"Cadê o público??!!"
Venci a tentação de colocar o título “Dado vira lobo” nesse texto. Achei mais correto não jogar sobre o artista tal responsabilidade. Optei por uma pergunta, a mesma com que o produtor carioca Bruno Levinson introduziu uma discussão sobre a (não) participação do público carioca em eventos culturais da cidade, no blog Jam Sessions. Essa é a pergunta-queixa freqüente que se ouve de produtores musicais hoje em dia, especialmente no Rio de Janeiro. Este é o tipo de pergunta que não é feita apenas por Levinson. Sem querer soar pretensioso, ouso afirmar que, na noite de terça-feira, acho que descobri mais uma parte dessa resposta que parece não ter fim.
Fui ao Jardim Botânico, do Rio de Janeiro, no Espaço Tom Jobim para conferir a primeira apresentação de Dado Villa-Lobos, no lançamento do disco Jardim de Cactus. Seria um show especial, cheio de convidados bacanas, num espaço novo que eu ainda não conhecia. Além disso, pra minha surpresa, na noite anterior, eu tinha escutado uma música na MPB FM que me chamara a atenção. Não lembro do nome dela, mas lembro que o locutor disse que era do Dado Villa-Lobos com mais alguém. Quando soube do show, na terça-feira de manhã, pelos jornais, resolvi ir.
O horário divulgado era 19hs. Cheguei às 19h15. Poucas pessoas estavam no lugar. Muitos seguranças vestiam seus ternos chics. Uma iluminação bacana indicava um ambiente meio (argh!) lounge, cara de noite paulistana. Sem filas. Procurei a bilheteria. Já havia três pessoas por lá. O funcionário me disse para esperar um pouco porque os produtores estavam vendo se iriam liberar mais ingressos para venda, pois já estava tudo esgotado. "Uau!", pensei.
Vá lá, esperei cinco minutos, até que chegou a produtora. Ela virou para o rapaz da bilheteria e o instruiu a avisar a quem aparecesse por lá, que estava tudo esgotado, que esperassem até uns quinze minutos antes do começo do show (minha cabeça perguntava "ué, mas o show não era às 19hs? Já são 19h20?") para ver se alguns dos convidados desistiriam. Eu, com essa cara de bobo que Deus me deu, só assistia aquilo, enquanto a produtora, seríissima, continuava falando com o funcionário, que só aquiescia. Dizia ela que não podia fazer nada, que já tinham quase 500 pessoas na casa, que não podia entrar mais ninguém. O funcionário fez cara de susto com tal número, afinal a casa estava vazia e a capacidade oficial do lugar é de 400 pessoas. Vendo a cara dele, a produtora completou, ainda mais séria: “Ééé! Quase 500: 327 convidados confirmados – ela enfatizava o “confirmados” –, 40 da MPB FM e mais os 100 ingressos. Não dá mais ninguém! Se os Bombeiros aparecerem, fecham a casa. Tem que esperar quinze minutos antes do show. Quinze pras nove eu venho aqui e a gente vê se dá pra vender mais algum ingresso".
Aha! Achei a resposta tão procurada pelos produtores. "Cadê o público??!!".
Cadê?!
Bem, uma parte tá do lado de fora, tentando entrar, chegando no horário previamente estipulado para o evento, esperando os convidados que confirmaram presença e que provavelmente não vão aparecer. E, por sua vez, cadê os produtores??!! Estão lá, tranqüilamente, pedindo que você, que quer pagar por um produto cultural, espere mais uma horinha e meia, ali, em pé. Espera aí, uma horinha e meia, que, de repente, você-mané entra. Afinal de contas, você-mané já saiu do trabalho direto pra cá, sem nem passar em casa. Afinal de contas, você-mané já pagou o táxi, ou a gasolina/flanelinha. O que te custa, você-mané, mais uma horinha e meia que nem um pastel, em pé, do lado de fora. Aproveita, você tá no Jardim Botânico. Ganhou uma hora e meia de ar puro como brinde! Aproveita, você-mané, com essa cara de bobo que Deus lhe deu.
Tudo bem que a crítica de que hoje em dia todo mundo quer ser vip é válida. Mas o que fazer quando os próprios produtores estimulam esse tipo de postura? Se você não der um jeito de ser “vip”, você corre o risco de não entrar. E outra coisa. Neste caso, estávamos falando de CONVIDADOS! Esta foi a denominação dada pela produtora. Convidados, o nome já diz, são convidados pelo dono da festa, certo? E se confirmaram presença é porque realmente foram contactados pela produção. Então o Dado vira lobo? A culpa é dele? Sei não...
Agora me diz o que você acha disso: TREZENTOS E VINTE E SETE convidados CONFIRMADOS. Mais os que não confirmaram. Quantos seriam esses? Setenta e três, que completariam os 400 lugares oficialmente disponíveis na casa? Mais 40 ingressos para bancar a “divulJAgaBÁção” da MPB FM? É isso? “Ah, mas tiveram 100 ingressos”, há de surgir um pra dizer... Faça a conta e veja qual é o percentual de cada “faixa de público”. São esses 100 que vão pagar e viabilizar o evento? É isso que é ser produtor?
Não adianta reclamar da falta de público assim. As pessoas tentam ir, saem de casa ou do trabalho e vão direto pra lá. O horário do show divulgado é falso, afinal, a própria produtora disse que “às quinze pras nove eu volto aqui”. Não há ingressos para quem quer comprar. Há que se esperar os “vips”. O momento já é difícil, o mercado está retraído. Quando um episódio desses acontece, desestimula-se ainda mais o processo de recuperação. E não venham se queixar da falta de espaços, de público, de não sei o quê mais. O Globo de ontem deu destaque para o show no Megazine. A MTV colocou chamadas do evento nos intervalos da programação. O site Globo Online, em certo momento da tarde de ontem, colocava o show de Dado Villa-Lobos na capa geral(!) e ainda em destaque na sua seção de cultura. O Whiplash, especializado em outro público musical, também noticiou. O portal Terra, idem. Isso, só para citar os que eu vi.
Como sou jornalista formado e escrevo sobre música há algum tempo poderia ter utilizado o expediente de me “credenciar como imprensa”, o que não seria nenhum absurdo. Mas como era um show pequeno, num lugar (provavelmente) bacana, eu tinha decidido de última hora, e como sempre penso sobre a situação da cena carioca, na qual todo mundo tenta ser vip e dar um jeito de entrar de graça, inviabilizando muita coisa legal, achei que não convinha tentar este credenciamento. Mesmo sabendo que iria estar pagando para trabalhar (já que era certo que daquela noite surgiriam novas experiências musicais no meu universo particular, principio básico para que surjam linhas no sobremusica), topei ir. Não quero aqui posar de vítima. Sei que pagar por entretenimento é justo e correto. Aliás, 90% das vezes, sobretudo em eventos pequenos, eu pago meus ingressos e, ainda sim, escrevo sobre eles depois. Por paixão.
No começo do ano, a discussão sobre este tema rolou forte em alguns veículos on-line, com destaque para o blog de Jamari França, no Globo Online, onde houve quase 500 comentários nos textos do produtor Bruno Levinson e da assessora de imprensa Julia Ryff. Bruno Natal, nosso coleguinha, também se posicionou no Urbe. Alguns outros textos pipocaram naquela época em outros lugares, mas peço desculpa pelo esquecimento de agora. A situação continua complicada. O modelo de negócio praticado por parte da indústria musical – veja que não estou me restringindo apenas à fonográfica – é velho e desagradável.
Falta coragem para se adaptar a um mundo novo, com um público novo, com uma nova forma de consumo. Isso vai desde a manutenção das tentativas esdrúxulas de combate ao download de músicas com campanhas de apelo ridículo, passando pelo investimento quase-exclusivo de verbas em mídias que já não se mostram eficientes e moldadas por um velho e obsoleto paradigma, pelo distanciamento da comunicação ágil e direta das ferramentas instantâneas ligadas à internet, chegando até aos shows que não se bancam, que privilegiam os convidados, que colocam os seus “vips” nas melhores cadeiras do Canecão e deixam o público pagante, consumidor, com a péssima visão lateral, isso quando esse público consegue entrar. Isso quando ele consegue um ingresso disponível pelo qual ele possa pagar e ver o artista que admira num show que vai ter só umas duas horinhas de atraso. Isso quando ele consegue vencer os maus tratos de seguranças desaforados. Isso quando ele consegue achar uma vaga para o seu carro e pagar dez realecas para que o flanelinha não quebre o seu vidro. Etc, etc e etecetera.
A rotina segue a mesma. Assim como os meninos que morreram no acidente da Lagoa não vão impedir novas irresponsabilidades de jovens no trânsito, esse texto também não vai mudar nada nessa rotina vergonhosa. Mas é preciso sempre botar a boca no trombone e seguir com a corrente de indignação.
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Adoraria saber como foi o show. Se algum dos convidados puder, conta para a gente.
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Mais uma vez, o parabéns à produtora do evento, tããão zelosa em não exceder a lotação do local.
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Ai ai.
8 Opine:
Eu acho q o Dado deveria receber esse texto.
Pois é... Se você tiver o e-mail dele, pode enviar. É só clicar nesse envelopezinho do lado da assinatura do artigo...
Manda ver!
Realmente lamentável.
Curti seu texto, aborda bem alguns problemas da noite carioca atual...acho que antes de reclamar da falta de interesse do público, os produtores deveriam tentar ver o lado do mesmo.
Fiquei na porta também. Belo show de "lançamento".
O show foi excelente, você como bom jornalista que eh deve ter lido a noticia no Rio Fanzine de sexta não ? Logo após ler esta noticia, eu me encaminhei ao Jardim Botanico e comprei uma meia entrada e entrei tranquilo no show de ... terça ou segunda sei lah.
Todo lugar que estah começando apresenta problemas.
Eh bem verdade que você também deve saber que jah a pelo menos dois meses o Espaço Tom Jobim abriga shows musicais todos os sabados as 17h.
O atraso foi grande mas sabemos por exemplo que o Circo Voador anuncia shows para as 22hs e eles começam pra lah de meia noite isso a primeira atração.Mas nos habituamos e achamos normal e legal, ótimo !
Salve Duda,
que bom que você gostou do show! Vc deve ser bastante fã mesmo para ter ido correndo assim comprar seu ingresso. Acho isso muito legal. E também pelo fato de vc ter gostado tanto do que viu. Ao que soube, por meio de "convidados", muita coisa deu errado lá dentro também. Pelo menos você gostou. Ao que ouvi, até o Dado saiu de lá meio puto com várias coisas que deram errado. Mas o importante é que você, que pagou, pode ter seu investimento recompensado.
Só peço licença, porque, ao contrário do que afirmastes, eu nunca me acostumei com os atrasos abusivos e absurdos do Circo Voador, por tantas vezes denunciado e criticado pelo sobremusica. Pior do que isso, é achar que um lugar pode se atrasar colocando a culpa no outro. Já que é um lugar novo, que funciona há dois meses, como você disse, deveria vir com uma proposta diferente do que é tão criticado na vida noturna da cidade.
Aliás, obrigado por me informar sobre a longevidade que o Espaço Tom Jobim já tem. Infelizmente, como acabei de retornar ao Brasil, e não estava por aqui na época do lançamento, de fato não sabia que a casa já tinha taaaanto tempo assim. Obrigado mesmo.
E quanto a sua colocação sobre eu ser um jornalista bem informado, agradeço o "elogio" e não sei se, de fato, sou merecedor dele. Mas como você deve ter lido no texto, eu soube do show na própria terça-feira de manhã e não pelo Rio Fanzine. Que bom que você pode desfrutar de um serviço tão bom, inclusive com direito a venda antecipada e podendo utilizar a sua carteira de estudante, que com toda certeza não é falsificada, para curtir a sua noite com Dado Villa Lobos.
Ao Marcelo, que também deixou seu comentário dizendo que passou pela mesma situação que eu, bem feito. Viu só, você devia ser tão rápido, esperto, ágil, sabido e veloz como o nosso amigo Duda. Quem mandou você não ler o Rio Fanzine nessa sexta!!!
De qualquer forma, aos espertões e aos manés, como eu, obrigado pelos comentários.
Voltem sempre!
Ah!! Duda, se quiser, o espaço do sobremusica tá aberto para você fazer uma resenha do show. A gente posta aqui. Abração!
abs
BM
Todo apoio a essa indignação. Sinto-me "o idiota" ao chegar no horário em shows, mas não aprendo mesmo. Mesmo porque... se for para começar a qualquer hora, pra que marcar um horário? Anuncia como "horário-livre". Cada um se vira. Quando morava na Europa ia a muito mais shows, porque sabia a hora que eles iam começar e terminar (a tempo de pegar o metro). Já aqui... parece que só existe eventos para a turminha que não precisa trabalhar de manhã. Público que eu assumo restrito...
Tem uma banda profissional nesse sentido: Los Hermanos, que raramente atrasa muito em relação ao horário que colocam no website. O encontros TIM com eles foi maravilhoso, e começou às 20:30h - algo que deve ser inédito na história do Circo...
Alguém já encaminhou o texto ao Dado? Eu como quase-vizinho posso tentar a velha "hard-copy"...
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