O Caminho de uma Profissão como Paixão
“Tudo o que eu quero é só viver / Num quarto escuro sem janela e cor”. Pela primeira frase, antes dos primeiros instrumentos, parece que se prenuncia um disco claustrofóbico, de voz rouca com interesse pela Jovem Guarda de outros tempos. Voz segura ali, sem tentar ser maior do que é, meio rouca, bem colocada. Descrição que poderia caber em Roberto Carlos, na fase que melhor convier.
Mas a referência ao assim chamado Rei não é a melhor, embora possa ser a primeira à mente. O ex-baterista de várias bandas underground cariocas, em que se destaca o Acabou La Tequila, é o homem de frente do próprio projeto, de guitarra em punho, na assinatura de todos os arranjos e quase todas as letras (uma exceção), uma ou outra mixagem/baixo/sinth e sem pegar em baquetas.
Ainda na primeira música, Nervoso abre ao mundo o passeio a que se propõe: ultrapassar aos tropeços os maus limites, viajar e fazer o show só por precaução, contra o desejo de um interlocutor que pode ser a vida, o sistema, ou simplesmente o personagem da próxima música. ‘O mala’.
Continuando a viagem pela paixão, seguindo um tema de Renato Martins no segundo disco do Acabou la Tequila, Nervoso retoma ‘Péla-Saco’, e lhe tira o humor para tratar da solidão e da noção de relação: “Pra ele a vida é só competição” ou “Eu não vou te perdoar pelos danos que causaste com tua solidão” explicam a idéia errada dos primeiros versos, do disco e deste texto. Não é claustrofobia, é um caminho longo e duro, mas nunca só. Sobre guitarras com reverb, ou sobre um dedilhado e uma levadinha de um ska melancólico. Começa-se a sentir um eco de Los Hermanos, com o refrão de parada militar, daquelas de série antiga de tv. No fundo, a esperança do inesperado.
Nervoso trança letras e bases de estranhamento a personagens que o cercam: a que impõe limites à paixão, a mimada, o mala, o de vida banal. O disco quer descartá-los para que se cumpra o objetivo dele, o objetivo de passos e tropeços pela profissão de fazer shows. Ao lado, bons amigos (parceiros) e a paixão pelo que faz. É o que soa em ‘O Percurso’, de notas mais longas, frases que preferem as reticências ao ponto final, sem silêncios ou pausas.
Na capa de ‘Saudade de Minhas Lembranças’, um coração preto-e-branco está manchado de vermelho, uma imagem parecida com a capa de 1ª Edição, do Lasciva Lula. O coração não é vivo, mas ainda é o da paixão. Assim como o rock morreu, e está aí. Em ‘Veneno’, letra de Renato Martins (ex-Tequila e Canastra), a reflexão é sobre o reinício e o aparente fim, uma história farsesca, com sons de sucata e teclas marcados em uníssono, sem acordes na guitarra, a não ser no curto refrão que pede pelo veneno. Lembra Tequila, não dá pra fugir, com timbres ora Tortoise ou Radiohead, ora doces.
E assim vai, sem dar explicação, passando por um rock simples de solos de guitarra, sobre a falta de clareza dos que seguem um caminho certo ou brincando com o post rock. Ou ainda se aproximando de novo dos Hermanos ao tratar como rock estilos essencialmente melódicos como o samba-canção e o meio-tango-meio-valsa, cheio de recursos eletrônicos e a guitarrinha mais baixa do que o baixo.
Em ‘Mais Justo’, com a voz de Amarante, e uma linha de metais de se ouvir em pé, com braços regentes, o encontro com a banda carioca de Ventura acontece e marca o espaço de referência clara, mas não necessariamente sufocante. Guitarras e trompetes chorosos, climões grandiosos, dueto de vozes – como já dito – de uma esperança otimista, mas melancólica.
A vida segue em frente com ‘Já Desmanchei Minha Relação’, que se tivesse menos instrumentos podia caber no repertório do Autoramas, com bateria de rock’n’roll clássica e ataques de guitarra sem nunca deixar cair a pegada. O disco, a esta altura da estrada, está mais pop, com backings fazendo tchuraps e tudo o mais, como foi antes dos anos 60.
Depois de mais uma baladinha de amor derramado, o disco fecha com uma risada de despeito e um clima Tequileiro de despedida, com citações ao próprio caminho de escolha de companhias e resistência a venenos. Em ‘Fim de Tarde em Bangladesh’, o ponto final da caminhada que há de seguir. Instrumental e cheia de ecos frios e delays de viagem. Um tom tranqüilo não é uma opção pela acomodação: ao fim do dia, o futuro inquieta Nervoso.
Mudando de assunto
Feliz aniversário, Bruno! Que venha o futuro!
1 Opine:
Muito obrigado, meu jovem! Que venha o futuro para todos nós!
Abs
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