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Bruno Maia
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14.12.05

Wagner Tiso e Victor Biglione

No último dia 10, o maestro Wagner Tiso foi homenageado por amigos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Uma bela festa, atrapalhada pela má organização que causou filas enormes na Avenida Rio Branco, sob forte chuva. Lá dentro, a festa foi realmente bonita. O maestro mostrou que, hoje em dia, é um dos principais compositores brasileiros na aproximação do erudito com o popular. Dono de uma sofisticação que remete aos sons das estradas de ferro de Minas, ao mesmo tempo em que se funde ao jazz e a pompa clássica, ele esbanja. Pra piorar, ele ainda é simpático, sorridente, generoso, como pude constatar na entrevista que fiz com ele no fim de novembro.

Reproduzo aqui, o resultado dessa conversa que para completar, foi feita com ele e Victor Biglione, a pedido da Revista Backstage. Um trabalho que só podia ser encarado como prazer por alguém que é jornalista e gosta de música, como eu. O encontro foi publicado na capa da edição de dezembro/2005 da revista, mas reproduzo-a, na íntegra, aqui embaixo. Publico no sobremusica como forma de homenagem aos 60 anos de Tiso, comemorados na última segunda-feira.

Um mundo em quatro mãos
Wagner Tiso e Victor Biglione celebram 20 anos de parceria e 2 anos do disco em duo “Tocar a poética do som”, com uma cumplicidade impressionante. (por Bruno Maia)


Quando Victor Biglione e Wágner Tiso estão em um mesmo ambiente, o que acontece? Música, responderia o leitor rapidamente. Mas não, é mais que isso. “Nossa cabeça não é só fechada para música. Têm músicos que, quando se encontram, só falam de captador, de que corda o outro usa... A gente se interessa por tudo que a vida pode nos oferecer”, conta Biglione. A música é decorrência. “Nós temos interesses amplos e parecidos. Ambos têm um pensamento político parecido, somos de esquerda, nos interessamos por cinema... Isso tudo acaba instigando um ao outro e o nosso duo musical cresce por causa disso”, completa.

Dois anos após o lançamento do disco “Tocar a poética do som”, além de pensar um relançamento do disco com algumas modificações, os dois se preparam para o show em homenagem a Wagner Tiso, no início de dezembro, no Teatro Municipal. “É para entregar que eu sou velho”, diz o homenageado, aos risos. Victor Biglione será um dos convidados ilustres da festa. Ao longo dos quarenta e cinco anos de carreira de Tiso e os quase trinta de Biglione, a história da música brasileira desenhou alguns de seus capítulos mais importantes.

Um maestro mineiro
Desde os tempos em que montou seus primeiros grupos, ainda na cidade de Três Pontas, em Minas Gerais, Wagner Tiso já desenhava a história da música brasileira junto com seu mais antigo parceiro, Milton Nascimento, nos bailes da vida ou num bar, em troca de pão. Juntos, em Belo Horizonte, começaram a fazer apresentações um pouco mais sérias. “Foi lá que eu conheci melhor o jazz e a bossa nova,. Havia casas de shows especializadas neste tipo de som, de improvisos e big bands. Montamos um trio para tocar esse tipo de música, Milton, Paulinho Braga e eu”, relembra o maestro. Corre a lenda que Tiso teria insistido para Milton Nascimento tocar baixo neste trio, pois já existiam muitos cantores no mercado. “É mentira. Na verdade, eu pedi para ele tocar baixo, pois aquilo era um formato que existia das bandas de jazz e bossa nova, de piano, bateria e baixo. Por isso, ele foi tocar baixo e começou a estudar o instrumento. Ele fazia uma coisa que ninguém fazia: cantar as frases para si e tocar o baixo, ao mesmo tempo. Ele sempre foi muito musical”, explica. “E essa época foi a minha grande escola”.

A capital cultural do país ainda era o Rio de Janeiro e Wagner Tiso não tardou a se mudar para a cidade, em 1965. “Fiz muito baile também no Rio, até que o Paulo Moura me achou nas boates, perdido, e me levou para tocar. Eu devo a ele o início da minha carreira artística”. Em 1969, formou o grupo Som Imaginário, que sacudiu a música instrumental brasileira, juntando o que havia de informação mais nova no exterior, que era o uso dos teclados sintetizadores, tão em voga atualmente, com as orquestrações. O grupo acabou por vários motivos. “Alguns confessáveis, outros não (risos), mas a verdade é que nada dura para sempre”.

Outro momento em que Wagner Tiso interferiu sobre a história da música brasileira foi no disco “Milagre dos Peixes Ao Vivo – Milton Nascimento e Som Imaginário”, em 1974. Neste disco, Tiso buscou juntar a orquestra com a música popular, recurso que viria a se banalizar na música brasileira do fim do século XX, principalmente com a moda dos acústicos. “Aquilo foi algo que me marcou muito em termos de música nacional”, relembra Victor Biglione, para completar: “Antes eu tinha um registro disso no disco Gate of Dreams, do Claus Ogermann”. Tiso lembra de outras influências para aquele momento: “Veio muito do cinema. Eu gostava de ouvir as orquestras nas músicas dos filmes. Às vezes, eu não sabia nem que tipo de naipe era aquele, mas me encantava ouvir. Eu tinha a vontade de unir o erudito sinfônico com o popular”. Olhando para os dias atuais, Victor Biglione sentencia: ”Hoje se usa isso porque está na moda e, muitas vezes, não há nenhum conteúdo, nenhuma emoção no trabalho”.

O primeiro disco solo de Wagner Tiso só foi ser gravado quando ele já tinha dezoito anos de carreira, em 1978. “Depois de ter ficado muito tempo no Som Imaginário, eu passei um ano nos Estados Unidos e, na volta, fiz o meu disco”, conta o maestro. “Eu sempre fiz tudo em grupo, sempre fui muito gregário. Ao longo dos anos, eu fui descobrindo que eu tinha muito repertório para mostrar e, nessa volta dos Estados Unidos, a Gisele (esposa) me convenceu, até porque eu ainda tinha um contrato com a Odeon, herdado do Som Imaginário”.

No auge da abertura política, veio o maior sucesso, “Coração de Estudante”. Graças a ela, Tiso conseguiu uma marca histórica nas vendagens de música instrumental no país com quase 100 mil cópias. “Só não chegou nesse número por um erro estratégico da gravadora. O disco estava vendendo muito, quando a gravadora resolveu soltar um outro compacto, com a minha versão de um lado e, no outro, com o Milton Nascimento cantando. Com isso, o pessoal passou a comprar este disco que trazia o Bituca (apelido de Milton Nascimento) junto”, explicou Wagner Tiso.

Naquele momento, o encontro com Victor Biglione começou a se desenhar. “Na excursão do Coração de estudante, o Victor passou a fazer parte da banda e, dali, começamos a desenvolver uma identidade musical. Já naquela época, no meio da própria turnê, aconteciam show especiais só em duo e o repertório que gravamos neste último disco foi surgindo assim, desde aquela época”, conta o pianista. “Quando eu vim para o Rio, na década de 60, era para tocar jazz. Mas eu fui me envolvendo com o Clube da Esquina, com o Som Imaginário, com o rock e me afastei do que sempre foi minha predileção fazer: tocar jazz e orquestrar. O Victor me trouxe de volta para isso”.


O argentino mais brasileiro
Não pergunte a Victor Biglione se ele é brasileiro ou argentino. “Eu sou reservista do exército brasileiro!”, afirma, retumbante. Mas logo ali na frente, ele mostra um outro lado. “Fui informado que, está quase certo que, a Unesco vai me dar um prêmio por ter sido o estrangeiro que mais trabalhou com a música brasileira. Dos que nasceram fora do território nacional, eu fui o que mais tocou com a MPB! (...) Meu pai foi presidente da juventude comunista argentina, por isso que eu vim para cá com cinco anos!”. Pouco depois, ele acrescenta: “As pessoas adoram falar que eu sou argentino, mas eu sou metade judeu...” . E ainda: “Minha família andou pelo leste europeu, tenho uma coisa meio cigana comigo”.

É dessa mistura inusitada de influências que se moldou o brasileiríssimo violão de Victor Biglione. O apoio familiar para que estudasse a fundo o violão foi decisivo em sua adolescência. “Eu comecei a ter aula aos doze anos, até que surgiu a CLAM (Centro Livre de Aprendizagem Musical, do Zimbo Trio) com um método muito bom de formação harmônica e aquilo foi fundamental para mim”, relembra o violonista e guitarrista.

A carreira marcada por encontros com grandes nomes da música brasileira – vide o tal prêmio que a Unesco deve lhe conceder – foi sempre sua grande marca. O primeiro disco solo só saiu sete anos depois de ter se profissionalizado. “Quando eu fiz meus discos, eu já tinha tocado com muita gente, para aprender, agregar influências. Hoje em dia, qualquer um tem disco”, explica Biglione. “Foi uma opção pelo aprendizado e para ter conteúdo. Tem gente que toca muito, mas não tem o que dizer. Não sei porque existe essa obrigação de se gravar um disco por ano. Nem todo mundo nasceu para ficar gravando trabalhos autorais”.

Victor Biglione fez parte de um dos últimos grandes momentos de sucesso da música instrumental no país, que foi a geração dos anos 80. “A gente era parado na rua, dava autógrafo, encerrava os jornais locais de televisão. Com o advento do jabá, a coisa mudou e o instrumental foi vetado dos veículos de comunicação, tanto da rádio quanto da televisão. Hoje, o que interessa são só as coisas sensacionalistas, como crime e sangue, e as de consumo rápido”, esbraveja. “Nos Estados Unidos, eles gravavam o Michael Jackson, mas davam o mesmo tratamento ao Miles Davis, pois sabiam a importância cultural daquilo para o país. No Brasil, as gravadoras multinacionais estão fazendo um trabalho de só servir aos interesses comerciais da matriz, sem prestar atenção no papel que elas têm a cumprir junto à cultura nacional”.

Tão contundente quanto é na defesa da música instrumental, ele também sabe ser na crítica aos músicos. “O músico brasileiro tem uma tendência muito grande a ficar mascarado e achar que não precisa ensaiar, principalmente na hora de fazer os duos. Ele vira para o outro e fala ‘você é muito bom, eu também, é só a gente entrar no palco e arrebentar’. Não é assim”, esbraveja. “Wagner Tiso e eu ensaiamos muito e isso tem feito a diferença. Outro dia, eu encontrei com um músico que virou para mim e falou: ‘Pô, vocês vão ensaiar de novo?! Vocês não param de ensaiar!’. Claro que vamos! Me desculpem falar, mas o pessoal é mascarado e preguiçoso!”, sentencia.

A comunicação musical de Victor Biglione certamente é mais estreita com o Brasil e os números mostram isso. Porém, isso não restringiu, ao longo dos anos, o alcance de sua obra, que entre outros, tem disco em homenagem a Jimi Hendrix e dois em parceria com o inglês Andy Summers, ex-guitarrista do The Police. Mesmo dialogando com esses músicos internacionais, o país que escolheu para adotar sempre volta à tona. “O meu último disco com Andy Summers é só com repertório brasileiro e ficou muito bonito”.

Em “Tocar a poética do som”, com Wagner Tiso, o repertório é essencialmente brasileiro. “Até ‘Autumm leaves’ tem um arranjo brasileiríssimo. A gente gosta muito de música de fora, de jazz, de bossa nova tocada por americano, mas nós somos brasileiros e isso se reflete no trabalho. A gente anda aqui, respira aqui e isso aparece na música”. Wagner Tiso interfere e comenta, aos risos: “Acho que a gente gosta um pouquinho de música brasileira, não é?”.

Olhando o mundo
A consciência política e cultural dos dois também os unem e isso fica claro. “Outro dia nós estávamos conversando sobre a velocidade com que a arte é feita e consumida atualmente. Está muito mais difícil algo se tornar um clássico, seja no cinema, seja na música. As pessoas não têm mais tempo de se relacionar com a arte, aquilo é feito para entrar, vender e dar lugar à outra que vem em seguida, também só para vender”, conta Biglione. Wagner Tiso completa: “O jogo do mercado mudou muito. Hoje em dia, você faz e vende. Não tem música que fica, a música só passa”, pondera o tecladista, antes de concluir: “Um músico novo ou se adequa a esta realidade, ou nunca vai ter espaço”.

O trabalho de ambos sempre esteve ligado a própria evolução da história contemporânea brasileira e esta característica permanece. Em setembro, Tiso causou polêmica no meio artístico ao declarar que, apesar de todos os fatos revelados em 2005, ainda repetiria o voto no presidente Luís Inácio Lula da Silva, pensamento com o qual Biglione partilha. “Eu sou leal aos meus princípios, eu lutei anos na esquerda brasileira”, explica Tiso. “Eu lembro do Lula no aniversário de 40 anos do Wagner, na casa da Dina Sfat, em 1985. Quantos shows nós fizemos juntos pelas diretas, não vai ser na primeira dificuldade que a gente vai desistir”, completa Biglione. A repercussão das declarações de Wagner Tiso foi grande. “Não param de falar disso. O jornal onde isso saiu me mandou um e-mail, dizendo que eu tinha causado um imenso rebuliço entre os leitores. Foram 80 cartas, 40 a favor e 40 contra. Então eu estou bem”, conclui às gargalhadas.

Entre os próximos projetos de Biglione estão três filmes. “Um deles eu faço questão de falar, que é o do Roberto Mader. São 50 horas documentadas sobre a Operação Condor, no Chile, Uruguai, Argentina e Brasil. Isso me emociona muito, pois faz parte da minha história e, como eu disse, foi por conta disso que eu vim para o Brasil. Eu conheço o tema e estou muito empolgado com o projeto”.

DVD no Teatro Municipal
Em dezembro, uma noite dedicada a Wagner Tiso, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, comemorará os seus 60 anos. “É uma homenagem que a minha esposa e produtora, Gisele, está organizando. Ela, a Petrobras e a Orquestra Sinfônica da Petrobrás estão me homenageando e eu vou apresentar trabalhos meus. É uma celebração pelos meus 60 anos de vida, 45 de músico e 40 de Rio de Janeiro”. A noite terá vários convidados especiais, com momentos que remeterão a trajetória do músico. “Uma parte como compositor, da época do Som Imaginário, com a participação do grupo Uakti e da Congada de Minas, representando o meu estado. Depois, o Victor Biglione vai ser inserido numa simulação de Som Imaginário, com Toninho Horta. Além de outros convidados que me ajudaram no início da minha carreira, como o Cauby Peixoto. O primeiro lugar que eu trabalhei no Rio foi na boate dele. Além de ter pessoas para quem eu orquestrei e que foram caras para mim, como o Milton e a Gal Costa”. A apresentação deve virar um DVD, a ser lançado em 2006.

5 Opine:

At 22:26, Anonymous Anônimo said...

Pq mudou a fonte???

 
At 09:42, Blogger Bruno Maia said...

Só porque é uma matéria que foi publicada em outro veículo. Só isso.

 
At 23:35, Anonymous Anônimo said...

Bruno
quria que vc conhecesse o Quinquilharia Samba Punk. estão bombando porque liberaram pra free download todas as suas músicas. E tudo de muita qualidade. A estréia foi sexta-feira em São Paulo e eles tocaram pra mais de 500 pessoas. Todos cooptados dessa maneira.
O som é primoroso, talentoso e são artistas de minha gravadora.
vá ao site, baixe, espalhe e se delicie.
www.sambapunk.com
Quinquilharia é a experiência musical mais bacana dos últimos tempos.
Um abraço
parabéns pelo blog
Ri Souza
Music Nation Produções

 
At 12:58, Anonymous Anônimo said...

Vocês estão de férias, é?

 
At 13:32, Blogger Bruno Maia said...

Não, mauricio... Estavamos ajudando o Papai Noel a embalar os presentes, além de arrumar as ferraduras das renas e alces. Agora, já estamos de volta. O bom velhinho nos liberou para escrever de novo...

Abs e obrigado pelo interesse!

 

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