“Só Pessoas Tristes Não Sabem Dançar”
A simplicidade é a mensagem de ‘9 Canções’. Para tratar de uma paixão e da solidão, o diretor Winterbottom opta por três diferentes campos: a cama (ou a mesa de cozinha que estiver na função), um show de rock, e a Antártida. Nos três, de formas parecidas, se encontram a agorafobia e a claustrofobia. O indivíduo enfrenta os medos de espaços abertos e fechados se relacionando com um outro indivíduo, com uma banda de rock ou com o vazio geométrico e branco. Mas estará sempre medroso de si, da solidão, do derretimento de um sólido iceberg. E das interpretaçõe próprias e intransferíveis para cada acontecimento.
O filme reavalia o tempo, e coloca o sexo e o rock, tão editados em uma época de MTV de quizes e vjs sem-graça. Em uma época de arquivos .wmv, de censuras pg13, de nudezas politicamente corretas e pudores profissionais, pensando em uma carreira idealizada. Os shows são filmados com o tempo que demoram (uma canção de cada banda, a não ser o Black Rebel Motorcycle Club, que abre e fecha o filme), o que contraria a idéia de que se não picotar na mesa de edição fica chato. Não fica.
Com o sexo, a mesma coisa. Não se sugere, nem se precisa mostrar a gatinha de peitinho de fora. O que aparece é tudo, inclusive respiração pesada, chileques de corpos suados, olhares, dúvidas, auto-censuras e, por fim, risadas e um assunto para surgir. O dia nascendo feliz, a vida que todo mundo quis.
E, graças ao contraponto da Antártica, que é branca e clara em vez de escuro e penumbroso, vai se entendendo que a paixão é uma coisa simples, com tempo e espaços próprios. A cama tem o espaço e o tempo que a relação entre duas pessoas (o assunto do filme não é suruba, dessconfie de quem te contar o contrário) permitir. Ali tende ao infinito, e é apertado. Agorafobia e claustrofobia. E o mesmo vale para um show de rock.
Mesmo cercado por cinco mil pessoas, pensa Matt, um show de rock pode ser o local mais solitário do mundo. Claro, o show de rock está ali, o que o torna mais isso ou aquilo (solitário ou íntimo ou romântico ou curtição) é o indivíduo, e o que passa pela cabeça dele. Se isso for entendido de uma vez, ‘9 Canções’ ganha muito mais beleza. Cada uma das nove entra em um determinado momento da história de Matt e Lisa que dura um ano para dar algum sentido e comentário. Só que nada é pornográfico (no sentido de explícito e, depois de um tempo, entediante).
Assim como nada se constrói com símbolos narrativos de uma paixão – um primeiro (olhar, beijo, risada, te amo), um ciúme, um bilhete desprevenido ou uma “nossa música”, o que seria fácil – também nada se explica pelo Primal Scream, pela belíssima entrada de Michael Nyman ou pelo Dandy Warhols. O que há, e isso é o mais interessante, são as condições para que cada um relacione aquela canção – sendo, além da letra, a melodia, o ritmo e mis-en-scène, afinal rock’n’roll é do que se trata – com a paixão do filme, ou da vida.
Ou seja, para além da cama, do show de rock, e da Antártida, há ainda um quarto lugar fundamental que Winterbottom nos presenteia para a inevitável solidão: o escuro do cinema. E isso sim é belo demais.
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