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Bernardo Mortimer
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Bruno Maia
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21.11.05

Entrevista: Nervoso (1)

Cada situação é uma fábula

      Fã tanto de Tony Ramos quanto de memórias, Nervoso está interessado no ser humano e em transpor paredes. Ele está sempre querendo ouvir sons e músicas, e cita do punk rock europeu e o progressivo ao despertar eletrônico dos anos 80. O que explica a inclusão da última faixa do único disco, assim como aponta para o que pode ser o disco de remix que vem aí, e que está quase pronto. Faltam duas faixas, a que será retrabalhada por ele mesmo e a que será entregue ao Jumbo Elektro. Mas, claro, se vier uma surpresa, não será a primeira vez.
      A conversa foi acompanhada de dois ou três chopps no chamado Verdinho, da Cinelândia. E foi cheia de lembranças, como o surgimento do nome de um disco do Autoramas, ou o nome da atual banda em que atua, a criação do projeto-paralelo Tremendões, a inclusão de ‘Solarização’ no “Som da Moda” do Acabou la Tequila e o lançamento de Los Hermanos pela mesma Abril Music que engavetava o segundo (“bem melhor, né veio?”) da banda.
      O ex-baterista de não se sabem quantas bandas cariocas do fim dos 80 até hoje usa duas vezes a figura do muro para falar do momento em que tem um filho, questiona a chegada dos trinta anos, larga o Matanza e parte para o projeto solo.
      Ao falar da concepção do disco, Nervoso diz que não pensou na história de um personagem, sem perceber que talvez ele mesmo seja o próprio herói das aventuras (ou do percurso) de “Saudades de Minhas Lembranças”.



sobremusica: Vou repetir uma pergunta que eu fiz para o Renato Martins, aqui no site, sobre o universo de uma trabalho. O teu disco começa com uma frase: “Tudo o que eu quero é só viver, num quarto escuro sem janela e dor”, vai para os obstáculos – o mala, a menina mimada – e vai crescendo um tom de esperança ao longo do disco até que termina com uma faixa instrumental, meio etéreo...
Nervoso: É, não cheguei a pensar nessa historinha toda que você bolou, mas achei interessante... Na verdade, o disco foi concebido de uma forma bem diversificada. Ele foi gravado em vários estúdios, não houve preocupação com uma unidade. A ordem das músicas foi inclusive definida depois, eu fiquei tentando definir o que seria melhor, mas não pensei em seguir uma história não, uma história de um personagem, o que seria até interessante. Até penso em fazer uma coisa parecida, acho bacana: um disco temático...
Eu peneirei algumas das idéias que eu tenho, e concentrei nesse disco, sabe?

s: O disco foi gravado em quanto tempo?
N: Cara, a gente começou a gravar em dezembro de 2003, aí em fevereiro/março de 2004 ele tava quase pronto. Pintou mais uma música que foi nova, que foi a primeira música que contou com a participação da banda inteira, que é ‘O Percurso’, e aí a gente gravou, fez questão. Nosso editor, o Dario Alvarez, da editora Humaitá, pagou o estúdio para a gente e fez questão da música estar no disco. Para a gente foi um momento maravilhoso, e vai ser a música do nosso segundo clipe, que é uma música que define bem a transição entre o começo que foi uma concepção minha desse trabalho: Nervoso; e agora que já é Nervoso e os Calmantes, que já tem a participação de todo mundo da banda, cada vez mais. E começa com o processo de composição. Eu achei justo meio que me separar disso, até porque tem outros projetos que eu assino como Nervoso, aí as pessoas associam Nervoso-banda com o Nervoso que sou só eu... A gente foi abrir o show do Barão Vermelho, no Claro Hall, e saiu banda Nervoso. Não acho agradável, não gosto disso. É estranho, não é banda Nervoso, mas também não é carreira solo Nervoso, é uma banda... Existia a dificuldade de achar um nome que funcionasse. E o nome veio num estalar: a gente tava em Niterói, num bar, bebendo, só os cinco, num momento mágico e de repente (estala o dedo!): cara, Nervoso e os Calmantes. Do caralho!
E esse nome tava na nossa cara, mas você não vê o sinal. Tem um poeta chamado Tavinho Paes que ficava o tempo todo martelando, com aquele jeito dele, teatral: “cara, tem que arrumar patrocínio de um laboratório químico, porra, calmante cara, vocês vão viajar o Brasil inteiro. Vão alugar um ônibus pra vocês com patrocínio...” Sei lá, falou o nome de um remédio louco lá. Aí, eu me lembrei do cara.

s: Você já viu ‘Cinema, Aspirina e Urubus’, um filme pernambucano? É um cara que viaja num caminhão de Aspirinas. Não tem nada a ver, só lembrei agora.
N: Não vi. Mas aí veio o nome e o cara juntos, era uma coisa que devia estar meio subliminar, guardada na cabeça. Mas aí eu encontrei com ele no show dos Paralamas, e falei: “sabia que o nome da banda é Nervoso e os Calmantes?” “Tinha que ser...”, ele é aquele cara beatnik, né? Haha. Ele nunca deu a idéia de ficar como nome, sempre era a coisa do patrocínio. Mas ficou uma luzinha.

s: O disco é todo de músicas tuas, só tem uma que é do Renatinho. (Nervoso: E ‘O Percurso’ que é de todo mundo). E ‘O Percurso’ que é de todo mundo... Mas como é a parceria e mesmo a relação entre você e o Renatinho, que tocam juntos no Acabou la Tequila, moraram no mesmo prédio...
N: Tem isso, a gente morou em Botafogo, um prédio onde eu já morava com a minha ex-mulher e meu filho. Aí o Renato alugou o apartamento debaixo, por indicação minha. A dona do prédio se arrepende até hoje de ter seguido minha indicação. Hihihahaha. Virou uma bagunça, aquela porra.

s: Mas aí vocês fizeram música juntos na trilha de ‘A Pessoa É Para o Que Nasce’, aquela do Xalo (a música se chama ‘Coco do Leão Arretado’)...
N: Cara, eu e o Renato, eu acho que a gente compõe menos do que deveria. Porque a gente tem o nosso universo, mas tem uma sintonia fabulosa. Quando a gente consegue parar pra fazer, sabe? Acho que muito pouco foi feito, como se merecia, mas... E ainda tem que a gente morou no mesmo prédio: a gente fazia coisa, pegava o violão. Inclusive, os Tremendões, eu montei lá naquele prédio. Foi numa época que rolava um vazio, eu tinha saído do Matanza, não tinha ainda começado a conceber meu trabalho, não tinha o pé no chão ainda pra fazer, aí falei: “vamos montar uma banda de baile, com música do Roberto Carlos”. Eu desci lá, o Renato tava naquele clima de cigarrinho na janela, sem trabalho fixo, sem nada, começando a montar o Canastra, que antes se chamava Influenza, e eu falei: “Pô, Renato, vamos fazer uma banda de baile, eu, você, a gente chama o Gabriel (Thomas, do Autoramas), por enquanto nós três, vamos ver o que acontece.” Aí o Gabriel já deu a idéia de chamar o Melvin, mas foi concebido lá no prédio. ‘O Bom Veneno’, a gente compôs lá também. Eu tinha a base. O Renato fez praticamente a música, a letra é dele.

s: Na entrevista aqui pro site, ele chegou a brincar que você roubava música dele...
N: Ah, a gente sempre brincou com personagem, sempre brincou com a terceira pessoa no Acabou la Tequila. O Acabou la Tequila, antigamente, já era uma banda de Roberto Carlos, antes dos anos 90. Eram aqueles molequinhos de escola, o Renatinho, o Donida que é do Matanza, o Perna que hoje é advogado, o João Calado, que hoje toca cavaquinho com a Tereza Cristina, um sambista e compositor do caralho. Existia essa banda, que tinha mais um baterista, depois entrou o Bacalhau, que hoje tá no Autoramas, tudo é uma meinha foda entre a gente. Então, essa brincadeira com a terceira pessoa sempre teve.
Eu tinha uma música com o Acabou la Tequila, ‘Solarização’, que era isso. Era o cara: o estranho, o brincalhão. O Autoramas também faz muito isso. Brincar com o personagem.
Uma vez, eu tava no ônibus com o Gabriel, há muito tempo, eu tinha acabado de entrar pro Autoramas, tinha acabado de montar com ele a banda, e a gente olhou um cartaz: Estresse, depressão, síndrome de pânico. Aí o Gabriel: “caralho, foda isso”, e virou o nome do disco.
A gente adora isso, agora foi com Nervoso e os Calmantes. O ser humano é tão complexo quanto assustador, pra mim. Cada situação é uma fábula.
Eu vi outro dia uma entrevista com o Aguinaldo Silva, aquele noveleiro, ele tira as histórias dele de coisas que ele lê no jornal. Ele é viciado em jornal. Ele passa o dia inteiro lendo jornal. (sobremusica: Ele veio pro Rio para ser jornalista...) Pois é, e eu – além da leitura, que eu adoro – eu leio muito, mas o cotidiano é muito mais enriquecedor. As pessoas, você tem que tomar cuidado com elas, mas eu preciso delas. As pessoas têm características à minha volta, e pra mim é tudo elemento essencial, na hora de fazer música.

s: E isso é tudo: trabalho, casa, festa,...
N: Trabalho, casa, festa. Família, muito.O meu filho é fonte de inspiração maravilhosa.

s: Quantos anos ele tem?
N: Quatro anos. Cara, organicamente, o Guilherme foi uma grande parede. Uma parede de motivação, uma grande segurança pra montar a banda, esse projeto-solo, porque eu sempre fiquei na bateria. Você não sabe o que vai ser ali. Aí você para, sou pai de família, tenho trinta anos, tenho que saber o que eu quero. E é um pensamento inocente, bobo, puro, mas tem fundamento. Você não sabe a tua voz, como vai ser lá, se você nunca impôs a sua voz. Você cantar de brincadeira, fazer um backing vocal, cantar uma música ou outra lá no Acabou la Tequila, no Autoramas, é uma coisa. Agora, um show inteiro, um ensaio inteiro, você não sabe como vai ser, é uma luta, sempre.
E tem as músicas, que foram outra motivação pra montar a banda, porque elas não funcionavam em outras bandas. Eu mostrava pros caras, eles adoravam tanto as músicas quanto as melodias, mas na hora de botar em prática, eu tava na bateria. E eu acho que se expressar na bateria pra passar uma melodia e arranjo é muito mais limitador do que estar na guitarra, na voz. Você na bateria fica só: “faz assim!”, daí tem que levantar e pegar na guitarra. Aí neguinho desanima, no outro ensaio já esqueceu da música, e isso ia atropelando. E esse tipo de coisa, pra eles, era esquecido, mas pra mim não. Pra mim era mais um tumorzinho que ficava ali.

s: ‘Solarização’ foi uma que rolou...
N: ‘Solarização’ rolou, mas quando rolou, quase não rolou. A gente tava em estúdio, e não tava achando o clima, o Renato não tava conseguindo cantar ela direito, não tava funcionando. E neguinho já tava querendo desistir, e eu falei: “desistir é o caralho, mermão.” Eu peguei o microfone, o Renatinho: “canta aí, então”, aí tá, ele fez o backing e ficou perfeito. Mas se eu não tivesse tomado essa atitude, a música ia acabar ficando de fora. Tinham umas vinte pra entrar no disco, várias ficaram de fora.


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