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15.2.08

Trilha Sonora: Sweeney Todd

Música Para Ouvir, Música Para Ouvir, Música Para Ouvir



       Tá, eu também não gosto de musicais, e só descobri que esta nova parceria de Johnny Depp com Tim Burton era um desses na fila, de ingresso já comprado. Mas o ponto alto de Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet é justamente entrar na brincadeira do diretor e observar como Burton joga com o gênero ao mesmo tempo em que mantém a assinatura. E, para tanto, a música é fundamental.
       Sweeney Todd é um filme esquemático. Não há tempo para que cada personagem ou situação seja apresentado detalhadamente e com riqueza de sutilezas. É tudo muito direto: este é o personagem ingênuo e sonhador, este o anti-herói, cada um chega a Londres com uma visão diferente da cidade, e assim que em terra os dois se separam. Um movimento de câmera irreal, e o anti-herói chega à loja de tortas onde conhece a parceira do filme dali em diante. É teatral, é irônico, mas é acima de tudo - ninguém esqueceu - um musical. Não é um drama, ou um filme de ação.
       A música entra em Sweeney Todd, na maior parte das vezes, como um complemento para a criação do universo daquela determinada ação vista logo antes. O expediente de usar canções para substituir uma situação é a exceção: quando Todd conta o que o leva a Londres para Anthony Hope (e um sobrenome desses só pode ser a prova da necessidade de ganhar tempo na apresentação de um personagem) ou quando o casal barbeiro-cozinheira tem a idéia do que vai salvar comercialmente a loja de tortas.
       Para comparar, um musical como Mary Poppins usa o tempo todo a manobra de um clipe para narrar uma sequência. É só pensar no passeio no parque com os pinguins. Já outro forte exemplo, Mágico de Oz, é mais adepto das ilustrações: Over the Rainbow não é uma passagem da trama, é só um olhar mais atento ao tédio e aos sonhos da menina de fazenda, assim como a música do espantalho, a do leão covarde e a do homem de lata.
       Pois bem, se as ações e os diálogos de Sweeney Todd são curtos e diretos - não podem perder tempo - é preciso falar do cenário, figurino, e mesmo da direção dos atores. O exagero é o que dá o tom: o sangue é muito e muito vermelho, as expressões faciais muito marcadas, e tudo muito delirante. Todos são muito maus, mas alguns têm motivos que justificam isso. Ótimo, mas e o que faz a música?
       A música é o ponto de equilíbrio do filme de Tim Burton. Musicais costumam ser realizados por coreografias fora do tom e muitas vezes demoradas, com um estilo de canto que privilegia o vozeirão e sentimentos demais: seja alegria ou drama. Não é o caso. Em Sweeney Todd, as músicas são quase frias, e são onde a vingança, a cobiça e o amor se mostram mais contidos. A raiva do personagem principal, o amor guardado da sócia na barbearia/lanchonete e o mal-amor do juiz são todos introjetados nas melodias mais interpretadas do que propriamente cantadas. Embora ninguém faça feio, todos ali são atores, não cantores, e isso cai muito bem. Aliás, os arranjos de Stephen Sondheim reforçam as notas mais agudas (mais difíceis de alcançar). A estratégia tem dupla função, ajuda a afinação de quem canta e reforça a dramaticidade das palavras-chave de cada fluxo de consciência musicado.
       Se as marcas intencionalmente exageradas do diretor e o sangue esguichado repetidamente podiam tornar o filme cansativo para alguns, são os delírios visuais mais perto de uma implosão do que de uma explosão que o mantém interessante. Não há tantos planos abertos, o que há são detalhes de rosto, de mão, da navalha, de uma expressão corporal.
       Assim, a música do musical ganha um papel até surpreendente, e inverte expectativas. Não é a hora da festa ou do choro, é a hora de prestar atenção. Algo parecido acontece em dois suspenses também em cartaz, Cloverfield e Onde os Fracos Não Têm Vez. Mas tanto no filme de JJ Abrams quanto no dos Irmãos Coen, a música... simplesmente não está lá. No filme de monstro do criador de Lost, a ausência de música até faz sentido, afinal a linguagem é a de reproduzir um vídeo amador, daí também os planos-sequência. No dos irmãos Coen, o suspense é justamente sublinhado pelo silêncio, o que tem a ver com as locações grandiosas e vazias da região de Rio Grande, nos EUA. De qualquer forma, o efeito é ótimo em um e outro.
       E, para encerrar a sessão trilha sonora, Desejos e Reparação. A premiada trilha da adaptação do romance de Ian McEwan é uma brincadeira de estúdio que reforça o subtema do filme: a metalinguagem. Tudo o que o filme quer é mostrar que diferentes pontos de vista criam diferentes versões de uma mesma história (daí os constantes planos fechados no olhar da personagem principal). E, radicalizando o preceito, o ponto de vista ficcional também entra na roda, mas em uma posição diferenciada. Um ponto de vista sublime, com poderes justamente de reparação. E o que é que a música aqui faz?
       A música sublinha o olhar ficcional que narra a história, faz as passagens para os diferentes pontos de vista que se revezam para situar o enredo e levá-lo adiante. Sobre camadas de notas longas em cordas de violinos e cellos, o toque de uma máquina de escrever marca o ritmo e serve de lembrete: olha só, essa é uma história de uma escritora, a matéria-prima é o que ela quer que seja a realidade, conscientemente ou não. Funciona nas primeiras vezes, mas cansa rapidinho.
       Sou mais as caretas do Jack Sparrow disfarçado de William Bonner.


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