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Bernardo Mortimer
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Bruno Maia
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18.8.05

Entrevista Bebeto Castilho

Pequenos polaroids da história da música brasileira. Assim foi a entrevista com Bebeto Castilho. Um dos maiores baixistas da música brasileira, participante ativo da fundação e propagação da Bossa Nova no mundo. Aqui, Bebeto fala de Tom Jobim, Stan Getz, João Gilberto, Luiz Eça e outros 'pequenos' nomes... A maioria, amiga dele.

Nada como estrear a seção de entrevistas do sobremusica com um grande nome. Demorou, mas começou muito bem.

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Bebeto Castilho foi durante anos o baixista do Tamba Trio, grupo fundamental na história da Bossa Nova. Nesta primeira entrevista do site, Bebeto desfaz mitos sobre a bossa nova, inclusive sobre o famoso show do movimento no Carnegie Hall em 1962. Fora o romantismo, o que restava aos músicos do gênero, passava bem longe do luxo do jetset. Como todo movimento musical, Bebeto aponta momentos em que os artistas da bossa nova, inclusive ele, precisaram ceder a pressões de mercado para sobreviver. De um ano para cá, voltou a aparecer na mídia devido ao sobrinho-neto famoso, Marcelo Camelo. Marcelo está produzindo o novo disco de Bebeto. Beirando os 70 anos, ele é pura simpatia e amabilidade. De volta ao Brasil, depois de anos e anos morando nos Estados Unidos, ele está tocando todas as quartas-feiras na Modern Sound, em Copacabana, com o grupo "Gente Fina e outras coisas". Quem quiser ouvir e conversar com o cara, ele diz que está esperando, que é só chegar...

sobremusica: Bebeto, começando pelo fim, porque o Tamba Trio acabou e quais as principais recordações que você tem do grupo?
Bebeto Castilho: Da última vez? Bem, mudou de formação várias vezes, mas agora, o Luiz (Eça) resolveu seguir sozinho. Até 1965 foi a melhor época, quando nós saímos do Brasil. Lá fora, nós nos comercializamos demais, perdemos aquele espírito dos dois primeiros discos. Nós éramos muito cariocas, três tipos que jamais dariam certo: Luiz Eça tinha formação clássica, estudou em Viena. Hélcio Milito, de São Paulo, trabalhava em vendas e eu, tijucano, jogava futebol descalço na rua, roubava manga, fugia de cachorro e soltava pipa... Não tinha nada a ver!


sm: Como vocês se juntaram?
BC: Nos juntamos por acaso na Odeon. Fomos gravar separadamente e quando juntou deu certo. O Hélcio bolou de juntar todo mundo. Foi na década de 60.


sm: E por que você diz que o Tamba Trio se comercializou nos Estados Unidos?
BC: Desespero. Lá fora, inocentemente, você sempre acha que está funcionando, mas não é assim. Nós ficamos em Nova York, mas rodamos por México e Canadá. Dizer que a bossa nova conquistou os Estados Unidos é furadíssimo!! Quem conquistou, de verdade, foram Tom Jobim, João Gilberto, Astrud (Gilberto) e Sérgio Mendes, que foi para lá antes de nós. Porque o brasileiro vê o mercado americano de uma forma distorcida. Enquanto aqui se vende um milhão de cópias e acha que é muito, para eles, sucesso de verdade, é 20 milhões, 50 milhões. São mercados muito diferentes. É outra história.


sm: Quando foi que você tomou contato com o que veio a se chamar bossa nova, pela primeira vez? Foi quando você ouviu João Gilberto?
BC: Ih, muito antes!! Em 1952, 53, João Donato, João Gilberto, Johnny Alf, eles iam lá pra casa para ouvir música, ficar tocando...


sm: João Gilberto também?
BC: Sim, o João também, mas ele não tocava. Ele ficava só observando, calado, prestando atenção... A gente ficava lá na Tijuca. A bossa nova foi decorrência. Fica essa idéia de que "Chega de saudade" foi a pedra fundamental, e não foi nada disso! Ela vinha acontecendo naturalmente.

sm: Vocês ouviam o quê? Jazz, samba? A bossa nova era, realmente, uma conseqüênica natural de uma mistura do jazz com o samba?
BC: Era. A gente ouvia muito jazz.

sm: E quem eram os seus heróis?
BC: Cantando era o Chet Baker. Johnny Alf, Donato e eu ouvímos muito. Gerry Mulligan, Stan Getz, Paul Desmond...

sm: Com quais deles você tocou?
BC: Toquei com Paul Desmond, com Stan Getz... Com Stan Getz foi no dia que o homem pisou na lua! Foi num lugar chamado Lenny(?), na cidade Providence, em Rhode Island. Stan Getz, com Stanley Clark, Chick Corea...


sm: Eles demonsravam muita curiosidade por vocês, brasileiros?
BC: Muita! Eles admiravam o uso da técnica que nós fazíamos. O uso da técnica! Por exemplo, eles ouviam o Altamiro Carrilho e ficavam... (suspiros) Fazer o que Altamiro Carrilho faz... Pô, eles ouvem descontroladamente, pensando: "Puxa, eu estudei tanto, não consigo fazer isso"... Porque o virtuosismo todo mundo pode desenvolver, agora, saber onde usar e como usar a técnica é que faz diferença e eles admiram. O que eles faziam também era deformar o brasileiro. Deformaram a Carmem Miranda, deformaram o Tom Jobim... Tiraram o Tião Neves do contrabaixo, tiraram o Dom Um Romão da bateria, botaram o Ron Carter no baixo.. Como eles não conseguiam fazer igual a nós, eles pensavam: "Não compliquem"... Enquanto não chegava naquilo que eles queriam, que eles estavam acostumados, eles não aceitavam. Queriam mudar até ficar no formato deles.

sm: E a tamba? Porque o nome "Tamba trio" vem da tamba, que era o nome do tipo de bateria que vocês montaram. Eles entendiam a tamba?
BC: Aquilo era interessantíssimo para eles, porque tinha som de tambores. Veio do Pedro Solon. Eles gostavam, masss.... gravar eles não deixavam! Em show podia, mas gravar não. Ah, não.


sm: "Tristeza de nós dois" foi escolhida uma das 100 melhores músicas brasileiras do século passado, entrando na seleção do songbook do Almir Chediak. Qual a história dessa música?
BC: Maurício Einhorn começou a melodia. Durval (Ferreira) e eu terminamos a letra e a melodia, em 1959, 60. Mas isso é só a opinião do Chediak, eu não sei não... (risos)


sm: Como você vê a bossa nova hoje em dia? Ela está aberta para ser renovada ou é aquilo ali?
BC: É aquilo ali.


sm: E essas misturas de eletrônico com bossa nova, por exemplo, o que o Roberto Menescal fez com o Bossacucanova, ou as próprias misturas que estouram fora do país, com remixes do Marcos Valle... Isso te interessa de alguma forma?
BC: Cada um faz o que quer. Eu não me interesso. Eu acho que é querer por braço na Vênus de Milo. Deixa ela sem braço, deixa a esfinge sem nariz! (risos) É uma coisa que já foi feita. Pronto. Vamos fazer outras coisas. Aquilo está encerrado.


sm: Mas o próprio jazz, que influenciou vocês, evolui, tem uma linha evolutiva de quase 100 anos. A bossa nova não poderia também ter?
BC: Poderia, mas pra que lado?


sm: Eu que quero saber... (risos)
BC: Aquele jeito de tocar, aquela levada de bateria... Bossa nova é aquilo. A levada da bateria, por exemplo, é bem particular. Não é feita no aro, como muita gente pensa, por exemplo. Aquilo foi feito por um músico chamado Guarany, com um instrumento chamado caixeta. Eu estava no estúdio no dia que ele fez aquilo. O Juquinha, baterista do João Gilberto, estava gravando, tocando escovinha nas duas mãos, como os bateristas americanos. O Guarany pegou esse instrumento, que são pequenos tamborezinhos e tocou com a ponta dos dedos. Todo mundo acha que aquilo é aro! E foi aquilo que entrou para a história como a batida. A bossa nova é muito particular.


sm: Vocês ouviam Dorival Caymmi, Mário Reis? Isso interessava vocês? Pergunto isso pois você só citou americanos como influência e o João Gilberto foi chamado durante muito tempo de sucessor do Mário Reis...
BC: Por causa do jeito simplista. Como o Marcelo, meu sobrinho-neto diz, minimalista, fazer o mínimo. Acho que nesse sentido, sim. Mas eu por exemplo, já não sou assim.


sm: E tem mais alguma grande lenda da bossa nova, como essa que você contou da bateria? Algum fato que não tenha sido exatamente como dizem?
BC: Bem, tem o Carnegie Hall, mas eu não estava lá.


sm: O show de 1962, da bossa nova, no Carnegie Hall em Nova York. Por que você não estava?
BC: Porque a gente tinha acabado de voltar de lá, tocando representando o governo brasileiro para o governo americano. Tínhamos cruzados os Estados Unidos e o governo brasileiro pediu para nós não irmos pois estavamos acabando de voltar.


sm: Mas o show foi um marco da música brasileira lá, não foi? As pessoas falam até hoje desse show.
BC: Que nada! Ninguém falava disso. Só aqui. Qualquer um toca no Carnegie Hall, é só você alugar. Essa dimensão da coisa foi só aqui, lá dentro mesmo não foi tudo isso. Para eles, foi um show como outro qualquer.


sm: Mas de alguma forma, os músicos brasileiros conseguiram mais espaço lá. As b andas do Sérgio Mendes eram muito bem faladas. Vocês se encontravam muito para tocar junto?
BC: O Sérgio Mendes era. Quanto aos nossos encontros, eram raros. Não tinha essa mística toda. A gente estava sempre viajando para fazer show e dar um jeito de sobreviver. Tocando em tudo quanto é lugar. De vez em quando, claro, a gente encontrava se encontrava, encontravámos com o Tom Jobim, por exemplo. Ele foi um grande amigo, nunca deixou o sucesso subir, muito divertido.


sm: Você ainda ouve o Tom Jobim?
BC: Muito. Quando Tom morreu, eu fiquei órfão, nós erámos muito próximos... Mas esses encontros eram raros. O Tom achou a simplicidade pelo auto-conhecimento. Ele era um gozador e tinha um universo muito próprio. Ele sabia que não podia sair dali pois não seria entendido. Tinha muito medo de passar por ridículo, de ser debochado...


sm: Bebeto, queria falar da sua herança genética, que é muito curiosa. Você é descendente do autor do hino norte-americano, certo?!
BC: John Phillipe de Sousa!!! Ele era irmão do meu bisavô! A família saiu de Portugal, meu bisavô veio para cá e o John Phillipe de Sousa foi para os Estados Unidos.


sm: Você é sobrinho-bisneto do autor do hino americano e tio-avô do Marcelo Camelo, do Los Hermanos. Como você viu o crescimento do trabalho musical dele?
BC: Nossa família é muito unida. A mãe do Marcelo sempre comentava que ele estava com uma banda e tal. Quando saiu o disco, eu fui até a casa dele, conversamos muito. Não dei opinião porque não é meu campo.


sm: Mas você gostou daquele hardcore do primeiro disco?
BC: Gostei, gostei sim! Gostei porque eles estavam fazendo direito aquele estilo, que não é o meu, mas isso não tem nada a ver. O talento também veio pelo avô dele, meu irmão. No meu novo disco, que eu estou finalizando e é produzido pelo Marcelo, tem uma música do avô dele em que nós dividimos as vozes, cantamos juntos! É difícil distinguir quem é quem, de tão semelhante que são as vozes. É um timbre próprio da família. (risos)


sm: E como surgiu esse convite para ele produzir?
BC: Na verdade, ele se convidou. Furou a produção, ele soube, me ligou e pediu para produzir. Eu topei.


sm: E o disco sai quando?
BC: Está quase pronto. Faltam algumas coisas ainda, mas o Marcelo agora está muito envolvido com o lançamento do disco novo do Los Hermanos. Eu prefiro esperar um pouco para ele tirar a cabeça desse excesso de trabalho da banda e poder voltar para o meu disco. Eu acho que ele vai precisar tomar um banho de cachoeira durante uma semana para poder voltar para o meu disco. (risos!)


sm: Tem alguma coisa música atualmente produzida que você goste, fora o Marcelo e o Los Hermanos?
BC: Claro que tem. A Cássia Eller, por exemplo. Outro dia eu ouvi uma música dela no rádio, não lembro qual era, mas tinha um quê de mediaval, com uns modais, era tão bonito, mas tão bonito... Eu até parei o carro para ouvir. As coisas de Nana e Dori Caymmi são maravilhosas.


sm: E o disco novo do Marcelo, você ouviu? (risos)
BC: Não ainda não... Ele mesmo, não por ser meu sobrinho, mas ele tem coisas como aquele samba que a filha da Elis gravou ("Cara valente", por Maria Rita), tem a aquela outra de deixar pintar o nariz... Já é um outro caminho, maravilhoso, com uma harmonia bem feita. Não importa se o acorde é simples ou não. O Tom dizia isso: A simplicidade tem dois caminhos. Um que é você estudar muito mesmo para chegar a ser simples, como o Miró, por exemplo, que pintou primeiro feito Rembrandt para conseguir evoluir e atingir o ponto de pintar como criança. O outro jeito é você ser o simplista mesmo. É você mergulhar naquele universo que é seu e fazer todo mundo chorar, pois vem de dentro.


(por Bruno Maia)


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Bebeto se levantou, me deu um abraço emocionado e voltou a tocar. Emocionado também (afinal, motivos não faltam), ouvi mais um pouco do que já tinha passado a tarde a ouvir. Bebeto e banda tocando a simplicidade.

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Só me resta voltar a ler qualquer coisa de Manuel de Barros e a sua arte de infantilizar formigas.

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Bebeto e a banda Gente fina e outras coisas tocam toda quarta-feira, das 17h às 21hs, na Modern Sound, em Copacabana. Além de boa música, ele garante bom papo e boas histórias para quem quiser... É só levar o sorriso junto.


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