidade Negra e Arnaldo Antunes, só pra ficar nos mais pops), eram realmente muito fãs do grupo e cantaram junto.


O grupo desfilou seu primeiro disco inteiro e ainda apresentou algumas músicas novas como “Believe” e “Every vord on your mouth is a knife in my ear”. O disco será lançado no início de 2007.

O baixo de Mike Hindert estava com menos efeitos que no disco e isso funcionou bem, dando mais pressão ao instrumento. Graças a isso, músicas como “An Honest Mistake” e “Public Service Ann” ficassem ainda melhores e mais dançantes, causando histeria em alguns mais descontrolados. Em “No brakes” não foi muito diferente. “Unconditional” teve direito à galera marcando o tempo na palminha.

sobremusicatv ::
The Bravery – “Unconditional”
vídeo: Bruno Maia

O clima anos 80 era guiado, sobretudo, pelos teclados e sinths de John Conway e pela voz robertsmithiana de Sam Endicott. Se os tecladinhos fossem um pouco mais alegres, o Bravery virava A-ha e o Circo Voador explodiria em nostalgia.


A banda honrou a posição que ocupa no hype-rock mundial com um bom show. A produção nem tanto. Pouca divulgação, dia ruim, preços caros. É que em tempo de Real valorizado, o pessoal fica mal-acostumado.

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ficha técnica:
The Bravery
turnê do primeiro disco
Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2006
Circo Voador
abertura: Moptop

26.11.06

Show :: Bibi Ferreira & Amália Rodrigues

O cavalo da voz

Fotos: Bruno Maia

Em uma luxuosa sessão espírita, Amália Rodrigues nos visitou pelo corpo de Bibi Ferreira. O espetáculo “Bibi vive Amália” é um desbunde de atuação, uma apoteose artística. A força de um artista pode estar escondida atrás da fúria ou do rebuscamento, da criatividade conceitual ou da espontaneidade da criação. O que Bibi permite é uma contemplação através da maturidade. Trata-se de uma interpretação cheia, efusiva, repleta. Não quero descartar a força e o vigor da juventude, nem tampouco menosprezar a vanguarda e as experimentações que permitem renovar a arte. Contudo, o tipo de espetáculo proporcionado por Bibi Ferreira só é possível a artistas que já passaram por todos os tipos de situações artísticas. Apoteose é o termo que melhor define o que vi. Ela sabe que realizar uma apresentação daquelas exige uma saúde que o tempo não lhe proporcionará muito mais. Por isso, aproveita e deságua tudo numa aula. Como num final apoteótico (olha esse termo aí de novo!), ela parece querer sintetizar a arte e soar definitiva no ofício de “ser artista”.

O Teatro Rival estava cheio. Seja na entrada, na saída ou nas pausas de Bibi, o que se ouvia era ovação. Com uma voz impressionantemente limpa para quem já passou dos 80, ela não fraquejava. O sotaque português, as roupas, as feições, a forma de se dirigir ao público causavam uma estranheza grande. Tudo bem, a gente sabia que ela estava interpretando Amália, mas parecia muito que era apropria Amália quem estava ali. As mãos tremiam delicadamente junto à cintura. Eu não sei dizer se aquilo era uma debilidade que a atriz está de fato passando ou se era mais um item da interpretação completa. Em um silêncio entre duas músicas, o grito de uma senhora rasgou o breu do teatro: “A benção, Bibi!!!!!! Deus lhe abençoe!!! Maravilhosa!!!!”. Novo silêncio. No palco, Bibi (ou Amália?!) fechou os olhos, respirou. E como se estivesse voltado por alguns segundos a aquele palco, sussurrou ao microfone: “A Bibi tá lá dentro. Essa é a Amália. Mas a Bibi agradece”. Ovação. Rapidamente, Bibi se foi e Amália voltou. A quem aquele corpo pertenceu durante os 90 minutos de show, eu não sei dizer.

A vida de Amália foi visitada e contada desde o início. Da carreira, que começou quase por acaso, até a doença que lhe tirou dos palcos já na alta idade. A relação de dependência que a fadista tinha com o carinho e a receptividade do público era impressionante. A platéia preenchia um vazio que havia na alma de Amália. Ter que se retirar do palco foi um mergulho doloroso neste vazio, que acabou por precipitar sua morte.

Apesar de portuguesa e fadista, Amália é representada mais como uma apaixonada pela língua portuguesa e pela gente que criava essa cultura lusitana pelo mundo afora, do que propriamente por um orgulho ufanista. Para quem não é aprofundado no universo de Amália, vê-la cantando “Coqueiro de Itapoã”, de Caymmi, é o ponto alto do show. Para quem conhece um pouco mais, tal crédito vai para “Coimbra”, “Vou dar de beber a dor”, e para as clássicas “Nem às paredes confesso” e “Uma casa portuguesa”.

sobremusicatv ::
Bibi Ferreira - "Coimbra"
vídeo: Bruno Maia


Ao fim, Amália se foi. Devido às palmas, Bibi voltou. Agradeceu e disse do quanto aqueles espetáculos tinham sido importantes para sua carreira. Ao contrário daqueles grupos cretinos que inventam nos EUA para vender discos por todo mundo, Bibi, sim, mereceria o prenome de Diva. Na Inglaterra não tem a alcunha de "Sir" ? Podia ser criada a de "Diva" e ela assinaria Diva Bibi Ferreira.

Sobre a temporada “2 em 1” – considerando as apresentações que faria com a obra de Piaf – disse que seu empresário já pensava em fazer uma “3 em 1”, incluindo o (também elogiadíssimo) show “Bibi in Concert”. A platéia vibrou. A maioria parecia já ter comprado o ingresso para ver Bibi cantar Piaf e, com certeza, também comprariam para um eventual “Bibi in Concert”. Ninguém é besta.


Segundo a própria Bibi já contou em outras ocasiões, Amália, certa vez, após vê-la interpretar a obra de Piaf, teria pedido: "Você faz uma dessas pra mim depois que eu morrer?". Se era sério ou não, não dá pra saber. De certo, só que ela gostou tanto que resolveu descer e participar do show junto. Amália e Bibi num corpo só. A tal da Arte.

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ficha técnica:
"Bibi vive Amália"
Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2006
Teatro Rival

24.11.06

Show :: Dado Villa-Lobos

foto: Bruno Maia
E não é que eu consegui ver o show do Dado?! Pra não parecer perseguição, não vou falar do atraso absurdo que fez com o show só começasse 1hs da manhã. No horário marcado para o show de abertura, os integrantes de The Dharma Lovers não tinham nem chegado ainda.

Afora esse abuso, que o Teatro Odisséia não parece se importar nem um pouco, o show de Dado é bom. Melhor do que eu esperava. Com as guitarras e o teclado alto, a batera cheia de Lourenço Almeida, a limitação vocal de Dado fica bem disfarçada. Ele consegue suprir isso com vontade. Ele tenta se soltar como bandleader. Ainda parece difícil pra ele, mas o caminho está sendo trilhado. Em "Faveloura Lov", Dado fica apenas com o mic na mão, sem a proteção da guitarra. Nessa hora, ele anda de um lado para o outro do palco, sem encarar a platéia. Incerto, inseguro. Tenta compensar tudo na voz, imprimindo o sarcasmo da letra de Fawcett na sua interpretação. O trabalho do ex-legião ainda é mais consistente quando envereda pelo clima de trilha-sonora. Desde o fim da Legião, Dado compôs algumas, com competência. No show, dá pra perceber que há resquícios dessa experiência em seu processo autoral.

As músicas mais lentas, nas quais a voz teria de sobressair, acabam sendo mais comprometidas. Afora as músicas-com-cara-de-trilha, o ponto alto são as mais guitarristicas. No meio das distorções, exige-se menos da técnica vocal.

A performance de cinco músicas da Legião não traz novidades. "Geração Coca-Cola" e "Conexão Amazônica" se saem bem. "Perfeição", "Eu sei" e "Montanha Mágica", não. Versão bacana foi a de "Rainy Day Women", que deu uma descontraída. Clima de jam-session. Na banda, a surpresa ficou por conta do jovem tecladista, o qual eu não lembro o nome agora. Garoto novo, que deve ter ouvindo muita Legião, também segurava bem as programações.

sobremusicatv ::
Dado Villa-Lobos - "Rainy Day Women"


Além do atraso, outro ponto fraco foi a ausência de público. Lembra que eu perguntei "Cadê o público?" ? Pois é. Escafedeu-se. O Odisséia ficou vazio. Segundo os cálculos do meu olho, menos de 100 pessoas. Se alguém ria alto na platéia, mesmo durante o show, dava pra ouvir.

E no fim, cheguei em casa agora, às 02h48. Tenho que acordar cedo amanhã.

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ficha técnica:
Dado Villa-Lobos
turnê do disco "MTV apresenta - Jardim de cactus"
Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2006
Teatro Odisséia

23.11.06

Assunto: lonelygirl15

On 11/22/06, Bernardo Mortimer bernardomortimer@.... wrote:

Já ouviu falar de lonelygirl15?


On 11/22/06, Bruno Maia <> wrote:

quem???


On 11/22/06, Bernardo Mortimer bernardomortimer@.... wrote:

A Wired do mês que vem é só YouTube
http://www.wired.com/wired/archive/14.12/lonelygirl.html


On 11/22/06, Bruno Maia <> wrote:

ai
ai
ai...
ui.


On 11/22/06, Bruno Maia <> wrote:

essa mulher tira a roupa? qual eh a dela? eh um diario audiovisual?


On 11/22/06, Bernardo Mortimer <> wrote:

Não, é uma adolescente cheia de dúvidas que responde a todos os emails que mandam pra ela. E é ficção. E tem mais views do que a audiência de vários seriados da tv americana. É feito sem grana, sem iluminação, e está à procura de viabilização comercial.

E fala de novas linguagens, coisas assim.


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....

percebi! eh foda... a menina eh mto boa. eh gatinha, mas nada demais. eh acho que eh mais que isso, eh uma ficcao mto bem amarrada. se olhar o site dela, da pra ver pelas repercussoes, pelos comentarios. foda.

qdo eh que a gente comeca a escrever o sobremusicatv mesmo, hein?


On 11/22/06, Bernardo Mortimer <> wrote:

Pois é. Mas lê tudo primeiro.


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....

to lendo soh o site da lonelygirl por enqto.

acho que vc tem que escrever sobre isso antes de sair a wired, por mais que ja esteja on. vai encarar?


On 11/22/06, Bernardo Mortimer <> wrote:

È...


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....

se nao for encarar, me fala que eu caio dentro


On 11/22/06, Bernardo Mortimer bernardomortimer@.... wrote:

Você bota isso no ar antes de sábado? Se botar, vai em frente.


On 11/22/06, Bruno Maia <> wrote:

o que vc prefere? que eu tente ou que esperemos ate sabado?


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....
Enviada em: quarta-feira, 22 de novembro de 2006 19:38

ou essa troca de emails ja eh o comeco da materia?


On 11/22/06, Bernardo Mortimer bernardomortimer@.... wrote:

É um caminho que eu gosto, mas hoje eu não posso mais.


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....

hehehhe.... esperemos até amanha. se eh que a internet nos permitirá tal delay...


On 11/23/06, Bernardo Mortimer bernardomortimer@.... wrote:

E aí, leu?


On 11/23/06, Bruno Maia <> wrote:

Yés, moizés!


On 11/23/06, Bernardo Mortimer bernardomortimer@.... wrote:

o youtube ainda é a nova MTV?


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....

Mas sem querer soar pernóstico, já tinha te falado uma porrada de coisas que estão ali. Quem tem que me responder se o Youtube é a nova MTv é você, afinal quem pariu Mateus que o balance, já diz a sapiência popular...


On 11/23/06, Bernardo Mortimer <> wrote:

Pois é, profeta.

Eu não tenho a menor idéia.

Um dado muito louco é que desde a compra pela Google, vários vídeos foram tirados do ar. Desde a compra, o número de acessos por dia, mesmo assim, só cresceu. E, tirando a EMI, todas as gravadoras já fecharam acordo de cessar-fogo, pelo menos por enquanto. O acordo prevê um reembolso (simbólico ou medido sabe-se lá como) em forma de publicidade. Isso rolaria a partir de uma tecnologia que ainda está para ser criada. Até agora, o único motivo aparente para um contrato assim é a confiança de que a google é fodona e vai dar um jeito. Afinal, é a única pontocom que está dando dinheiro, muito dinheiro.

Só pra tirar aquela onda de mercado financeiro, essa semana o papel da Google ultrapassou o valor de 500 dólares. É a sexta companhia a conseguir isso. Lógico, a primeira de internet. Há um ano, a ação custava 400. E há um pouco mais de dois, quando abriu capital, era menos de cem. Faz as contas.

Outra interpretação que tá rolando, anônima, portanto altamente confiável, rerrê, é a seguinte: Dos um bi e seiscentos e cinquenta mi pagos pelo YouTube, quinhentos milhões seriam uma aposta. A Google reservaria essa grana para responder a processos por direitos autorais, e se eles não viessem, o dinheiro ia para os tais acordos com Warner, Sony-BMG, Universal... Com um detalhe, o acordo é de empresas, não é de direitos autorais. Ou seja, a empresa ganha, o autor fuen-fuen-fuen...

Eu não duvido.

Outro dado é o da própria história da lonelygirl. Quando descobriram a página já deletada do myspace da atriz que fazia a personagem, a notícia correu e alguém foi perguntar para a própria lonelygirl se era verdade, se rolava de eles continuarem trocando emails. A resposta foi direta. A página do myspace era da atriz, quem responde os emails sou eu, a lonelygirl (na verdade uma pessoa contratada, etc). Enfim, continuaram trocando emails. Uma coisa parecida com aquele velho caso do artista que tem milhões de amigos no orkut, e continua recebendo pedidos de "me add", mesmo que todo mundo saiba que chega uma hora em que a amizade virtual é outra coisa, menos carinho, cumplicidade, respeito.Enfim, aquela velha amizade da época dos discos e dos lps. Que continuam existindo, e tal.

E, já que começou a viagem, tem um texto clássico de faculdade de comunicação do Baudrillard, um sociólogo/semiólogo/filósofo francês pós-68 que critica a cultura da imagem, nananan. Ele diz que o mundo vive um complexo da criança diante de papai noel. Ela sabe que aquilo não é verdade, mas quer acreditar para garantir o presente. Tipo a pílula azul e a vermelha do Neo e do Morpheus.

Não seria esse um possível futuro do youtube: um caô em que um monte de gente vai querer acreditar, para achar assuntos, amigos, "amigos", informação, "informação", sei lá? Afinal, a música já não depende do suporte físico, a notícia e a opinião já não precisam de suporte físico. Porque as relações vão precisar? Viajei?


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....

Viajou. Peraí que vou tentar chegar aí e te encontrar. hehe

cara, isso tudo pode ser, sim, um grande investimento no "falso". Tal qual é o Second Life. Quem precisa de suporte físico, além de mim? Talvez você e uns outros três ou quatro... A criação da perspectiva do que possa vir a ser é o grande capital dessa história toda. É isso que faz a galera assistir a lonelygirl15 sem saber se ela é real ou não e, ao mesmo tempo, é isso que faz as ações do Google subirem tanto. E mais. A compra do Youtube é um marco de mudança de posiçao da Google Inc. Porque? Até ali, eles foram crescendo e se valorizando sempre em função da incerteza dos outros. Todo mundo precisava acreditar que a Google era "o" caminho, porque se nao acreditasse, podia ficar pra trás. E agora, mesmo sem maiores confirmacoes nao-futurologicas, foram eles que tiveram que botar uma grana em outro negócio que ninguem sabe ao certo no que vai dar. Confuso,neh. A frase que resume é uma: hoje, a matéria-prima mais valiosa é a dúvida. Todos têm medo dela. A verdade pode ser boa, mas o fingir-que-é-verdade conforta tanto quanto...

Cheguei ai? heheh


De: Bernardo Mortimer

Tem uma coisa que eu acho que já não é dúvida. A Google está ganhando dinheiro com o sistema
dela de propaganda direcionada. Aquele lance de você digitar o nome de uma banda no site, e ao lado dos links mais acessados vir um anuncio da amazon, do site de cifras, do de ingressos, de sei lá mais o que. Isso mais o orkut e o gmail, criam um banco de dados enorme e detalhado que pode virar (tem gente que diz que já é, mas acho que não) uma ferramenta dos sonhos de qualquer plano de marketing.

A google não tem isso, mas ta muito adiantada nessa corrida. Apesar de ter sido a amazon.com a primeira a fazer isso, a partir da comparação dos hábitos de compra dos cadastrados, a google disparou. O conceito é publico, vide até os music recommenders da Nokia, em uma apropriação adaptada do mundo on-line para o off-line, se é que esses ainda são dois mundos distintos.
A grana que ta entrando não é dúvida, é certeza. Dúvida é como o youtube entra na jogada. Por enquanto ele é igual o orkut, uma fonte de informação sobre hábitos de consumo de vários carinhas pelo mundo, ficcionais ou não. Mas pode virar mais, se conseguir resolver a equação de incluir propaganda nos vídeos, sem afastar consumidores. E de manter isso quando alguém jogar o vídeo do youtube para o próprio site, blog, myspace, sei lá.

É aquela história, todos os outros sites de vídeo, quase, (o google.video ainda conta?) estão botando um trailerzinho comercial antes ou depois. É uma solução ruim, mas pode virar regra. Aquele Revver, a nova casa da lonelygirl15, é assim. Nele, a diferença é que o cara que postou a parada divide o arrecadado naquele post com a empresa. Pode virar uma nova Sony Entertainment Television, um canal só de série de youtube. Ops, de internet. Pelo simples motivo que quem posta tem um retorno em função do que conseguir vender de anúncio.

Naquele formato de poucos personagens, todos blogados e vlogados, feito com camerazinha barata, sem muitos tipos de plano, pouca iluminação, e enquadramentos que levem a conta o tamanho da janelinha do mostrador. Curto, e baseado em uma boa idéia, de preferência com uma abordagem que tenha aquela onda toda da liberdade de informação, do fim das fronteiras pela amizade, e que seja um assunto interessante para se comentar na fila do ônibus, na roda de café do trabalho, na cantina da escola, ou até na comunidade do orkut.

Ou seja, não é cinema, não é tv, não é HBO É internet. Uma questão de inventar.


De: Bernardo Mortimer

E sobre o copyright no Second Life, adivinha:
http://www.wired.com/news/columns/0,72143-0.html?tw=wn_story_page_prev2

On 11/23/06, Bernardo Mortimer <> wrote:

Resumindo:

"What's happening now in Second Life is a grand experiment, and one that has implications not just for virtual worlds, but for IP protection more generally. Are digital goods in virtual worlds more like music or fashion, more like movies or food? Will the Second Life community find a happy medium that allows inspired creativity without hindering their growing economy? Could social opprobrium based on shared values replace rigid and cumbersome IP regimes?
Watching Second Lifers, and Linden Labs, chart a new copyright course will be fascinating, and may provide lessons about the future of copyright in real-world communities."

Em uma tradução nas coxas, o problema de avatars (as pessoinhas do mundo digital de secondlife.com ) copiando produtos - que no caso incluem cortes de cabelo, até - chegou. E olhando de fora, deve ser considerado uma experiência interessantíssima. Não só para o secondlife.com, como para a idéia de propriedade intelectual em geral. Mercadorias virtuais estão mais para música ou para moda? Para filmes ou para culinária? Será que a comunidade de secondlife.com vai encontrar um meio de incentivar a criação e preservar o crescimento da economia? O bem-estar comum da livre informação pode substituir a rigidez das regras de propriedade intelectual?

Assistir à secondlife.com e aos seus criadores, os Laboratórios Linden, lidando com a questão do copyright é fascinante e pode iluminar novos caminhos no mundo das firstlives, esse que costuma-se chamar equivocadamente de vida real.


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....

A questão do Second Life eu nao me sinto ainda preparado para pensar a respeito. É muito louco pra mim. Isso me faz sentir, aos 24 anos, tal qual um velhinho que se recusa a pagar as contas pela internet porque aquilo o tira completamente dos seus nortes e referenciais. Preciso de mais tempo pra me aproximar. Eu tenho medo do Second Life. As questoes sao interessantissimas.

Isso é demais, pois fragiliza muitos dos os conceitos de propriedade privada e propriedade intelectual. Quem é o(a) dono(a) da minha segunda vida? É a Linden Labs? E se eu nao quiser ter uma segunda vida? Eu terei que aceitar essa duplicidade de um eu que nao sou eu? E quantas LindenLabs podem criar outros Second Lifes? De quem é o Third Life? E se a Microsoft comprar a Linden? E se só quiser lançar concorrência. O universo continua se expandindo e isso me leva a crer que ele é finito. O que tem depois desse nosso universo? Outro? E depois? E o conjunto de universos é finito ou infinito? Onde está Deus? Opa... Peraí, caceta! Deixa eu voltar aqui...

O que mais me interessa, momentaneamente, nessa história da lonelygirl15 é que ela parece ser o marco da criação da wTV. Já existe sigla para a webtv, para a TV da internet ou eu inventei agora? Enfim. Isso está de fato lançado. Tenho pena de quem está acreditando que essas ferramentas estão surgindo para servir de grande banco de dados, de bibliotecas de vídeos da tv.

A lonelygirl15 é genial, tal qual os garotos que imitam backstreetboys na China. É exercício de linguagem, de novas formas de filmar, de novos valores. Parece que o Youtube fez a sociedade ter coragem de assumir que está cansada das superproduçoes que só se vendem como tais.

Neguinho que ver histórias legais de novo, quer ver idéias e piadas novas. O dinossauro que come raio-laser já deu. É tempo de se premiar filme feito com telefone celular. Idéias!!!!

Concordo total com o Miles Beckett, criador da lonely..., que fala que pensar assim é se comportar como na época do advento da televisão, onde as pessoas liam os textos feitos para o rádio na frente da câmera. C'mon, littleboy! Temos que pensar que ferramenta é essa, criar essa linguagem, testar alternativas, pensar!! Pensar!!! Pensar!! O pensamento coordenado e dirigido gera, inevitavelmente, a criação. O sistema binário é muito mais amplo do que a difusão por som e linhas sequenciais pixeladas da tv. É preciso URGENTEMENTE encarar a internet como nova mídia. Já se foi o tempo do modem 14.4kbps. Vamos bagunçar isso aí. Sei lá. Às vezes, acho que eu quero ser empreendedor demais.


On 11/23/06, Bernardo Mortimer <> wrote:

É por aí mesmo. Só que com um dado que meio passa batido, mas destrói todo um discurso. Para que serve o direito à propriedade intelectual, seja patente ou direito autoral? A resposta oficial é que é para incentivar a pesquisa, a busca por conhecimento, já que garantiria uma remuneração a um investimento de tempo, dinheiro e mentes.

Mas peraí, as maiores invenções dos últimos 5 anos, ou 5 meses, qual é a diferença?, são todas de alguma forma um questionamento ao copyright. Quer dizer, a busca por informação tá aí, muitas vezes sem se viabilizar economicamente no primeiro momento.

E aí, ficou obsoleto resguardar direitos pela obra? Talvez não, mas do jeito que é feito agora, definitivamente sim.


De: Bruno Maia [mailto: brunomaia@....

Isso seria a vingança do comunismo, duas décadas depois do Gorbachev?

On 11/23/06, Bernardo Mortimer wrote:

Ou seria a vingança da simulação, sobre a realidade? A indústria do videogame já é maior do que a do cinema. O lançamento do Playstation 3 é tratado com mais atenção pela Sony do que o de qualquer outro produto - musica, filme ou eletro-eletrônico. A expectativa pelo lançamento do Nintendo Wii e pela segunda leva dos PS3 bate fácil a de toda a temporada de filmões de "dinossauro comendo raio laser" do verão do Hemisfério Norte.

Quer dizer, sei lá, me perdi.

Você aceitaria receber por um trabalho em linden-dollars?


De: Bruno Maia [mailto:brunomaia@...]

Prefiro em Lindts. Mas isso tudo já me deu uma azia tao escrota que é melhor deixar pra la.


De: Bernardo Mortimer

Rupert Murdoch, novo dono do Myspace, na Wired: "To find something comparable, you have to go back 500 years to the printing press, the birth of mass media - which, incidentally, is what really destroyed the old world of kings and aristocracies. Technology is shifting power away from the editors, the publishers, the establishment, the media elite. Now it's the people who are taking control."

(Para achar algo comparável, você teria que voltar uns 500 anos, até a invenção da imprensa, o nascimento da cultura de massa. Que, como quem não quer nada, foi o que destruiu o mundo de reis e aristocracias. A tecnologia está tirando o poder da elite da mídia tradicional, do sistema estabelecido. Agora, é o povo que tem o poder.)
Murdoch, Public Enemy, John Lennon, Patti Smith, todos com o povo.


De: Bernardo Mortimer

Uma última pergunta: O sobremusica vai quando pra secondlife?

"When Wired decided to publish a travel guide to the exciting, mesmerizing, sometimes intimidating, and always expanding virtual world of Second Life, we decided to follow our readers to the destination. So in conjunction with the online publication of our travel guide, we're proud to announce the launch of the Second Life Wired Offices."

Tô com preguiça de traduzir, vai.

Repetição sem farsa

Questionando a tal da teoria marxista de que a história só se repete como farsa, a qual citei recentemente por aqui, Bibi Ferreira vai subir ao palco do Teatro Rival de hoje até domingo para reviver dois de seus mais comentados trabalhos.

Sem pretensão de revival, mas sim de celebração da própria vida artística, a apresentação de Bibi será uma chance para quem ainda não viu entrar em contato com um dos trabalhos mais completos envolvendo teatro e música realizados por aqui. Perdi "Caubi", do Diogo Vilela. Quem estiver em São Paulo, não cometa o mesmo deslize.

Já ouço comentários emocionados de meu pai sobre esse trabalho de Bibi interpretando Piaf há algum tempo. Foi por ele (emocionado e repetindo todas as histórias que sempre conta ao se referir a este show) que soube que o espetáculo aconteceria novamente, somado a apresentações nas quais Bibi Ferreira homenagearia Amália Rodrigues. Serão espetáculos separados. Hoje e amanhã, Amália. Sábado e Domingo, Piaf. Hoje e domingo acompanharei meu pai, junto com meu irmão. Coisa de família. A tal da aura vem mais da relação afetiva do que da contemplação do objeto. Definitivamente essa reapresentação é só uma reapresentação e não uma tentativa xôxa de reviver tempos idos, nunca esquecidos que trazem saudades ao recordar ou de apenas capitalizar em cima da nostalgia alheia. Até por ser apenas uma reapresentação, sem mais, é uma oportunidade que raramente a vida nos dá, de voltar no tempo e parar em algum lugar que a gente só conhecia de ouvir falar.

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Depois de Bibi, vai ter show do Dado Villa-Lobos no Teatro Odisséia. Será que dessa vez eu consigo ver?

22.11.06

É assim, Tio Julian?

Victor Biglione já me disse numa entrevista que quase largou o violão. Não lembro se publiquei isso na época. Estava cansado dos exercícios passados pelo seu professor na Escola do ZimboTrio em São Paulo. Queria criar e era censurado a repetir movimentos e escalas que pareciam não levar a nada. Ao fim de mais uma dessas aulas, estava disposto a não voltar nunca mais, quando seu professor, em tom de princesa isabel, lhe disse: "Ótimo. Agora você já aprendeu o suficiente para começar a esquecer tudo e criar seu próprio som". Segundo o Bernardo, o Charlie Parker é da mesma teoria que o professor do Biglione.

Sexta-feira, no Circo Voador, vai rolar meio isso. Bravery e Moptop rezam bonito na cartilha que o Tio Julian Casablancas lhes ensinou. E vão muito bem. À procura de um caminho próprio, as duas bandas emulam referências, que ainda não podem ser tomadas como uma evolução. Talvez para o Moptop esse caminho vá ser mais fácil, afinal eles vivem a 7.612 km de distância física do professor. Ainda que vivam tempos de internet, quando a unidade mais praticada é a dos cliques por segundo, isso é significativo. O Brasil pode entrar mais na obra do Moptop e o som se tornar mais palatável para alguns daqui, se é que isso é necessário. Bob Dylan e as canções também podem ser um caminho. Aliás, via Dylan, a estrada dos cariocas tende a ser maior.

O Bravery está mais perto do que o Killers já faz, apesar dos dois grupos não se bicarem muito. A eletrônica e a newrave passeiam mais pela big apple do que pelo Rio. O Bravery, tal qual tio Julian, é de New York, New York. The city that never sleeps. Lapa de neon. Dá pra ouvir isso no som deles, não dá? Nesse sentido, pode se falar que o Bravery já evoluiu o próprio som um pouquiiiinho mais do que o Moptop.

Na Escola do Tio Casablancas, o Bravery está no Segundo ano, do segundo grau. O Moptop está na oitava série. Ambos vão passar de ano. Os nova-iorquinos vão pegar uma prova final ou outra, mas ano que vem vão fazer vestibular. Os cariocas já passaram direto e, em 2007, já estarão no high school. Novembro é quase férias. Tio Julian deve estar orgulhoso dos dois. Seguindo com essa dedicação, ambos chegam lá. Daqui a pouco, vão estar livres pra criar assinatura própria. A festa de formatura de um é no dia da prova final do outro. Dia 24, no Circo Voador. Tio Julian vai conferir as provas depois, pelo YouTube.

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Antes de sair de casa na sexta, ouça "Ninguém pra te esquecer" e "No Brakes". Ah! E ouve também "You only live once".

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E antes de você colocar um comentário exaltado falando de todos as bandas que o Tio Julian ouviu, eu lembro que os Tios também já foram alunos. Até o Tio Lou Reed.

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Na década de 1990, quando eu comecei a acompanhar o mundo da música, eram as revistas inglesas e a MTV que fomentavam as brigas e disputas territoriais entre Oasis e Blur. Em 2006, é o Google que ao fazer busca pela palavra "bravery", aponta como primeira opção de site o do The Killers. Provocação, hein.

21.11.06

Despedida de Robert Altman

Meu filme preferido dele.



Obrigado por Kansas City e por Nashville, fora todos os outros. Até pelo bonitinho A Última Noite.

19.11.06

O Que Será Do Amanhã

Fijazzofia





       Tava passeando pelo trabalho sujo, quando parei nisso aí, e fui dar uma olhada. Desmascarados, os franceses do Daft Punk, há dez anos, fazem improvisos com bases eletrônicas que provocam – e eu não sou de hipérboles – histeria nos americanos de Wisconsin. Há dez anos.
      Fiquei pensando em um papo que voltei a ter com o Bruno, outro dia, sobre a música eletrônica não bater nele, e da dependência (eita palavrinha ruim) do uso de drogas para a percepção da onda de um tipo de música, essas coisas. Não vou entrar no assunto, cada um já sabe o que pensa hoje, e só vai saber amanhã o que pensar amanhã.
       O lance é que me vieram à mente os solos do bebop, gravados sessenta anos atrás. E eu fiquei viajando se a resposta do público seria a mesma naquela época. Daft Punk seria um equivalente à Dizzy Gillespie, na procura por novas fronteiras. Outros tempos, outras platéias, mas um passarinho Charlie Parker me contou que anfetamina não faltou na década de 40.


       Isso tudo porque, na verdade, o que me tem ocupado a cabeça é o trailer do “Before the music dies”, que eu vi no urbe. Fora the Roots e Erikah Badu, tinha o Branford Marsalis questionando a Internet para a música. É um trailer, não é o filme, mas ele diz lá: “today Ray Charles wouldn’t get signed, today Stevie Wonder wouldn’t get signed: they’re blind”. (Hoje, nem Ray Charles, nem Stevie Wonder: eles são cegos.) O sentido, que quem dá é a edição, que fique claro, é o de que em uma nova lógica que privilegia o formato canção (e o hit, por conseguinte) não haveria mais espaço para experimentar, sair da moda, questionar, seguir a própria viagem, subverter ou ignorar o hype. Cegos, mesmo que geniais, estariam fora do novo sistema. Questão boa para discussão.

       Branford é um saxofonista de linhagem nobre no jazz, filho do pianista Ellis, irmão de Delfeayo, e – o centro da questão – irmão de Wynton Marsalis. Para quem não conhece, Wynton foi o trompetista prodígio que liderou o surgimento dos chamados young lions, jovens recém saídos das universidades, de olho em décadas anteriores, 50 e 60 em especial. Courtney Pine, Roy Hargrove, Joshua Redman, Nicholas Payton, David Sanchez, Cyrus Chestnut, você já pode ter ouvido falar. Eram vistos como a garantia de um futuro para o jazz, pensavam as mentes conservadoras. Disciplinador e radical, Wynton foi adotado pela imprensa especializada. Era um contraponto às experimentações de Herbie Hancock e Miles Davis, na época.
       O sucesso em uma onda de repopularização do jazz credenciou o trompetista a defender o lema de que o jazz é a música clássica da América, um mérito que hoje recebe críticas por uma possível “academicização” do improviso, e por um injusto assassinato da diversão no gênero. O fato é que com a popularização do acid jazz, em meados de 90, os principais talentos dos young lions partiram para experiências com bases eletrônicas, djs, levadas de reggae, samples, e tudo o mais. Fora discos individuais, dá para citar os encontros organizados pelo rapper Guru no projeto de trás álbuns Jazzmatazz, ou mesmo o Bukshot LeFonque, de Branford Marsalis.
       Pois bem, o ponto aqui é a briga, de 85, quando Wynton não aceita a ida de Branford para a banda de Sting. Era uma concessão grande demais para o pop, blablablá. Branford foi adiante: faz filmes com Spike Lee e Danny De Vito. Vira celebridade em 92, ao assumir a banda do Late Show do Jay Leno, um dos maiores talk shows americanos. Um ano antes, Wynton assumia a Lincoln Jazz Orchestra. E dois anos depois, Branford conduzia a experiência de uma banda de música – assim, sem ser de jazz ou de hip hop ou de reggae.

       Isso tudo para deixar claro: Branford não é bobo, nem tem a cabeça fechada. Se está preocupado, certamente pensou muito no assunto. E pensou do ponto de vista de um músico, não de uma estrela da indústria, ou de alguém que planeja ocupar esse posto. No jazz, os discos são gravados com mais facilidade (falo de processo burocrático/relação com a empresa), não é incomum que em um ano um cara tenha três discos lançados. No jazz, o mesmo artista quase sempre atua em diversas frentes: trabalho solo, trios, quartetos, orquestras, próprios ou de outros.
       Ou seja, no jazz, o álbum tem outro peso. Um disco não significa uma turnê que vai durar até as férias antes da gravação do próximo. Se as novas tecnologias facilitam na confecção de produtos fonográficos, a impossibilidade de comercialização desses produtos é uma crise que, em alguma medida, atinge o músico. A gravadora, dá para ficar sem. Ele, não. E os shows de jazz não são para platéias de mil ou duas mil pessoas, no mínimo, como no rock. Para não falar na música eletrônica, de um dj e uma mesa e pronto, custo quase zero.
       A grande pergunta é que nova rotina jazzística pode salvar o gênero diante do impulso de mudança (irreversível, né?) do mp3. Se a Internet funcionar como divulgadora e veículo para acordos com fãs, produtores, agitadores; as apresentações ao vivo ainda ficam com um peso na balança que pode ser maior do que a realidade. Se o Branford Marsalis – de duas décadas de carreira e sobrenome – se preocupa, porque sabe que vai continuar tocando para platéias de uma ou duas centenas, qual será o futuro do pianista promissor que ainda precisa te explicar qual é o nome dele? O jazz é o cego da nova música?
       Essa resposta o google não tem.

16.11.06

Na sala de jantar

Fotos: Bruno Maia
Pessoas ocupadas em nascer-e-morrer na platéia, pessoas preo- cupadas em morrer-e-renascer no palco. A máxima de "Panis et Circenses" bailou no mambo dos Mutantes. Em evento fechado, a banda fez a primeira apresentação no país desde o retorno aos palcos, no primeiro semestre do ano. Zélia Duncan está no lugar de tia Rita. O show foi no Garden Hall, no Rio de Janeiro, e a Rede Globo estava filmando para exibi-lo, em breve, no Fantástico.

Falar mal da volta dos caras é muito fácil. Há dezenas de frases prontas pra dizer que a história só se repete como farsa. Por isso, vou tentar me exercitar do outro lado, analisando porque foi bom assisti-los. Deixo as queixas para quem as queira, apesar de eu e você já sabermos quais são.

Certos fenômenos musicais têm um peso muito maior enquanto acontecimentos históricos do que enquanto instantes coloridos. Ver o Roger Waters tocando Dark side of the moon, no Roskilde, foi ótimo, mas melhor ainda é saber que poderei contar isso durante toda minha passagem por essa vida. O mesmo serve para a volta do Chico Buarque em Berlim, para o Pearl Jam na Apoteose, o Smashing Pumpinks no Metropolitan ou o Carlinhos Brown no Rock in Rio. São pequenos pedaços de história dos quais gostamos de nos apropriar para ter a sensação de que vivemos algo de fato relevante. Ver o Mutantes foi isso. Uma experiência histórico-antropológica mais do que musical.

Durante a tarde, eu assistia um material de arquivo para uma pesquisa e, dentro dele, tinha uma entrevista do maestro Júlio Medaglia ao (então) recém estreado Programa Livre, no SBT. Era coisa de 1991. A entrevista rapidamente virou um bate-boca desenfreado porque o maestro avacalhou toda a produção de rock após 1975, sobretudo a feita no Brasil. A galerinha queria matá-lo. De rock brasileiro, ele só defendia o Mutantes.

Ok, a segunda metade da década de 1960 foi deveras interessante, a ponto do próprio maestro dizer que, entre o Sgt Peppers e 1975, a música clássica ficou esteticamente paralisada porque o rock estava muito mais à frente no experimento das possibilidades de sintetizadores, pedais, etc.

Voltando a 2006.

- O problema, gente, é que isso passou – diria eu.
- Passou, mas eu não estava aqui pra ver – responderia eu pra eu-mesmo.

E criaria uma dúvida maniqueísta sobre o valor que isso tem pra mim. É divertido ouvir "Tecnicolor" e "Baby" ('you must take a look at me'...) com cheiro de ‘Abbey Road-está-passando-por-aqui”. É divertido ouvir aqueles longos fins de música, com a bateria comendo, os temas harmônicos se repetindo sobre vocais onomatopéicos que sempre sugerem que, a qualquer momento, alguém vai gritar um “HEY JU-DE...” . E continuar com o “na-nana-nananáááá...”

É um rock que ficou pra trás no tempo. A idéia de que no rock as pedras estão sempre rolando sem criar limo é tida como uma espécie de “diretriz do movimento”. O Mutantes tem um limo charmoso. Ninguém quis bancar o modernoso, até porque o Sérgio Dias tem certeza de que aquilo até hoje é vanguarda. Não é, mas é importante. Para alguns, a idéia de um “Museu do rock” pode parecer uma contradição com o dinamismo que o gênero sugere. Mas é importante ter um. Um museu itinerante, onde as peças se movimentem pelo mundo, como Globetrotters de guitarras. Ainda que a Zélia Duncan precise de uma backing vocal para que a banda dê conta de reproduzir os agudos característicos de Rita Lee naqueles tempos.

O setlist foi curto. Alem das já citadas, dá pra enumerar "Cantor de Mambo", "Top Top", "2001", "Ando meio desligado", "Minha Menina" (a música de Jorge Ben, com a qual o Mutantes começou a carreira cantando no programa do Ronnie Von), "Cabeludo Patriota"... Tiveram ainda outras que me fogem por ora. "Balada do louco rolou" lá pelo meio da apresentação, mas foi fazer mais sentido no final.

Ao voltarem para o bis, Zélia Duncan anunciou que refariam três músicas, procedimento normal em se tratando de gravação para a tv. Qual não foi a surpresa geral quando Arnaldo Batista, após tocar as repetições de "Ando meio desligado" e "Balada do Louco", se revoltou e fez jus à sua mais famosa música. “Ah, gente, tá bom, né, Chega. A gente fica aqui tocando e a Globo só erra!!! Eu não vou mais tocar. Tchau.”. Assim. Levantou e foi-se. Zélia e Sérgio rapidamente agradeceram e encerraram a apresentação, visivelmente constrangidos. Rolou um certo desespero na galera técnica, demonstrando que, de fato, aquilo não estava no script. Mas também, cá entre nós, não foi surpresa pra ninguém. O cara é louco, mas é feliz. Mais louco é quem o diz.

Balanço final: Para alguém que vê em 2007 a possibilidade de completar ¼ de século, como é o caso desse que vos escreve, tratou-se de um fenômeno diferente. Não existe outro Mutantes por aí. É um rock que passou, mas que ainda cai muito bem. Ficou datado, mas é bacana. Não é bateria-reta, não é eletrônico, não é regionalista, não é psicodélico. Talvez não seja nem mais tropicalista. É um polaroid da força bruta de adolescentes que viveram intensamente a contracultura e que, depois, envelheceram. A SonyBMG está por trás de cuidar do relançamento do grupo. Bacana. Ponto pra eles. Tá aí uma coisa que as gravadoras têm feito cada vez melhor: recuperar a memória musical desse país e capitalizar em cima. Certamente, isso se deve mais à facilidade de se relançar discos que estavam fora de catálogo com custos mínimos e com uma boa margem de lucro do que à bondade e zelo com a cultura nacional. Mas bem ou mal, eles estão fazendo isso e acho que devem continuar fazendo. Mutantes não tá com pinta de quem quer bombar no MySpace.

Dito isso, mantenham-se as reverências. Como show, o Mutantes ainda vale a pena. A diversão tem que estar na cabeça de cada um. Não dá pra esperar novidades vindas do palco. Não é essa a onda. Tal como Gustavo Kuerten e Romário, o Mutantes tem crédito para ir, vir, voltar e parar na hora que bem entenderem. Enquanto eles quiserem estar por aí, vai ter alguém querendo ver. Na sala de jantar, ou você está ocupado ou só lhe resta uma alternativa. Todo mundo quer um pouquinho de história pra si. Todo mundo que se sentir eterno. Todo mundo quer dizer que viu. E eu vi.

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sobremusicatv

:: Mutantes - "Ando meio desligado" (trecho)

14.11.06

Zune, 5 anos depois do iPod


Há quase dois anos eu tenho o meu iPod. A minha relação com o aparelho, porém, é mais antiga. O platonismo começou lá pra 2002, um ano depois do player aparecer no mercado. Apesar de baixar músicas frequentemente desde 1999, foi só a partir do dia que recebi o meu branquinho que meus hábitos de pagar por música mudaram. Até ali, eu continuava comprando todos os discos que ouvia e gostava. Depois do iPod, hmmm... Diminuiu bastante.

De fato, foi o surgimento desses novos players e das lojas onlines que acabaram de matar a indústria fonográfica, pelo menos na forma como ela se conhecia. As empresas passaram reto na estrada, não viram a saída à direita e agora estão tendo que andar mais um bocado pra tentar achar o retorno. A Apple aproveitou e se tornou rapidamente um dos nomes mais fortes de um setor com o qual, até então, ela nem se envolvia. A Microsoft também demorou, mas veio. Depois de dois anos preparando, foi lançado hoje o Zune.

Nesses dois anos em que eu lido com o meu iPod Photo 60GB, branco, nossa relação é de amor e ódio. Ele tem vários probleminhas que a Apple até agora não se coçou pra resolver. Vai lá que a idéia é que você possa fazer seus próprios playlists e não precisaria mais de rádio. Mas isso, na prática, não funciona. As pessoas ainda continuam querendo ouvir músicas escolhidas por outrem. Veja o sucesso do Last.Fm, por exemplo. Ou veja a política de investimento nos "music recommenders" da Nokia para 2007. Acho que já passou da hora de se meter um dial no iPod, por exemplo. Outro problema é quando o branquinho passa muito tempo sem ser conectado ao seu computador base original e os arquivos começam a travar. No meu período na Alemanha isso foi um problema seriíssimo. Cheguei a achar que o bichinho tinha quebrado de vez. Fora que algumas funções podiam ser mais intuitivas do que já são. Tem vezes que o iPod é bem burrinho.

Outro problema sério é a total falta de padrão nos inputs e outputs dos diferentes modelos. Eu acabo não tendo tanto problema porque tenho todos os tipos de adaptadores e cabos que um sujeito possa imaginar. Fora alguns apetrechos como gravador e transmissores wireless. Acho que já gastei o preço de um iPod novo só nesses "adendos" e por isso ainda não sofro tanto. Mas o meu gravador, por exemplo, não é compatível com os novos modelos lançados pela Apple. Aliás, quando fizerem o iPod com rádio, podem meter também um gravadorzinho , né... E a história de não poder trocar bateria?! Isso é o máximo do abuso de poder. Quando a bateria acabar, báubáu. Compra outro. t$c t$c. Se neguinho de Apple e Microsoft ficar muito de bobeira, as empresas de telefonia celular vão engolir. Já não é difícil encontrar telefones com câmera, mp3 player, bateria renovável, rádio e gravador por aí. A Nokia tá louquinha pra se fixar nesse setor... Vai dando mole... Foi abusando do poder que Sony, EMI, Warner, BMG, etc, começaram a dançar miudinho.

Apesar do atraso, acho que a Microsoft tá entrando forte na jogada. O Zune já traz inovações. Ao que parece, porém, menos do que podia e deveria. Não é muito, mas já rola nele um sistema que permite troca de arquivo direto entre dois aparelhinhos. Isso é lindo! Menos trabalho! Menos cabos. O cabo e a porta usb são as mais novas ferramentas da burocracia mundial. Quantas vezes você não já se deu mal por não ter o cabo usb adequado, com aquela saída de não sei quantos pinos na outra ponta, etc... Até nos iPods os cabos usb são um problema. Dependendo do modelo do seu, só um tipo de cabo funciona. O meu, como é mais antigo, ainda aceita todos os tipos... Porém, transmitir por bluetooth ou por qualquer outro sistema parecido é bem mais interessante. Facilita a vida de quem quer ouvir música. Veja bem que eu não falei em consumidor. Falei em quem 'quer ouvir música'. Esse consumidor já deixou de ser comprador há muito tempo. Hoje, ele, de fato, só consome, sem contrapartida financeira. Quanto menos trabalho o consumidor tiver, menos ele vai pagar por música. Bluetooth na veia! Música agora é serviço. Alguém já disse isso?

Pois bem. É nesse mundo que hoje rebentou o Zune. Dez anos depois do MP3. Cinco anos depois do iPod. Cinco anos antes do não-sei-o-quê. Dez anos antes de olharmos pra trás e vermos como nos contentávamos com pouco. Em 1996, meu modem dos sonhos era de 14.4kbps e o Oasis era a melhor banda do planeta.

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Nada a ver, ok? Mas hoje em dia, você sabe que uma banda tá bombando quando você vai falar no MSN com seu irmão de 13 anos e encontra isso:

Guido - Ñ posso +, ñ dá + pra levar, eu saio por ai, pensando em não voltar, + volto atrás c/ medo d recomeçar, mas é tudo igual (Ausente)

Se não entendeu, clica aqui.

12.11.06

Conversa com Nélson Meirelles (4)


Na quarta (e última parte) dessa conversa com Nélson Meirelles, ele mostra porque pode ser chamado de Mr. Reggae. O cara dá aula. Literalmente. Origens do reggae, como chegou ao Brasil, o processo histórico, os nomes e lendas, os desdobramentos modernos disso tudo aqui no Brasil e no mundo, etc, etc, etc, etc... Finalmente falamos mais de DigitalDubs e localizamos (quer dizer, ele localizou) o grupo dentro desse contexto, desse momento histórico. Crise da indústria, geração homestudio, reggae iô-iô, dub cascudo e até uma inédita revelação sobre a vida de Robert Nesta Marley. Ou você pensou que já sabia tudo sobre ele? Sabia que o rapaz também participou do Woodstock? Não? Pois é.

Se joga!

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fotos: Bruno Maia
NM: O que eu fiz assim que eu saí dO Rappa foi ir para Portugal para produzir o primeiro disco de reggae de lá, com uma banda de angolanos (Kussondulola) que tinha lá. Foi quando eu conheci o Gussie P., que é um produtor do caralho – eu tô até pra ligar pra ele essa semana –, um inglês-jamaicano que tem várias músicas... É uma fera do dub.

sm: Chegando então ao Digital Dubs. Como surgiu a idéia inicial? Teve alguma coisa a ver com o que você vinha fazendo interminavelmente com o Rás Bernardo?

NM: Não. O Rás foi uma coisa que ficou cozinhando por um tempo. Era a minha lembrança e tênue ligação com o mundo artístico, entendeu? Aquilo foi ficando cada vez mais distante de chegar a algum lugar. Até que um dia, estava eu muito bem em casa, quando abro o Rio Fanzine, naquela última página de promoções (ne: do caderno Rio Show, publicado toda sexta-feira, no jornal O Globo), aparece um desenho: Festa de Dub na Cidade. Era no sebo Baratos da Ribeiro, em Copacabana. Esse sebo era de um amigo meu, o Marcelo. Final de 2001. Festa de reggae? Dub? Que porra é essa? Liguei pro Marcelinho e perguntei o que era. ‘Não, isso é uma parada do amigo do Maurício (sócio da loja), um tal de Marcos Paulo que tá fazendo essa parada de Digital Dubs. Daí eu falei: ôu, ôu, quero saber que parada é essa aí.

sm: E nessa época você só atacava de fiscal do município, né?

NM: É, tinha essa produção lenta e gradual do Rás Bernardo, que já era quase um hobby. Daí eu tirei um xerox desse anúncio, passei por fax pro Otávio (Rodrigues) em São Paulo e falei: ‘Ô, Otávio, tá rolando essa parada aqui. Vou lá ver qual é’. Cheguei lá e perguntei pro Maurício que parada era aquela. Fiquei curioso. Ele disse que o Marcos Paulo era um amigo dele, que era ligado nesses lances de reggae e dub e que seria bacana que eu o conhecesse. Eu estava começando com o meu estúdio. Ah é... Nesse meio tempo, eu comecei isso. Eu já tinha a vontade de abrir o meu estúdio algum dia, um home studio. Eu tinha escolhido um apartamento, estava montando bem devagar, mas me considerava totalmente fora do mercado.

sm: Mas você estava ligado no que vinha acontecendo musicalmente?

NM: Muito pouco. Ouvia algumas coisas lá de fora, ia nuns shows aqui... Em 1997, eu fui ao carnaval de Notting Hill. Foi uma experiência do caralho e eu fiquei com uma puta vontade de voltar lá. Comprei uns discos... Em 1998 e 1999, eu fui a Nova York, também comprei uma porrada de disco, muita música eletrônica... Acompanhava a festa do Calbuque, a Febre, antes de ir para a Casa do Matriz, achava aquilo do caralho...

sm: Então você não estava totalmente por fora... você tinha uma idéia.

NM: É, mas não me encaixava, não tinha um grupo, um crew, uma galera em que eu me encaixasse. Ficava sabendo das coisas, mas muito em casa. Aí eu conheci o Marcos Paulo e ofereci umas caixinhas de som que eu tinha largadas lá no estúdio para ele reforçar o som da festa. Ele falou: ‘Pô, legal! Você quer tocar também? Traz uns cd’s aí pra tocar”. Eu falei: 'beleza, vou trazer'. Era um lance bem descompromissado. Eu cheguei, pus uns discos, fiz um setlist...

Sm: Mas aí era só de ‘dar play’...

NM: É, eu nunca tinha sido DJ na minha vida. Era eu aqui e o DJ lá. Nas festas que eu fiz na época do Batmacumba, eu nunca pus som. Isso ficava sempre com os meus parceiros. Eu só ficava dançando, sugerindo uns discos... Eu nunca botei a mão numa picape. Pra mim DJ era outra coisa... Eu era músico. Eu não tinha a menor ligação com esse universo. Já o Marcos Paulo era um cara que vinha desse universo, de fazer festinhas em playgrounds... Eu sempre passei ao largo disso. Aí ele achou maneiro, eu curti o que eles colocaram...

sm: Se lembra de alguma coisa que rolou nesse dia?

NM: Ah... Lee Perry, dubs em geral, eu toquei as minhas coisas....

sm: uns Mad Professor...

NM: É, Mad Professor, Black Uhuru, dub, coisa assim. Isso foi em 2001. Em janeiro de 2002, ele programou a festa... Porque o Digital Dubs é basicamente o Marcos Paulo. Ele é o nosso grande líder, o homem que faz aquilo ali andar. Eu estou aqui conversando e ele tá lá ralando no estúdio. Eu respeito pra caralho ele. Acho um puta talento. É mais uma pessoa que eu tenho a sorte de conviver, como foi o Yuka, como foi o Sérgio Mekler. Ele é um achado.

sm: Só uma intervenção: você ainda não disse qual é o seu disco dessa década. Já teve um?

NM: Eu estava falando isso com a minha amiga e fui até a década de 90. Essa década do zero... não sei. Não teve ainda... Ainda estamos no seis, né... deixa chegar mais perto que eu posso te dizer olhando em perspectiva.

sm: Mas não teve nenhum punch ainda?

NM: Hmmm... cara... não sei...

sm: É, se tivesse você já teria se tocado...

NM: É... Ainda não formatei...

sm: Pros outros você não teve que pensar muito pra dizer...

NM: Mas eu também cheguei a essa conclusão há pouco tempo. Eu lembrei da minha infância, Pink Floyd, os anos 80, com Police e Bob Marley e depois o Red Hot...

sm: Saquei, mas e aí...

NM: Aí o Marcos Paulo programou uma festa durante todo o mês de janeiro de 2002, ali na Gávea, no Le Bistrô. Aí ele me chamou. Tem a primeira filipeta onde se lê “Digital Dubs convida Nélson Meirelles”. Ele tinha um parceiro que fez lá no sebo, que fez essa temporada na Gávea, mas no final o cara só queria drum’n bass, não estava interagindo. No início, o Digital tinha uma coisa que era meio chill out, meio eletrônico, um pouco de drum'n bass, mas sempre com o pé no dub. Era uma coisa aí no meio. Hoje em dia, eu posso dizer que a gente abandonou um pouco essa casca inicial até pelo que está acontecendo, pela resposta de público...

sm: Pelo processo autoral também, né...

NM: É, tem isso. Então nós fomos abandonando. Chegamos até a fazer algumas coisas no estúdio, o Muzambinho, meio db. O estúdio só começou a rolar de fato por causa do Digital. Daí, depois dessa temporada de janeiro de 2002, o Marcos Paulo virou pra mim e falou que ele estava marcando umas datas no L.A.P.A, no centro da cidade, e me chamou: “Pô, vamos fazer juntos? O cara que estava comigo está meio em outra onda... Vamos fazer... Você põe os seus discos, eu ponho os meus...” E eu topei e comecei a virar DJ pela primeira vez, cara. Não tinha nenhum cacoete.

sm: E o que que te encantava naquela brincadeira? Era só o hobby da coisa?

NM: Eu tenho uma visão da música, cara, que é meio doentia. Eu converso isso com a minha analista. Enquanto está na brincadeira, na argamassa, cara, eu acho um tesão do caralho! Ir contra todas as lógicas, ir buscando, fazendo diferente... Eu já vivi isso várias vezes... várias. Aí, chega uma hora, pelo menos nas outras experiências, que me dá um bode. Ou fica chato, ou fica burocrático, ou me enrolo pessoalmente, ou minha vida vira para um outro caminho... Mas eu estou achando que com o Digital é diferente, cara. Até porque a gente tem uma relação meio aberta. O Digital é meio articulado. É muito menos opressivo em termos de “tem que fazer isso, isso e isso!” . Tem hora que é festa, tem hora que é estúdio, tem hora que é show, tem hora que é contratar e trazer um cara de fora, sabe? Isso tudo...


sm: Mas é mais tranquilo até porque o formato do Digital também não permite que ele seja uma coisa gigantesca, não é? Ou permitiria?

NM: Acho que sim, cara. Você nunca sabe o dia de amanhã...

sm: Eu digo pela forma que você mesmo está descrevendo, em que ele está estruturado. É quase um enterprise, uma empresa...

NM: Eu já falei pro Marcos Paulo que eu não vou fazer todas as festas. Tem noite que eu não vou por um motivo ou por outro. Ele diz: “Não, tá tranqüilo”. E a coisa já cresceu e não tem muita diferença.

sm: Então, é isso que eu digo. Nesse formato, não é porque a coisa cresceu que você vai estar obrigado a milhares de compromissos...

NM: É... Embora eu ache que isso pode até acontecer. Por exemplo, em setembro nós fizemos dois shows simultâneos em dois estados diferentes da federação! (risos). Um aqui, na Fundição Progresso, que eu fiz com o Kuque, e o outro que era o Rás Bernardo, o BNegão e o DigitalDubs lá em Minas, que foram o Marcos Paulo e o Cristiano. Isso é incrível! Você pegar o jornal de duas cidades e vê anunciado ao mesmo tempo!! Vai pensar que é mentira, mas não é.

sm: Cuidado, porque o último que eu vi assim foi o Olodum, que fazia show em tudo quanto é canto, hein... (risos)

NM: (risos) Que nem o Stomp, né? Cirque du Soleil... Meio filial, né...

sm: Mas aí esse processo do Digital até chegar a gravar se deu em função de quê?

NM: Em função do estúdio. Depois que nós marcamos essas festas todas, no L.A.P.A e mais uma ou outra coisa, pintou a chance de fazer um programa de rádio na internet no VivaFavela, que depois virou VivaRio. Então nós passamos o ano de 2002 fazendo isso. Nesse ínterim, nós fazíamos algumas festas e entraram o Cristiano e o Haroldo Mourão, que escreve no Casseta & Planeta. Mas ele acabou saindo fora. Então ao longo desse ano, nós fazíamos o programa uma vez por semana – me lembrou muito o Batmacumba, na Fluminense –, nos reuníamos e fazíamos um lance que era meio pra ninguém, porque era rádio na internet e isso não estava tão bombado como está hoje. Só que nós passamos um ano convivendo, trocando informação, mostrando discos. O Victor Rice, produtor que hoje trabalha em São Paulo, nós conhecemos nessa época. Ele foi nosso entrevistado. Outras pessoas também. Chegou o final daquele ano, nós chegamos a conclusão de... pô, tinha o estúdio...

sm: Mas no programa de rádio era só tocar música, né? Não tinha ainda nada de compor...

NM: É, nada. A gente só se encontrava uma vez por semana, ali, e fazia as festas de vez em quando. Mas aí nós chegamos a conclusão de que seria mais produtivo irmos lá para o estúdio. O Marcos Paulo já tinha umas composições. A primeira coisa que nós fizemos foi dar uma editada num dub que ele tinha e que virou “Dub n°1”. Depois fizemos outras coisas ao longo de 2003.

sm: Foi aí que você começou a mexer com as coisas de programações em computador...

NM: Eu já tinha isso por conta do disco do Rás Bernardo....

sm: Usava os Reason da vida...

NM: Reason até que não. Usava o Sonar, que era o que eu usava no disco do Rás Bernardo. Eu vinha fazendo aquilo, desfazia, refazia...

sm: E o Rás não te cobrava isso não?

NM: Não, cara... Ele ficou muito à deriva na carreira e na vida dele. Ele ficava muito na expectativa de que ia acontecer alguma coisa, mas ele mesmo não se organizava. Nada saía muito dali. Daí quando chegou 2003, nós passamos a freqüentar mais o estúdio, depois o Marcos Paulo arrumou uma cópia da chave do estúdio e passou a ir lá quando eu não estava... No início, ele só ia quando eu ia. Como nem sempre eu podia estar lá todos os dias... Eu vejo assim, cara. Uma boa qualidade na vida é você ser humilde e sacar. Quando eu vi o Bino tocando baixo, eu falei “Caralho!! Bicho, toca aí!” e dei o meu baixo. Eu vendo o Marcos Paulo, eu quase disse: “Bicho, fica aí com o estúdio”. O estúdio é meu, porque fui eu quem construiu e montou. Mas de lá pra cá, tá muito muito mais na mão dele do que na minha. Eu fico feliz de falar, porque eu acho isso um privilégio de o cara estar lá fazendo o que ele está fazendo. Ele tá brilhando. E é um diferencial no Cidade.. ô...

sm: Cidade Dubs... (risos)

NM: Ato falho... (risos) Marcos Paulo é o cão de guarda estilístico. Não tem uma gota fora do penico.

sm: Uma pergunta que o Bernardo (Mortimer), que não pode estar aqui comigo agora, certamente faria... Bernardo é um árduo defensor da modernização do reggae e de um quase combate a esse reggae de...

NM: Reggae Iô-Iô...

sm: ... de raiz... de cachoeira, né... Digital Dubs também...

NM: Total. Isso é uma bandeira nossa! O Marcos Paulo nem conhece os discos do Bob Marley...

sm: Prefere nem ouvir, né... (risos)

NM: É tipo você, que ouviu Skank antes de ouvir Marley... Ele já nem ouviu Marley! Ele é radical. Você ainda tem a alma de jornalista, de pesquisador, ele... Tem vezes em que eu falo com ele; ‘Pô, como é mesmo aquela música que abre o Exodus, do Marley”, que é o “Natural Mystic”, que eu estava tentando lembrar... Ele vira e: “Eu sei lá qual é a música que abre". Essa coisa que eu ainda trago do vinil, de “qual é a última do lado A”... Eu lembro que a primeira do Kaya, a ...

sm: É, aí eu já não sei. Eu já tive mais contato com outros formatos...

NM: Pois é... A primeira do lado B é o “Misty Morning”. Essas coisas todas ficam na sua... E eu ainda peguei isso com o Cidade Negra, de ter que definir qual a música que vinha primeiro. “Essa abre o lado A... E qual fecha o lado A? Hmmm.. Pode ser essa aqui. E qual abre o lado B, que é o segundo início do disco?!” Cara, tudo isso eram questões que hoje em dia são risíveis. Eu trago isso e sei o valor que isso teve numa época. Até hoje, existe uma seqüência, mas não se tem mais a quebra de página que se tinha antigamente.

sm: Eu não lembro onde foi que eu li que a grande revolução da música recente não foi o Napster e sim quando criaram o botão “Skip”, pra se pular a faixa. Porque aí se quebrou o conceito do álbum, né...

NM: É a mesma coisa com o controle remoto, né... Durante anos se disse que o Roberto Marinho era contra o controle remoto por conta da facilidade que o cara teria de ir pra outro canal... Eu acho que é lenda urbana... Essa coisa do reggae iô-iô, eu já tive a minha fase. Eu já tive 18 anos em 1981, ouvindo reggae iô-iô, que na época não era reggae iô-iô. Bob Marley ainda estava ali, vivo. Aquilo fazia um sentido ali, naquela época. Não se pode querer transportar aquilo. É que nem hoje se querer falar em Police. É até engraçado alguém falar da força que o Police teve...

sm: De Do Do Do, De Da Da Da....

NM: É!!! Mas, bicho, pra quem ouvia Led Zeppelin, ouvir The Police era outro mundo. ‘Como é que é?! Isso aqui...’.

sm: O próprio último disco do Clash, o Sandinista...

NM: É, teve até o Radio Clash que era meio eletrônico. Então, tudo bem. Eu reconheço. Eu entrei no reggae por Bob Marley. Falo isso sempre. Agora não escuto mais. Vem o Ziggy Marley hoje, eu... pô... preferia ver o Damian. Ziggy Marley pra mim é reggae iô-iô de alta grife, falando da paz, do amor... caô do caralho. Marrento...

sm: Só a estirpe, né... o pedigree...

NM: É, um milionário, né... Mas enfim... Então não dá mais pra ficar naquela coisa...

sm: Você acha que passa um pouco pelo processo de...

NM: Desinformação. Primeira coisa. Desinformação que existe no Brasil em todos os setores. Em rock, outras coisas... no hip hop talvez nêgo esteja mais ligado. Mas hip hop não conta, porque já virou mainstream, já virou uma baba do caralho. Mas se você olhar o que era o Public Enemy e o que deu hoje em dia, Putaquepariu! Coitado dos caras...

sm: E tem um lance de tratar o reggae como música urbana, diria o Bernardo... Porque o reggae nasceu nas favelas, de um contexto claramente urbano. Não é uma música de floresta. Pelo contrário, ele é uma música urbana, moderna e ligado à vida de cidade...

NM: É...(reticente) Na Jamaica, é uma música de periferia que, até na Jamaica, ele era considerado periférico. Uma música levada mais a sério.

sm: É, mas não era música de cachoeira. Não era música Raiz do Sana...

NM: Olha só, tinha a vertente do reggae rural, dos caras que vinham do interior, que eram os nêgos matutos.

Sm: Nessa época, lá atrás?

NM: Sim, sim. Tinha. Tinha os caras do Culture, que nunca foram as minhas preferências no reggae. Tinha o The Clarendonian, os trios vocais principalmente... Clarendon é uma região. Ethiopian, essa galera toda do Culture... Se você for ler, se reconhece isso quase como um reggae quase que rural. Como tem o blues eletrificado...

Sm: Eles são contemporâneos do início do reggae mesmo?

NM: Eles são... São daquela fase meio rocksteady pro reggae, virada dos anos 60 para os 70...

Sm: E você acha que essa galera desse reggae no Brasil tem essa informação?

NM: Não!!! É desvirtuação. Essa galera acha que Bob Marley é a fase (do selo) Island, do Chris Blackwell, e o que veio depois, um pouquinho em volta: Culture e, no máximo, vão em Burning Spears. Agora, o reggae tinha uma coisa, não de ficar falando de cachoeira, mas são caras que... Quando eu conheci o Mutabaruka, ele só andava descalço. Ele fala contigo andando descalço, sem camisa. A parada é roots nesse sentido. Espiritual. Não é macaquice. O que eu posso te dizer é que esse lado, na própria Jamaica, já deu uma dançada, de 1985 em diante, um pouco antes de 1990, que teve aquela onda do dancehall frenética, cocaína entrando... isso deu uma mudada. Anos depois, os próprios caras, o Bujo Banton e tal, deram um retorno à onda do roots and culture, e veio o (Rás) Lee & Roots, não sei o quê. Você tem o Luciano, como grande expoente, o Bujo Banton... São os caras meio religiosos, mas já... Pra eles, pros jamaicanos, gravar com computador, tanto faz. O que importa é a mensagem que está sendo passada ali. Agora, o jamaicano é meio rural. A Jamaica é meio rural. Então, o reggae de cachoeira daqui desvirtuou nessa coisa aqui chamada de reggae-iô-iô-cachoeira. Mas o jamaicano tem dentro dele uma certa espiritualidade.

sm: É um iô-iô-cachoeira sério. Não por macaquice. É isso?

NM: Exatamente. Aqui é desinformação. Você vai ver, o que é reggae roots? O que o pessoal considera reggae roots na Jamaica é outra coisa. Roots são os caras que fundamentais, que chegaram lá, vindo do rocksteady... Mais roots que Studio One não existe, entendeu? Essas concepções foram repaginadas e revistas ao longo do tempo e estão aí até hoje. Então, reggae roots, de repente nêgo não considera as paradas do Studio One, do Coxsone Dodd, como roots, entendeu? Tem que ser Bob Marley...

sm: Só Bob Marley, né...

NM: É, o Culture também eles consideram. Mas é desinformado. Sempre tem que ter aquele naipe, aqueles backing vocals que não-sei-o-quê... Eu até confesso que contribui um pouco pra isso, porque o Cidade Negra tinha isso no início, tinha aquele solinho de guitarra, que o Ricardo Barreto fez conosco várias vezes... Esse formatinho assim meio Junior Marvin, no The Wailers...

sm: E qual é o papel do dub e do DigitalDubs nessa discussão estética?

NM: Cara, é focar no que realmente é o centro da questão. O dub pra gente é Lee Perry e King Tubby. Depois é o Prince Jammy, o que esses caras, King Jammy, fizeram e representaram de invenção de linguagem. O Lee Perry é um inventor, cara! É um Da Vinci do reggae. O cara criou coisas. O King Tubby é outro. Se você for analisar, por que disso? E você começa a entender que o jamaicano tem uma ligação muito forte com a tecnologia. Não é só a música, a composição. O brasileiro, por exemplo, pega um violão e, por exemplo, Cartola. Ele vai chegar, vai compor, ‘olha que harmonia linda tal’... nêgo chega e grava em qualquer lugar. Gravou. ‘Tá bonito o violão? Tá bonito. Tá bonito o pandeiro? Tá. Tá lindo...’. Já foi. Pro Jamaicano não. Não é só a música. Tem vezes que a música é um detalhe. Às vezes é o som que aquilo tem. É o baixo que aquilo traz. ‘Caralho, nunca ouvi um baixo tão forte que nem esse’. 'Nunca ouvi uma bateria...

sm: É o grave estourando, né... a coisa bem dos soundsystems...

NM: É, eu acho que já entra a coisa do transcendental africano, o tambor que existe dentro do negão.

sm: Mas até que ponto defender esse ponto de vista jamaicano legitima ou não o que se produz no reggae?

NM: Cara, você vai ver o seguinte. O negão nos Estados Unidos tem a mesma coisa com o funk e com os baixos batendo... É um impacto. A radicalidade do hip hop no início... Scratch é uma puta invenção. E não por acaso foi um jamaicano que foi lá, o DJ Kool Herc que foi lá e começou a botar as bases pros caras cantarem em cima. Depois foi o GrandMaster Flash e a galera e começaram a fazer os scratchs... É uma invenção. Eu não sei explicar de onde isso vem, cara.

sm: Mas a minha pergunta agora é mais provocativa, no sentido de questionar os argumentos que você estava usando de fazer referência a um tipo de som ligado à formação jamaicana do reggae...

NM: É porque se você vai na Jamaica...

sm: E por que você tem que ir na Jamaica?

NM: Porque lá você vê a mesma coisa que eu vi quando fui na Bahia e vi o cara tocando as músicas do Gil, dos Novos Baianos... Aquilo fez as fichas começarem a cair.

sm: Pra você entender a estrada do reggae, tem que se ir à boca do vulcão...

NM: Você tem que... Eu fico falando isso pro Marcos Paulo e para o Cristiano. ‘No dia que vocês forem à Jamaica, vocês vão pirar!’ Porque tem um outro lado que você não aprende lendo, nem ouvindo disco. Você pode sentir isso um pouco na Inglaterra... Saindo no meio dos jamaicanos, você vê... Eles têm um approach com a música que é extra-músical, extra-melódico, extra-letra. Eles têm um lance de tecnologia, de som, de impacto, de massa. Que é o que a galera do baile funk aqui tem. Não basta ser uma musiquinha com um refrão. Se não tiver aquele cavalo quén-quon-quén-quon, nêgo não vai gostar. Vai achar que aquilo é fraco. Vai gostar mais da Furacão ou da Soul GrandPrix em função de quem tem mais potência. Se você entra numa van aqui, talvez você vá ver uma ou outra que tem um som mais incrementado, mais cascudo. Lá na Jamaica você vai ouvir ááállltos sons!!! O cara vai começar a tocar uma seleção de reggae que você não vai querer sair da van! Só o que ele gastou de dinheiro ali pra botar aquele som, com aqueles subwoofers, aquele power! É uma loucura, cara! Você vai na casa dele e, da mesma maneira que eu falei que o cara em Olinda tem os quadros do artista local, você vai ver que lá tem essa coisa do grave... Não é só a música e sim, também, como a música é apresentada. Não é só mandar Lá-Ré, Lá-Ré.

sm: Mas você acha que essa forma como você faz referência – e quase reverência – ao modo como o jamaicano faz, se justifica pelo fato de que eles, de fato, fazem melhor ou pelo lance de ser o berço da coisa toda e, naturalmente, há que se olhar a forma como eles estão fazendo? Ou as duas coisas?

NM: Bicho, quem inventou o futebol?

sm: Os ingleses...

NM: E quem joga o melhor futebol?

sm: A gente. Mas aí é que tá...

NM: Cara, eu li um livro gigante sobre o reggae e tudo que tem ali... Eu vi que tudo que aconteceu na Jamaica, se repetiu em São Luís, no Maranhão. O timing, os ciclos que se sucederam... Como foi na Jamaica? Os caras, os negões, gostavam de R’nB. Jamaica é uma ilha, muito porto, muito navio e os caras que trabalhavam lá, também viajavam muito pra os Estados Unidos a trabalho. Falavam inglês, ficavam lá três, seis meses, um ano e voltavam. Plantação de laranja, tomate e, mais tarde, em fábricas. Bob Marley mesmo trabalhou em fábrica. Bob Marley foi bilheteiro do Woodstock.


sm: Ann?!?! Bob Marley? Bilheteiro do Woodstock?!?! Não sabia disso não...

NM: Ninguém sabe isso! Quem me falou foi o maior expert de Bob Marley que existe no mundo, um norte-americano, o Roger Steffens. Eu fui na casa dele na Califórnia e daí ele falou: “Você sabia que Bob Marley foi bilheteiro, vendeu ingresso, para o Woodstock?”

sm: Isso não está escrito em lugar nenhum? Vou dar essa exclusividade no sobremusica, hahaha!! Bob Marley, bilheteiro no Woodstock...

NM: Ele trabalhava no terceiro turno, na madrugada, da General Motors. Daí, o Woodstock era ali perto... daí... Enfim... Aí os jamaicanos começaram a trazer uns discos. ‘Ah, vamos fazer um sound system’. Então, nada é mais roots que um sound system. Primeira coisa. Quem é aqui que vai ligar um sound system ao roots? Roots é raiz, não é? Origem... Então, origem do reggae é o sound system. Por quê? Porque nêgo fazia o sound system na frente do boteco, armava o bar e ganhava dinheiro. Como? Vendendo bebida.

sm: Como nas escolas de samba....

NM: Exatamente. E a música era o chamariz pra galera. Então eles começaram a fazer isso com o R’n B da galera. Só que aquele R’n B americano começou a bombar e foi indo meio em direção ao rock’n roll, depois ao gospel... Foi virando outra coisa. Mais até em direção a soul, funk e rock. E os caras começaram a se ligar que não havia mais aqueles discos que eles gostavam. Os caras iam-voltavam, iam-voltavam e nada. Estava difícil de achar... A mesma coisa acontecia em São Luís. Os caras iam à Jamaica, traziam os discos... Mas chegou uma hora em que aquilo acabou. Pilha de coisas novas. Quê que neguinho fez ? ‘Eu vou tentar pegar uns caras aí, pra municiar o meu sound system’. Gente de lá, armou um microfone, uma fitinha de rolo, pra ver qual era. Isso é antes do ska, é o proto-reggae da pedra lascada. Aí, na época que a Jamaica bombou, a independência foi em 1962, houve o show da Feira Internacional, aquela feira que às vezes tem, já teve em Sevilha, já deu a Torre Eiffel pra Paris, deu os prédios da Avenida Pasteur no Rio, etc... Esse show foi tipo o show do Carnegie Hall pra Bossa Nova. Essa feira foi em Nova York, a Jamaica tinha acabado de fazer a independência e estava na onda do ska. Fizeram um comitê, representando a delegação da Jamaica, que era só a galera que cantava lá na época. Jimmy Cliff e tal... Em meia-dois. E isso deu no ska.. Eu vi, há pouco tempo, uma entrevista com o Coxsone Dodd em que ele fala: ‘Eu nunca imaginei que eu podia fazer um disco e vender’. Porque ele fazia a música pra tocar no sound system. Fez sucesso? Ótimo. Não fez, outra... E aí começou outro soundsystem, que fez o seu estúdio. Primeiro veio o sound sytem, depois vieram os estúdios. Daí, surgia um concorrente que fazia o mesmo. É como se a Furacão fizesse o seu estúdio e a Soul Grand Prix fizesse outro. Em cada estúdio, um naipe de músicos... Só que lá nunca teve uma major. Aqui no Brasil, sempre ficou em função da CBS, e tal... Até teve a Rosembrinck no nordeste, mas... Lá, como a coisa era menor, guetão, a tosqueira deu a independência. Que é uma coisa também que... É uma filosofia a ser pensada. É mais ou menos como eu venho fazendo. Começo uma coisa, paro.

sm: Aí você chega num outro ponto que eu queria tocar. Você falou da tosqueira que gera independência. Nos últimos anos, se observou bastante o surgimento de uma chamada “geração homestudio”, mais nova que você, que cresceu produzindo nesse formato, e que, pra sorte dela – ou por conseqüência – teve toda a revolução digital da música que retro-alimentou isso.

NM: É, e que está derrubando as gravadoras... Na Inglaterra, eles chamam de “Bedroom studios”. A Jamaica já ensinou isso pra nós desde os anos 50! Os primeiros sound systems são da década de 40! Quando fortaleceu, cristalizou... Em 1945, já tinha gente tocando e fazendo coisas. Nos anos 50, formatou-se e de 1960 em diante, eles vêm ensinando essa independência. O ‘do it yourself’, dos punks, neguinho lá já tinha feito. Isso é incrível. Não é por uma consciência, é só pela tosqueira de ‘óh, bicho, não tem. Então, como é que faz?!’. Eles faziam uma guitarra com arame, lata de sardinha e linha de pescar! Olha só, cara!

sm: E como é isso pra você? Um cara que não é jamaicano, que cresceu em um outro formato de indústria, foi empresário de banda, trabalhou nesse mercado, e hoje está num projeto que fundamentalmente depende e gosta de depender, eu acho, dessa nova mídia, desse contexto. Qual é a sua relação com isso, primeiro, desde que você voltou a mexer com música em 2001 e, segundo, qual a sua relação estética com essa geração, com essas novas ferramentas e com esse novo cenário?


NM: A gente está totalmente inserido, né... Eu me sinto completamente identificado. Eu estava conversando outro dia, num aeroporto, com o Lucas Santanna e nós chegamos a mesma conclusão: cara, essas gravadoras têm que falir todas! Acabar esse desperdício de emprego, entendeu?! Inadmissível um diretor de gravadora ganhar tanto quanto ganhava... Se bem que hoje em dia eu já nem sei se ganha... Elas estão se fundindo pra se manter mais um pouquinho. É tipo gelo derretendo. Estão minguando, perderam o bonde, não têm noção. Hoje em dia, a distribuição digital é que vai bombar. Daqui a pouco não vai se comprar nem cd, você só vai fazer download direto pro celular! Eu sou um cara que não tem nem celular, abdiquei disso, mas eu adoro essa idéia. Acho totalmente...

sm: Mas isso não é contraditório? É uma atitude meio provocativa?

NM: Não... é.... Na verdade tem um lance meio provocativo...

sm: Um ato de rebeldia... (risos)

NM: É, exatamente! (risos). Que nem até hoje eu faço cheques com o símbolo anarquista antes do número... Eu faço o símbolo do anarquismo no início e no fim, sempre... (risos). Existem coisas que eu resisto. Cara, eu paro pra pensar e fico contente comigo de ter feito esse caminho todo. Eu penso que se eu tivesse no Rappa hoje em dia... Pô... eu ia estar em outra situação... essa coisa de banda, de grande gravadora... tem uma hora que fica chatérrimo. Acho essa aventura do DigitalDubs muito mais interessante, em contato com o que está acontecendo na rua, a maneira como é feito...

sm: E você ousa imaginar o que é um 2007 para o DigitalDubs, por exemplo? Nesse contexto de velocidade, dinamismo, de se ter toda a cadeia à sua disposição e ao mesmo tempo ser nada nessa cadeia, porque está todo mundo lá e...

NM: A gente consegue pagar as nossas contas, cara. Eu gostaria que a gente chegasse a um padrão de trabalho mais intenso, com mais gigs...

sm: Mas sair em gig juntos ou nesse formato de um estar aqui e o outro em BH? Ou tanto faz?

NM: Cara, a gente está querendo formar uma banda pra trazer alguns cantores e...

sm: É, essa é uma das grandes questões do DigitalDubs: ser uma banda ou não ser...

NM: É, a gente mesmo não sabe... As pessoas perguntam de que maneira nós vamos nos apresentar, dessa ou da outra?, tem gente que gosta só de um formato, não gosta do outro...

sm: Vocês gostam de todos os formatos ou têm preferência por algum?

NM: Olha, eu como músico, originalmente músico, adoro o formato banda. Não precisa ser 20, pode ser meia dúzia de caras. Eu ainda gosto muito de tocar baixo, ainda me sinto um baixista... Mas também gosto de estúdio pra caralho. É um puta prazer pra mim. Pô, agora a gente acabou de fazer um riddim novo que eu estou adorando ouvir... Cada vez que eu ouço... Aprendi a gostar de ser DJ, um lance que eu nunca imaginei. É uma ferramenta nova que eu tenho, que eu não tinha e à qual eu era avesso. Da mesma forma que o Marcos Paulo sempre desdenhou dos discos do Bob Marley, eu sempre desdenhei dos DJs...

sm: E qual é a função de se lançar alguns riddims em cd? Porque, de fato, vocês não saíram em turnê. Aquilo rola ali nas festas, tem alguma coisa na internet... Por que então lançar um cd se essa não é a mídia de vocês?

NM: O vinil ou o cd?

sm: Alguma das duas é?

NM: Lógico, a gente está, semana sim, semana não, tocando o vinil. Então, o compacto de 7” é mídia nossa e nós a usamos direto. Cd a gente não usa muito na discotecagem, a não ser se nós formos tocar o nosso lance autoral... ou o nosso disco ou coisas que nós acabamos de fazer no estúdio e que ainda não tá prensado. A gente gostaria que, um dia, tá aí, uma boa coisa para 2007, que o mercado de vinil se reaquecesse no Brasil.

sm: Mas já está melhorando um pouquinho, não tá?

NM: Acho que sim... Acho que o Digital tá ajudando a dar uma visibilidade ao vinil, independente de ser reggae...

sm: Mas desculpa te interromper... Quando eu falo desse formato de mídia, eu quero dizer que o DigitalDubs não trabalha nesse formato de ter que precisar de um cd para estar no Rio Grande do Sul, por exemplo...

NM: Mas nós temos várias coisas na internet. Estamos assinando até coisas fora do Brasil pra download...

sm: Exatamente! É isso que eu quero saber. Por que que, num contexto como esse, ainda é interessante para um grupo como o DigitalDubs, que aposta nesses caminhos da internet e de alta dinâmica de comunicação, ter um trabalho lançado em Cd? Um formato que tem uma grande dificuldade de distribuição, que acaba tendo uma tiragem limitada...

NM: Porque o Cd ainda faz sentido.

sm: Para um grupo como vocês, também faz?

NM: Claro, faz no dia-a-dia. Como não faz? Nós fizemos 1000 cds que nós vendemos em lojas, vendemos nas festas... Através disso, as pessoas conhecem o nosso trabalho. Através disso, elas vão gostar de cantar as músicas, de ir nos nossos shows. Então é uma mídia que ainda faz sentido. Nós estamos trabalhando com as armas que tem aqui: “oh., tem tacape, tem borduna, tem 9mm e tem metralhadora!” Nós vamos usando as armas que estão aí. Se daqui a pouco acabar tacape, ‘ninguém mais usa isso’. Beleza, nós paramos de usar. É assim, cara. O que está por trás de tudo é você passar o seu trabalho adiante. Como é que se faz isso? “Ah, agora é por telefone”. Beleza. É nós! Só telefone, só ringtone?! Ôpa. Outro dia eu vi o João Marcelo Boscoli dizendo: ‘o nosso business é música. Música está sendo vendida como? CD. Então eu faço Cd’... Se amanhã for spray, eu faço spray. O DigitalDubs tem uma ligação romântica e até intensa com o vinil. Por que disso? A gente está muito linkado ao mundo do reggae atual, ao mundo do reggae não só no Brasil, até porque o mundo do reggae no Brasil não existe. Sabemos que estamos entre as pessoas que estão nele tentando fazer coisas novas. Mas nós estamos sintonizados com o mundo. Como é na Alemanha? Lá o cara vai tocar com um vinil 7”. Então, o que a gente fez? Fomos na Jamaica e mandamos prensar um 7” nosso, que é vendido nos EUA e no Japão. E nós mandamos para os soundsystems na Alemanha, na Inglaterra e pode ser que, um dia, o cara toque. Nossa idéia é fazer mais discos desses, com versões em vinil, pra que a gente chegue aonde? Qual é o roots do reggae? É o soundsystem. A gente quer chegar e ocupar os soundsystem que é onde, entrou década, saiu década, o reggae continuou se apurando.

sm: E montar essa estrutura no Brasil também...

NM: Um dia nós vamos ter as nossas caixas de som e seremos a Furacão 2000 do reggae.

Sm: É essa a idéia...

NM: É uma das idéias. Assim como ter uma banda, Muzamba Digital All Stars, pra receber os caras que vem de fora e querem fazer show com uma banda. Porque tem cantor que prefere tocar com um grupo do que com um soundsystem. Tem gente que prefere o soundsystem, o mic e o DJ, outros preferem a banda. Beleza, nós fazemos os dois. Qual é a idéia por trás disso? É passar a cultura do reggae adiante. É borduna, tacape, metralhadora e 9mm. Se amanhã acabar a 9mm, não tiver nem mais bala pra vender, a gente vai de soco, de pedrada... É isso.

sm: Cara, acho que é isso. Quase 4 horas de conversa. Só me resta agradecer tanta generosidade... (risos)

NM: Mais completo que isso, impossível... (risos)


Bruno Maia: Pois é... Oi, moço... Você pode trazer a nossa conta?

*******************
Ufa! Tá aí. Um registro de uma das principais histórias do reggae e da música pop brasileira. Tomara que venham outros. Obrigado a todos que acompanharam essa "minissérie" de 4 capítulos. Obrigado ao Nélson, pela generosidade de me conceder uma entrevista como essa.


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