Chappa: Newsletter Novembro
Liberdade, Igualdade e Fraternidade"A internet é uma nova fronteira, mas não tem que ser um faroeste high-tech, uma zona sem lei onde se pode pilhar o que quiser em um ambiente de impunidade". Foi com essas palavras que, em meio a uma série de reformas, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, anunciou a maior política pública de proteção à propriedade intelectual do mundo até agora. Associações internacionais ligadas à indústria tradicional aplaudiram a medida, mas a oposição também foi forte.
A idéia ainda é um projeto de lei, que deve ser votado no Congresso no primeiro semestre de 2008. O texto prevê que o cidadão francês que for descoberto fazendo um download ilegal será avisado uma, duas vezes. Depois, terá o acesso à Internet proibido. Um novo órgão público será criado para essa fiscalização, e será presidido por um juiz. O grupo de estudos que criou o projeto de lei é liderado por Dennis Olivenne, dono da rede multinacional de megalivrarias francesa Fnac, e autor do livro Free is Theft (De graça é roubado). Também participaram artistas, associações das indústrias da música e do cinema e grandes servidores de internet.
Para o presidente da IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica) John Kennedy, em entrevista ao New York TImes, "trata-se da mais importante iniciativa para se vencer a guerra contra a pirataria até agora". Kennedy elogia a liderança e a visão de Sarkozy, que estaria reconhecendo a importância da índústria criativa para a economia ocidental.
As críticas a Sarkozy vêm principalmente de associações de usuários de internet e, mais importante, de associações de proteção ao consumidor da França. O presidente francês é acusado de falta de visão ao tratar igualmente bens materiais e imateriais, e de desconsiderar a história da informação digital.
O argumento de proteção à cultura tem um sabor especial no país que inventou a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Foi usado em governos anteriores, por exemplo, para medidas como a proibição de língua estrangeira em peças de publicidade e em documentos comerciais. Na mesma época, ali do lado, na mesma Europa, o Ministro da Cultura britânico, Chris Smith, em vez de legislar sobre invasões estrangeiras, adotava uma política de incentivo à formação do que chamou de 'clusters'. A idéia é que uma atividade cultural tem um poder maior do que a da expressão artística em si: revitaliza espaços, revaloriza terrenos, cria empregos em áreas complementares, movimenta a economia de forma ampla, enfim.
Em um raciocínio análogo e 2.0, afinal uns dez anos se passaram, as novas medidas que podem regular os downloads seriam um tiro no pé para o próprio negócio da música, que é o que interessa aqui. Como o britânico Smith defendia, incentivar alternativas funcionaria mais do que proibir a novidade. Não é possível medir o quanto um download para conhecer um artista contribui para a posterior compra do disco dele.
Mas se for para olhar as escalações recentes de grandes festivais franceses, europeus, e inclusive brasileiros, ali estão vários artistas que ainda não lançaram disco formalmente, ou que recém-lançaram. Um bom exemplo em novembro, foi o Planeta Terra realizado em São Paulo, cuja curadoria mirava sobretudo em artistas cujas forças vêm da internet e da comunicação viral como Lily Allen, Rapture e Cansei de Ser Sexy. Artistas que foram conhecidos justamente nas trocas para lá e pra cá de mp3, e que nessa nova rede de divulgação justificaram uma escalação para tocar na frente de milhares de pessoas. Empregos, contratos, movimentação de riquezas, e porque não, afinal de contas, boa música para divertir o público enquanto ele consome bebida, comida, usa cartão de crédito, celular, roupas, acessórios...
Além disso, há uma questão pragmática que envolve grandes corporações como Google, Microsoft, Apple, entre outras, que se beneficiam em outra ponta da cadeia econômica de um conteúdo que é gerado pela mesma massa de internautas que baixa ilegalmente conteúdos protegidos. Sem dúvidas, a troca rápida de arquivos é um dos serviços mais utilizados por quem está na internet e uma das causas da rápida consolidação como mídia mais efetiva do planeta. Em que medida uma eventual onda de exclusões e eliminações de usuários na rede, não diminuiria também a quantidade de dinheiro gerado nos provedores de acesso, nas ações dos serviços de busca e dos sistemas operacionais que reinam absolutos em todo o mundo, graças a facilidade que a troca ilegal de arquivos criou para a propagação e consolidação de suas marcas? Não há como se esquecer que a mola da internet é o usuário comum e bani-lo é um risco econômico. Neste primeiro momento, a maioria das grandes corporações acenam favoravelmente à medida, mas fica a dúvida sobre até onde essa posição se mantém, caso suas receitas comecem a ser afetadas pela queda do número de usuários e por uma possivel migração destes para servidores piratas de acesso.
Outro efeito colateral da lei, se aprovada, poderia ser sentido pela organização Creative Commons. Se a penalidade é para quem baixar material ilegal, artistas interessados em usar a internet como meio de se chegar ao público podem passar a adotar formalmente a licença. Seria um incentivo a oficializar a postura do licenciamento a livre reprodução para uso não-comercial, em outras palavras. O que, na maior parte das vezes, tem acontecido informalmente, sem a licença. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada no início do mês, Chris Anderson, o conceituado editor-chefe da revista Wired e criador do conceito da "Cauda Longa" dizia que "baixar música de graça não é igual à pirataria". Parecia antever o aquecimento desta discussão.
As conseqüências da medida não páram. Mais uma possibilidade que se abre seria a multiplicação de uma das importantes notícias do rico mês de novembro: mais um grande artista utiliza legalmente uma plataforma de internet para o lançamento de um trabalho novo. Desta vez, foi o projeto de animação/música Gorillaz, com a gravadora EMI, que usou o site de relacionamento MySpace para fazer chegar com exclusividade aos consumidores 10 das 23 músicas do novo disco do grupo, em todas as partes do planeta. Neste caso, só valia ouvir as músicas no site, nada de baixar, mas isso é uma questão mais de adequar o modelo de acordo com a vontade do freguês. Ou melhor, do artista.
E são os artistas, mais do que as grandes ou pequenas gravadoras, que estão descobrindo o Leste selvagem, a China. No gigante amarelo que simplesmente ignora direitos autorais de criações ocidentais, bandas têm apostado na relação direta com os consumidores. Se as gravadoras não querem, os artistas vão e partem em turnê, negociam ringtones e experiências similares, e montam a barraquinha para vender camiseta, trilha de propaganda, videogame...
Por fim, a propósito, e de volta à França, o que vinha se desenhando uma ameaça pode finalmente tomar corpo. Se quem manifestou de cara o apoio às medidas francesas foram os defensores de direitos de propriedade intelectual, e quem se manifestou contra foram os defensores dos direitos dos consumidores, está aí um confronto a ser observado. Direito a propriedade intelectual como conhecemos contra direito do consumidor como tem evoluído. Só para constar, entre as quarenta e uma assinaturas do grupo de estudo que elaborou o projeto de lei francês, não há nenhuma de qualquer representante do público.
Pois então, mês de dezembro corrrendo, e mais uma newsletter entrando no forno. Quer receber? Quer indicar um assunto pra próxima? Fique à vontade aí no comentário.
1 Opine:
muito bom o texto , parabens!
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