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29.2.08

Show: 6 Anos de Batalha do Real, no Circo

A Lapa Que Não É A Do Samba


      Uma batalha não é feita só de rimas. Pode haver algo no ar que contagia, que faz os adversários se superarem, que incita o inesperado no improviso, que desorganiza as crews organizadas. É essa a graça de encarar uma apresentação da Liga dos MCs. Organizada em duelos eliminatórios, na hora da final, os dois rimadores já passaram por uma bateria de etapas e por uma enxurrada de versos que são o que forma o repertório imediato para o fluxo de palavras que a dupla emenda sem muito tempo para medir, pensar, ponderar. Na prática, isso significa que uma sacada bem mandada no meio da noite tende a repercutir em novas boas idéias, réplicas, entortadas dali em diante. A qualidade, em uma noite de batalha, é cumulativa e exponencial.
      Esse é um dos grandes motivos para o reconhecimento de figuras de ponta na história das improvisações do hip hop brasileiro. Só ali, no Circo, no último sábado, estavam Aori e Marechal (mas não duelando), dois dois maiores nomes entre os mcs de free style. Ainda daria para citar Kamau, Max BO, Emicida. São nomes que não só jogam para cima uma noite de batalhas, como costumam contribuir naturalmente para o ambiente criativo dos outros. Em um segundo time, uma fila se forma com nomes como Cabal, Shawlin, Funkero, André Ramiro, Negra Rê.
      No aniversário de seis anos do Batalha do Real, esperava-se de algumas figuras ainda novas que puxassem para si a categoria do espetáculo: Durango Kid, Nissin, Gil, Chapadão, Negro-A, Rico, Loco e Maomé, entre outros. Mas a verdade é que a noite não teve brilhos individuais. O vencedor, com toda justiça, foi Maomé, de regata vermelha. De uma oitava-de-final normal, foi crescendo de desempenho e agressividade até vencer Loco, que também foi melhorando mas se enrolou sozinho na decisão.
      De forma geral, a véspera do clássico que definiria a Taça Guanabara acabou sendo, ao lado da maconha, o grande tema das rimas da noite. E como a palavra Flamengo não tem lá muitas rimas, e ninguém chorou ser Botafogo no palco, a coisa andou meio repetitiva. Houve um ou outro momento de graça no eterno confronto entre magrelos e fortes, entre gordinhos e mirrados, e entre bombados e obesos, mas pouco para inflamar os combates.
      O que eu quero dizer, é que não dá para fazer careta e culpar a nova geração de rimadores. É uma questão de lua: assim como uma final de Carioca no Maracanã pode ser um jogão ou uma pelada retranqueira, a Batalha do Real depende do acaso, de um brilho no carisma dos "jogadores". É essa parte da graça, tem dia que o 0x0 é vitória, tem dia que o título vem do erro do juiz, e tem drible que é mais bonito que gol, mas não vai pro placar.

      Digno de registro, ainda, é um fenômeno que se repete: o crente improvisador. Sempre tem, em destaque, algum rimador que se apresenta como evangélico, que não bate no peito pra rimar green com sim ou mim, hash com mexe ou mete, maconha com vergonha e chapado com qualquer coisa. Ele dificilmente ganha o apoio incondicional da torcida, embora se faça respeitar e não pregue (Deus que nos perdoe). No sábado passado, era o Negro-A, de rima suingada para trás e tom professoral. Foi um dos destaques das oitavas e quartas, mas não conseguiu repetir o desempenho na semi, diante de Maomé. Sim, o crente e Maomé. Era só um ter percebido isso e o tal brilho da noite de verão podia ter surgido ainda antes da final...


      Outra característica da noite foram os duelos das oitavas, quando parceiros de uma mesma crew (ou coletivo de rap) se enfrentaram em duas ou três chaves sem confronto verbal, sem o "sangue" que a torcida pedia. Cada um rimando "livremente" para si próprio, e as aspas são de propósito porque o confronto é uma das garantias de que o texto pronunciado não é decorado. O expediente contribuiu para que o começo da noite, as oitavas, fossem tão desiguais. Algumas batalhas foram para o terceiro round (de desempate) e ainda assim geraram dúvidas na contagem do entusiasmo da platéia, e outras foram decididas com pouquíssimas mãos levantadas no Circo.
->batalha final

      Para abrir e fechar a noite, e nos intervalos das etapas da disputa, figuras que fizeram história nesses seis anos de Batalha apresentaram shows curtos. Marcelo D2, Marechal, Inumanos e Rabu Gonzalez foram os convidados da festa, que fecharam os trabalhos todos juntos com um A Lapa É Nós. Foram ainda desses quatro personagens que saíram alguns dos momentos mais emblemáticos da noite, como o de Marechal pedindo à torcida que não gritasse sangue porque o importante é dizer coisas boas, ou de D2 e Aori discordando em tom de brincadeira se o melhor da festa era o prêmio ao vencedor, R$ 5 mil, ou o espírito coletivo do hip hop em se auto-celebrar.
      D2 fez o show mais longo, que antecedeu a semi e a final. Pouco menos de uma hora divididas entre o repertório do À Procura da Batida... e o do Meu Samba É Assim, fora uma série de paradas para o canto da torcida do Flamengo. Foi ele quem apresentou a Hip Hop Rio e a cultura do rap na Lapa a centros maiores,lá no fim da década de noventa. Foi uma espécie de embaixador do caminho das batalhas de rima como força carioca no rap, único lugar onde São Paulo não tem primazia nacional. (Funk fica de papo para outro dia).
      Antes de D2, foi o parceiro Marechal que surpreendeu até a si mesmo com a participação do público no show que fez. Ex-integrante do Quinto Andar, que já foi definido como o Los Hermanos do rap carioca tal o número de seguidores que conseguiu na virada da década, o Marechal é a lenda (bróder) das rimas. E agora que se aproximou do Marcelo, está perto de lançar o disco próprio e ir além dos improvisos. Um show promissor para um cara que pode ir longe, e já convenceu a Lapa disso. A participação de Carlos Dafé, convite e presença surpreendentes, nem foi o ponto alto, vai vendo...
      Outro dos intervalos foi do apresentador da noite, ao lado do dj de metade da noite. Aori e Babão, pode chamar de Inumanos. Se D2 é o embaixador, o Inumanos é a república do rap da Lapa (e portanto carioca), e caminha para rimas sempre inesperadas sobre temas que vão da ficção científica e anatomia ao existencialismo malandro das vielas. Bases e versos que desafiam a expectativa, a definição é essa.
      E Rabu Gonzalez ficou responsável pela abertura dos versos, o único lançando disco propriamente. Rabu tem a marra, tem os refrães e tem até lá a graça dele, fora as referências todas que joga entre as palavras (Adivinha Quem Vem Para o Jantar, nome do disco, já começa bem ao lembrar Black Uhuru e Sidney Poitier), mas ainda tem relacionamento com o público a aprender, o que só vem com a estrada. Naturalmente.


(((mais fotos no fotchenhas)))

1 Opine:

At 16:43, Anonymous Anônimo said...

excelente resenha!!!!!

valeu bruno!!!

 

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