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Bruno Maia
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8.7.08

Entrevista: Emílio Domingos, diretor de L.A.P.A. (2)

Tá Além Do Estereótipo Do Que É Um Rapper

      Pulando do papo de música e cena, partiu-se para os dois personagens que L.A.P.A. meio que apresenta, Chapadão e Funkero. De percursos e personalidades distintas, quase opostas, os dois vão personificando no filme o caminho sem manual de instrução do rap carioca. E Emílio aponta certeiramente o grande acontecimento que ainda reverbera na Lapa uma coleção de histórias que se existem e podem render um filme, é porque se cruzaram lá na década de 90: a Zoeira. Até então, o rap carioca era coisa de poucos e isolados, assistindo clipe na MTV e procurando migalhas de informação para com pouco se satisfazer. Uma festa que detonou um processo e foi na semente do que é o rap, afinal de contas: coletivizar uma manifestação cultural de rua, de improvisação e de remixagem da história gravada de antepassados. Mas deixa ele falar, vai...



sm: Beleza. Deixa eu pular um monte de pergunta aqui. Como vocês chegaram no Funkero e no Chapadão? Porque esses dois novos rappers e rimadores? Teve pesquisa com vários?
ED: O Funkero eu sempre admirei. Eu não conhecia, mas eu admirava o flow dele, a levada. A velocidade de raciocínio, a capacidade dele de se adaptar às batidas e não perder o estilo de rimar – o flow, né? Isso é o flow. E o Chapadão conquistou a gente na pesquisa. A gente começou entrevistando um pessoal no Hutuz, na entrega do prêmio. E a gente começou a conversar na porta, uma amiga nossa em comum apresentou. Eu conhecia o Chapadão como rimador também, achava legal. Ele tem uma sinceridade assim na fala, uma espontaneidade, cara, que porra, esse cara tinha que fazer parte. É muito honesto, sabe? Sabe o cara quando cresce diante da câmera? Eu acho que ele tem esse carisma de personagem de filme. E o Funk[ero] também tem. Mas o Funk eu já conhecia de ver se apresentando e eu já achava que ele era mega verborrágico, e o cara fala mais fora da câmera do que diante da câmera. E ele falou bastante diante da câmera. Mas eu acho que além disso, o fato de serem pessoas hiper receptivas pra se abrir e pra falar da real deles foi o que contou pra eles virarem personagens. Além de terem, claro, uma trajetória particular. O Funk é um cara lá do Jardim Catarina, que quer levar a música dele pros bailes funk, tem uma formação de funkeiro também. Achei isso peculiar, é uma coisa que é bem típica do Rio de Janeiro, do cara assimilar aquela cultura, porque ele cresceu no baile. Não tem muito o bloqueio de, a eu faço rap não posso isso ou não posso aquilo. Sabe? A mixtape do Funk saiu agora, vou te mostrar, eu tenho uma cópia, e o cara joga nas onze. Tem ragga, grime, tambozão, rap tradicional, se é que pode dizer isso. Tem uma musicalidade tremenda.

sm: E é leitor de Monteiro Lobato...
ED: E é leitor de Monteiro Lobato, ouvinte de Jovelina Pérola Negra, se amarra. É um cara muito versátil, um cara que tá além do estereótipo do que é um rapper. E eu acho que todo mundo tá, né cara? Na verdade, criou-se assim uma imagem do que é o rapper e as pessoas pouco conhecem os moleques que se interessaram por poesia, por letra, que tem alguma coisa pra falar, que querem falar de alguma coisa. Essa geração que adotou o rap tem essa necessidade de se expressar e o rap forneceu isso. É o gênero musical, a cultura que permitiu isso. Até mais do que ser escritor. São os caras que viraram MCs. É o caso do Funk.

sm: Outra coisa que eu acho legal dos dois é que eles são meio opostos, né? O Funk é o cara marrentão [ED: Você que tá falando, éim? Rerrê], forte. E o Chapadão é mais gordinho, mais na dele. E o Chapadão aparece em família, tradicional, pai-mãe-irmã. E o Funkero não, é ele mostrando a casa com muro novo de dinheiro do rap [ED: Tem a visão mais profissional...] Exatamente.
ED: E os dois tão quase que no mesmo estágio, musicalmente. Surgiram quase que na mesma época, o Chapadão tem o grupo dele lá, o B-32. Bem bacana, o amigo dele que aparece no final, o James, é do grupo dele. É o que rima lá no trabalho da luz.

sm: Então, voltando. De onde vem todas aquelas imagens de arquivo, que é uma das coisas mais legais de ver?
ED: Da Zoeira?
sm: É, Zoeira... Não sei se o Black Alien é Zoeira, quando ele aparece.
ED: Não, ali é... Agora já virou arquivo porque o lugar tá fechado, o Severo 172. Mas o show que ele fez acho que foi em 2006.
sm: Vocês que gravaram então?
ED: É. Arquivo é Zoeira mesmo. Eu tinha um monte de imagem da Zoeira, não encontrei. Aquelas imagens são do Gustavo Melo, do Nós do Morro, que filmou uma noita na festa lá e cedeu pra gente. Na camaradagem, brodagem. Foi super importante na montagem. No processo do filme, a gente exibiu pra muita gente quando tava montando. Foram quatro meses de edição. E pras pessoas mais próximas, a gente sempre mostrava. Foi um processo árduo, porque a gente tinha oitenta horas de material. E o Gustavo Melo teve umas sacações boas pro roteiro, uns toques legais. Foi o olhar de quem tava distante. A gente tava tão introjetado no filme, no assunto, que às vezes você tem dificuldade. Tem que ter um desapego.

sm: Quanto tempo de gravação?
ED: A gente filmou uns dois anos. Até 2007. De 2005 até 2007.

sm: Um momento especial do filme é quando o Iky, o Marechal, o Babão e um cara que eu acho que é Caio o nome dele... [ED: César. César Schwenck. Ele é da Brutal Crew, da rapaziada lá do Aori e do Babão, e é o produtor da batalha do Real, e da Liga dos MCs.] Pra mim era Caio, não sei porque. [ED: Chama de Caio pra você ver] É... Mas eles tão andando pela Lapa, e eles vão parar na sede da antiga Zoeira. Como é que foi essa gravação? Foi planejado? Quais foram os bastidores, assim?
ED: Foi planejado. Nem tudo é verdade, né? Cara, a gente queria fazer uma entrevista com o Marechal há muito tempo, já. E a gente aproveitou e falou com o Iky, com o César. Nem sei se todos estavam previstos já, o pessoal tá sempre circulando pela Lapa e sempre aparece alguém no meio da filmagem também. Nesse momento, a gente queria mostrar – eu tinha total conhecimento que a Zoeira tinha virado uma igreja batista – e quis extrair reação emocional assim dos personagens ao voltar pra um lugar com tanta importância sentimental pra eles. E o local tá totalmente modificado. Ao mesmo tempo, unir mundos que são tão distintos – o da religião batista e do hip hop – e a gente foi experimentar. Ver o que ia dar desse contato. E foi legal, foi inusitado. Rolou uma relação de respeito de ambos e... Ao mesmo tempo uma coisa meio triste, pra quem gosta de hip hop fica triste de ver o espaço onde floresceu a cultura não existir mais. Mas ao mesmo tempo, se vê que a história andou pra outros lados, que se improvisou, criou-se a Batalha do Real e tudo mais. Com o devido desapego, você vê o lado bom.

sm: Bom, acho que tem dois eixos de entrevistados. Você até chegou a falar. Um é o Funk-Chapadão, que conduzem, que tem a passagem do tempo, e tem os famosos que vão comentando.
ED: A gente brincava que era o Oráculo, né? O D2, O B Negão e o Black Alien, que já tem uma experiência profissional grande. Aí os personagens principais seriam o Funk e o Chapadão. E o Aori e o Iky seriam coadjuvantes que montam assim. Se você tivesse que fazer uma estrutura pro filme, acho que seria essa, né? Os personagens são esses, né? Fatalmente são esses caras. Os principais são o Chapadão e o Funkero, em termos de estrutura e de montagem, o Aori e o Iky são coadjuvantes. Não sei se pode se dizer coadjuvantes, porque eles têm uma importância do caralho. [sm: o Aori introduz o filme, né?] É, acho que ficou bem igualitário no final, né? A diferença é que a gente foi e filmou mais o Iky [sic: ele queria dizer Chapadão] e o Funk. Eles servem a mais temas, a desenvolver mais assuntos do que os outros, do que o Aori e o Iky. O Aori é o Mc Lapa, como ele se diz. É o MC da Lapa, o cara que nasceu ali e que vivenciou essa cultura na veia. E o Iky é o cara mega curioso, que veio de Volta Redonda nessa paixão do rap e mora na Lapa. Produziu uma mixtape que tem 24 MCs, convidou mó galera da nova geração pra cantar. É de uma generosidade imensa um ato desse, tá pra lançar a mixtape 2, produziu o som do Funkero. São personagens fundamentais pra cena.

sm: Mas e os famosos? O que vocês queriam dos famosos colocando eles no filme?
ED: Rarrarra. O que eu queria dos famosos era a experiência, né? A voz de quem vivenciou algumas situações que os caras que tavam ali como protagonistas podem vir a vivenciar. E também, mais do que a experiência, até, a reflexão a respeito das situações que o rap no Rio de Janeiro vive. Eles servem um pouco a isso. Acho que eles pontuam o filme de forma clara, o papel deles é isso pra gente. As nossas conversas eram bem em relação a isso.

sm: Bom, por último, já foram as minhas perguntas aqui, mas fala um pouco mais história de pesquisa. Quais foram as conclusões que saíram da pesquisa, o que se jogou fora, qual foi a...
ED: Tenho que tomar cuidado pra não falar coisas que possam me queimar com alguém. [sm: Não, mas de idéia mesmo, de direcionamento...] A tá. Uma coisa que a gente pretendia fazer no início, a idéia original, era... A gente fez um curta, antes do longa, chamado Minha Área. É com Aori e com o Macarrão [que é personagem de Fala Tu, outro documentário sobre o rap carioca]. E a gente fala da relação desses MCs com o bairro, a composição e o bairro como referência pra isso. Como inspiração: rapper fala muito do cotidiano e das ruas, então a gente achou que era um tema interessante. Ééé... Então, uma coisa que a gente queria falar muito, assim, era das composições e do lado artístico deles, da parada autoral.

sm: Isso, no início...
ED: Na pesquisa também. Queria falar do lado artístico, autoral e de composição deles. Acho que isso não se perdeu com o filme, mas a partir do momento que a gente foi conhecendo melhor os personagens, a gente se enviesando também para o lado social, para o backstage do rapper, como ele faz para chegar e conseguir fazer a música dele. O processo de criação da música é mais do que artístico, é quase de operário. Tem que armar o show, pensar como é que se vai gravar, como é que agir, onde você vai andar, qual o tipo de ligação que você vai ter, com questões econômicas de falta de grana, questões de família, acreditar no seu talento, e em inúmeras questões outras que estão além de ser um artista. Quando se fala em artista, a gente tem quase que automaticamente a idéia de uma vida tranqüila. Você cria e tem o seu público. E não é assim pra quem faz rap, né? O caminho, eu acho que, é bem árduo. E pra muita gente que faz música independente no Rio de Janeiro e no Brasil de maneira geral.

sm: Mas aí, os personagens que saíram da pesquisa, aquele que não entrou... Eu queria fazer uma pergunta que eu já fiz, na verdade: que elementos são comuns a eles além do carisma pra ver que eles dão um filme, que eles casam com os famosos...
ED: Todos eles... A gente viu que o filme tem uma coisa inicial que é meio cronológica, a gente fala da Zoeira, tem a Batalha do Real, e tem o presente desses personagens. Então todos eles têm pontos em comum. A Zoeira, eu acho que é a origem comum. Mesmo o Funk fez parte da Zoeira, o Chapadão freqüentava, todos eles freqüentaram. Talvez essa geração do Kelson e do Gil, que aparecem na Batalha do Real, talvez eles não tenham freqüentado. Eram muito novos. Eles já são de uma nova experiência que é a Batalha do Real, mas que a origem também é a Zoeira. Acabou a Zoeira e os caras tinham que continuar se encontrando ali, e resolveram criar a Batalha do Real. Então, a coisa que interliga eles além do ambiente da Lapa, é a Zoeira. É meio que um mesmo universo, todos eles se conhecem.

sm: Beleza.


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