Shows: Tortoise e CocoRosie no Circo
ExperimentaEm um dia a pressão cabeçuda do Tortoise, quase virtuose mas essencialmente extasiante. No outro, a viagem kubrickiana do CocoRosie – estranho, melódico, boêmio e algo sedutor. O Circo Voador teve um fim-de-semana pouco convencional, aberto para curiosos e para quem acompanha de alguma forma as experimentações lá de fora.
Na sexta-feira, os músicos-produtores-improvisadores de Chicago apresentaram um show com dois bis e músicas principalmente dos álbuns TNT e Standards, com Millions Now Living Will Never Die em segundo plano. A esperada versão do Tortoise para Cravo e Canela, do Milton Nascimento, não veio. Os tortoises se revezaram em duas baterias (são três bateristas), dois xilofones (que todos à exceção de Doug McCombs assumem em algum momento), um kit de teclados, dois baixos e duas guitarras (em todas as combinações possíveis). Não houve música cantada.
Em uma banda com três homens de percussão, não se podia esperar outra coisa. Na maioria das músicas, é a bateria que lidera, na frente do palco, os trabalhos. Com técnica e inversões rítmicas de espantar, John Herndon se destaca sentado na bateria à esquerda de quem vê o palco. O mais irrequieto dos integrantes do combo é John McEntire, o mais famoso e superprodutor de bandas como Stereolab e Nação Zumbi, que sorria já na primeira música com os gritos e danças dos cariocas. Do teclado para a bateria para o xilofone e o que mais fosse preciso, era ele a alma de tudo aquilo ali, a referência, o maestro. Quantos aos outros, chamá-los de coadjuvantes não seria o termo mais exato, mas é o que se encaixa melhor. O dicionário às vezes é injusto.
O som é baseado em longas repetições que servem de base tanto para o transe quanto para as evoluções do solista da vez. Solista nunca facilmente identificado, tais as idas e vindas dos arranjos pós-contemporâneos ou sabe-se lá que nome dar àquilo. O espírito do jazz de clube liga-se ao free de Ornette Coleman e daí para o rock de guitarras distorcidas e cheias de efeito.
Junto, vêm as experimentações de filtros e eletrônica como instrumento, para se chegar aos loops de – você pode escolher – rituais africanos ancestrais ou raves lisérgicas de entrega aos deuses do tambor. E do amor, sempre.
Extasiante, nas palavras de Bernardo, baterista do Binário, que abriu a noite tocando em cima da bilheteria da casa e terminou rindo à toa. Extasiante nas palavras de todos os presentes, entre eles o Bernardo que assina aqui.
No sábado, as irmãs Sierra e Bianca, do CocoRosie, misturaram rap com árias de ópera, beatbox, climas de cool jazz e muito estranhamento proposital. As americanas, filhas de professores de arte, adotaram Paris como base de origem, e a cidade é mais uma das referências que sobem ao palco. Uma das principais, talvez.
A banda que as acompanha se apresentou antes, em um show mais longo do que o que tinham a mostrar, mas interessante. O destaque era Taz, um rival à altura de Fernandinho Beatbox no domínio da caixa torácica como sample ao microfone, ou turntable, pode escolher. Spleen, um negão de dread francês, usava a voz para cantar e emitir longas notas agudas em vibrato, com um dedo ao lado do pescoço como ajudinha. Isso quando não rapeava na língua de MC Solaar, o que sempre tem valor. E ainda um hippie no violão e baixo, aglutinando bossa nova européia com folk do norte da América. Uma banda que se costuma chamar de elegante, na sua tranqüilidade e variedade de propostas.
Quando entram as duas irmãs do CocoRosie, a banda vai para o fundo do palco e ganham espaço a harpa e a voz de soprano de Sierra, ao lado dos brinquedinhos eletrônicos e da voz de timbre entre Billie Holiday e Bjork de Bianca. Sem os mesmos apelos de nenhuma, cabe dizer, mas interessante à maneira ébria dela. Bêbada mesmo, e algo preguiçosa – no sentido manhoso da palavra. Há ainda um piano de cauda que vai e vem ao longo do repertório, tocado por uma ou por outra, sendo Sierra uma pianista de mais recursos.
Com um público ganho, daqueles que gritam linda e thank you a cada intervalo, e dançam de olhinho fechado, o CocoRosie passou encantado pelas misturas coladas (em oposição a liqüidificadas) de ópera, rap, reggae caribenho (portanto não exatamente jamaicano), e eletrônica européia. O pé em Paris explica o ritmo branco, organizado e discreto, o mesmo de um Serge Gainsbourg, por exemplo, com no mínimo duas décadas de história da música a mais.
O teatro também entra na dança das cocorosies, ora em máscaras da operística Sierra, ora nas danças de sedução de Bianca, acompanhada ou não pelo negão da banda. Atrás, um telão repete imagens de sonho e delírio infanftis. O excesso de informação não transborda, e até cabe já que os andamentos são sempre adequados para fazer acomodar as citações sem respingar para o lado. O universo parece extraído de personagens de De Olhos Bem Fechados e Laranja Mecânica, em um passeio pelos cenários dos clipes de Spike Jonze. Encontros sempre estranhos, aí sim, às vezes demais.
Assim como Bjork perde a mão na excentricidade, fazendo-a sobressair-se à novidade, o Cocorosie também passeia sem muita lucidez pela tênue linha do equilíbrio entre bom gosto e subversão do convencional. Um bêbado equilibrista tem charme, um bêbado tropeçante não. E as duas irmãs escorregam de quando em quando.
No mais, a informalidade é aliada excelente do teatrinho sincero das meninas. Bianca fazia longos intervalos à procura de um cigarro estranho turco que ela jurava sentir o cheiro. Não, não era marijuana, vários foram os que tentaram marcar presença. Em outra hora, foi uma briga envolvendo rapazes e um travesti, ao que pareceu, que interrompeu uma música. A platéia, algo afetada, não parou de bater palma e ensaiou um “sorry, clap-clap-clap, sorry”. Sabe como é, falta de lucidez na linha fina entre bom gosto e subversão...
De qualquer forma, um bom show – estranho, franco, sexy, com bons músicos e uma proposta definida, que só peca no tom vacilante.
Fica a sugestão para um fim-de-semana experimental nacional, que pode ter Paulo Moura, Artificial, Cidadão Instigado, Orquestra Itiberê e Hurtmold como atrações.
5 Opine:
Pra quem ficou curioso sobre a CocoRosie, aqui vai outra dica de texto, uma visão diferente: http://www.overmundo.com.br/overblog/no-ar-coquetel-molotov-cocorosie-e-mais-no-recife
Aproveito para incluir o Tony da Gatorra no último parágrafo.
Até,
Achei o show do Tortoise um tanto chato pra falar a verdade... uma onda muito "fusion" que me dava arrepios. parecia que eu estava em 1979 ouvindo "Return to Forever"! mas gosto muito deles em disco, ao vivo...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Eu gostei bastante do show do Tortoise. Como começou tão tarde, eu estava morrendo de sono e isso foi bom. Aquele monte de sonzinhos rolando me causou uma certa letargia, fiquei viajandão, mesmo estando caretaço. Mas entendo o ponto de vista do Dé Palmeira. Tendo a concordar com o Bernardo. Talvez porque nossa geração está acostumada aos acordes rápidos, com riffs chics dos "novo rock" e dos pastiches disso que surgem a cada dia. Uma viagem longa e estranha como aquela foi bem-vinda e deu uma colorida na rotina, por vezes monocórdica, de acompanhar shows de rock hoje em dia. Não que isso seja ruim, hehe, mto pelo contr´rio. O momento é ótimo e as bandas bem boas.
Aliás, fica o agradecimento pela incisiva participação do Dé Palmeira opinando sobre os textos... heheh... valeu! Volte sempre!
esse show, pelo visto, foi muito polêmico. uma amiga minha que estava lá, disse que foi a platéia mais nerd que ela já viu no circo, que viu los sebozos postizos sendo chamados de paraíbas e fdp por um cara alucinado na arquibancada e que saiu no meio do show do tortoise, porque estava chato demais.
cada macaco no seu galho.
mas uma coisa que eu gosto de ver são as resenhas de shows do bernardo. campeão esse cara, hein???
abraço aê galera
Postar um comentário
<< Home