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4.11.05

Entrevista mombojó, participação especial de Renato L.

(Recife 04/2005)

Muita gréia e experimentação

Uma cerveja tarde da noite é muito bom para ficar conversando melhor. Ok, eu não bebo cerveja, mas a conversa foi muito bacana. Nas cadeiras de metal de um restaurante do Recife, às vésperas do Abril Pro Rock 2005, o sobremusica, antes mesmo de entrar no ar, já se preparava e entrevistava uma das mais consistentes promessas da música pop brasileira para o novo século, a mombojó. Amanhã eles tocam no Circo Voador, com Junio Barreto e Los Sebozos Postisos. Por isso, me dei ao trabalho de tirar a poeira da fitinha e detoná-la aqui, mesmo depois de tanto tempo...

Com a presença ilustre de Renato L, um dos pais do manguebit, os ‘filhos’ dessa fertilidade da lama falam sobre rock’n roll metafísico, a experiência com a Revista Outracoisa (quem diria, Lobão), programas de incentivo à cultura, experimentação, projetos paralelos e várias outras coisas. Entrevista fragmentada, bem solta... Tão solta que quando fui ver, já tinha começado e eu não tinha reparado. Lá pelas tantas, comecei a gravar...

É importante atentar que a entrevista é de abril de 2005, com Marcelo Campello e O Rafa, responsáveis pelos violões, cavaquinhos e instrumentos de sopro na banda. Devido a distância temporal, algumas coisas já podem soar velhas. Hoje a banda já está assinada com a Trama, por onde lançará um novo álbum em 2006, depois do carnaval. As gravações começam agora em novembro, no estúdio da gravadora nova, em São Paulo.

'Tá velha a entrevista, então!' . Não importa. Esse era o retrato de uma banda no meio do caminho entre ser independente, assinar, ser querida pela crítica e estar ganhando o público. Um grupo de amigos, em torno dos 20 anos, curtindo pra caralho a possibilidade de viver de música.


O Rafa: Hoje em dia a gente nem escuta mais rock’n rol direito.
Marcelo: Até escuta coisas mais rock’n roll, mas num sentido mais metafísico, tipo Schoenberg.
(risos!)

sm: Tá bom, eu não ia perguntar, mas já que vocês tocaram no assunto, eu sou obrigado. O que vocês escutam?
Marcelo: Eu estou numa fase bem pessoal, não posso falar pela banda, de estudar coisas de orquestração. Estou ouvindo alguns nomes mais eruditos como John Cage, Stockhausen, até de antes, Debussy, Schoenberg, mas isso é um universinho muito meu, não tem nada a ver com o resto da galera da banda.
O Rafa: Neguinho está escutando Dub pra caralho!
Marcelo: Mas se você perguntasse isso há um ano seria outra história. Se você perguntar pro Chiquinho, tecladista, ele está ouvindo dub, raggamufin’, coisas que eu ouvi pra caralho quando entrei na banda. Na época, estava ouvindo Air e coisas de dub.
O Rafa: Hoje em dia eu ouço muito Hermeto (Pascoal, multiinstrumentista) e muitas coisas de orquestra, tipo Beethoven e música renascentista.
Marcelo: A gente estava falando de referências, é isso. Tudo se reflete de forma inusitada no som, saca?! Você não vai encontrar claramente de onde saiu aquela história ali, mas de uma forma ou de outra foi...

sm: Porque de rock’n roll, da forma mais cruamente conhecida, no trabalho de vocês têm “A Missa”, “Deixe-se acreditar”...
Marcelo: A galera deu uma ‘abominizada’ em rock’n roll, saca?! Cansou daquela história.
Sm: Beleza, mas ainda são as músicas que trazem a galera para mais perto da banda durante os shows. Isso de alguma forma assusta vocês, a possibilidade de tirar essa veia da banda e...
Marcelo: E declinar o público?
sm: Não, mas o show não ficar tão interessante aos olhos de quem quer ‘consumir’ um show simplesmente.
Marcelo: Não sei dizer.
sm: Mas essa preocupação interessa a vocês?
Marcelo: A gente tenta dar uma cara instigada pra parada, porque as músicas tendem, naturalmente, a ser melancolias. É coisa do compositor mesmo, o Felipe (S., vocalista da banda) e eu também...
sm: Vocês curtem uma fossa? (risos)
Marcelo: É normal... A gente vai fazer o arranjo tenta dar uma instigadinha para não ficar aquela viagem autista, sabe?! Porque você, às vezes, vê que a letra é triste pra caralho, mas, com o arranjo, não fica aquela coisa pedante, sabe?!

sm: Vocês estão em fase de pré-produção agora. A previsão é lançar em 2006, falta um ano inteiro. O que é o Mombojó em 2005? É estúdio ou show?
Marcelo: É os dois.
O Rafa: Não tem como parar.
Marcelo: É, mas quando a gente entrar em estúdio, a gente vai passar aquele período assim... Dois meses bem centrado. Mas a gente vai ter que estar levantando caixinha porque a banda precisa evoluir. Precisa comprar case, microfone, pedal.
O Rafa: Ir se equipando, né...

Marcelo: É, precisa fazer esse investimento paralelo e dinheiro... a gente não ta com esse cachê do caralho (risos)
sm: Só R$50 mil só... (risos)
Marcelo: R$50 mil (muitos risos!). Isso é Lenine, véio! O pernambucano mais bem sucedido. Diminua por dez que chega mais junto...
sm: Diminuo dez, dá R$40 mil. É isso, então? (risos)
Marcelo e O Rafa: (muitos risos). DIVIDA por dez!!! Divida por dez... (risos!)

(conversa, bebe e volta)

Mombojó em 2002. Foto: Hélder Carvalho

Marcelo: Uma coisa que é importante. A gente tem um site, mas que tem um espaço limitado de informação lá. O ideal era ter mais, para por mais coisa. Ele está no C. E.S.A.R, que nos patrocina.
Renato L: O C.E.S.A.R é uma empresa aqui do Recife de tecnologia, mas os provedores deles têm umas limitações...
Marcelo: É falta de possibilidade técnica.


sm: Vocês falaram de patrocínio. Isso era outra pergunta. O disco foi patrocinado por um hospital, certo? Como vocês chegaram a isso.
Marcelo: Isso foi graças a lei de incentivo à cultura. Você arruma uma empresa para patrocinar e a ajuda que ela der vai ser descontada dos impostos que ela pagaria.
sm: Qual a ligação de vocês com o hospital?
Marcelo: Eles já patrocinavam, já tinha esse..
Renato L: É um hospital grande daqui, chamado Santa Joana, e eles têm uma tradição de apoiar projetos culturais.
Marcelo: Não teve padrinho, não...
Renato L: Eles colocaram no SIC, que é o sistema municipal e foram aprovados.
Marcelo. A gente teve muita sorte, porque a gente teve padrinho assim...

(interrompe-se a conversa pela chegada de Luciano, empresário dos caras. Lá pelas tantas...)

sm: O disco foi lançado em 2001 pra 2002, você falou..
Marcelo: 2002 pra 2003...
sm: Isso! E só saiu nacional em 2004.
Marcelo: 2003.
O Rafa: Não era nem mombojó o nome da banda...Era 'mombojó ragajá'
Marcelo: Cortou pra ficar comercialmente viável! (muitos risos!!)
O Rafa: (muitos risos!) É, porque mombojó é um nome super comercial, né?! (risos)
Renato L: É engraçado porque era um projeto em que eu trabalhava. Um projeto da galera da Nação
(Zumbi), do Devotos e da prefeitura, com um monte de shows na periferia. E o mombojó se apresentou, com um show muito bom. Uma surpresa. Era sempre Nação, Devotos e uma banda iniciante. Um dia foram eles.

apertados na Outracoisa. Foto: Luiz Santos


sm: E como vocês chegaram na Outracoisa?
Marcelo: Nesse momento a gente já tinha uma reverberação grande, saca?!
sm: Mas ainda era demo?
Marcelo: Nada! Já era o disquinho... A gente tinha prensado mil cópias, ele pegou a matriz e prensou 20 mil. Ele foi oportunista na parada, hahahah (risos!)
O Rafa: Não, mas a gente também foi. Porque 20 mil cópias...
Marcelo: É, mas ele foi, bicho! Eu não vi um real dessa porra!! Heheheh! (muitos risos)
sm: Mas eu ‘estou gravando’ ou é em ‘off’ (a máquina estava claramente gravando)?
Marcelo: Tá gravando!!!
Luciano Meira (empresário): Do que vocês estão falando?
Marcelo: Da Outracoisa...
Luciano: Não, tá tudo certo. Tem um determinado número de cópias que temos que vender antes de começar a ganhar. Agora, a gente ainda há de fazer um estudo para saber porque a gente não vendeu 5 mil cópias ainda... (risos)
Marcelo: É, eu também acho! (risos)
sm: Eu achei que tava muito mais de 5 mil. Só eu comprei quatro!
O Rafa: Ou a distribuição não ta tão competente...
Luciano: Eles só querem que a gente venda o CD junto com a revista. Para levar uma caixa de quarenta revistas para um show é um peso da porra! Aí o que eu faço, quando vou para São Paulo, por exemplo, eu pego da Tratore (selo) e vendo no show. Aí eu faço consignação lá em São Paulo e em cada cidade que a gente vai. Porque viajar com duzentos exemplares da revista... São cinco caixas!
sm: Mas vocês não têm o direito sobre a master para prensar mais?
Marcelo: Direito a gente tem, só não tem é o dinheiro pra pensar (risos!).
Luciano: Eu prefiro fazer isso no segundo disco!
Marcelo (para Luciano): A gente tava falando da Lei Rouanet... É uma realidade...

(mais cerveja, caranguejo e abstrações noite adentro...)

sm: E o DelRey (banda comandada por China, com repertório baseado em músicas de Roberto Carlos), é um projeto mesmo ou só uma válvula de escape?
O Rafa: Isso aí eu posso falar porque eu sou da banda e ele não é! DelRey é porque...
Marcelo: Mas eu posso falar também!
O Rafa: Pode.. (risos)
Marcelo: Pra mim, DelRey é uma onda que surgiu de um cara tentado reconquistar o amor da namorada dele: China. Eles tinham acabado um namoro e, pra mim, foi isso. Eu vi surgir a parada Eu era muito amigo dele, sou ainda, e vi o repertório inicial eram todas as músicas de Roberto Carlos que se encaixavam melhor naquilo que o cara estava vivendo. Agora, com o sentido de ser banda para dar um dinheirinho para o cara. Mas aí depois que o cara reconquistou a mulher, aí virou outra história que O Rafa pode dizer melhor que eu.
O Rafa: É, assim... Eu fui chamado depois, porque o pessoal já tinha uma banda chamada Os Monstros...
Marcelo: D’Os Monstros eu fazia parte..
O Rafa: É... E veio DelRey, onde quem tocava baixo era Samuel (baixista da mombojó), mas ele não se agüentou, aí eu entrei tocando baixo e fiquei.
Marcelo: Eu também ia ser, mas eu viajei num mesmo final de semana da estréia do DelRey e... Foi melhor assim...
sm: Mas se pensa em gravar?
O Rafa: Não pode gravar porque é tudo muito caro.
Marcelo: É Roberto Carlos, véio..
O Rafa: E também não é nenhuma banda com pretensões... E de qualquer forma, se você quiser vai no soulseek... É uma banda de baile, só que a gente consegue arranjar legal as músicas.
Marcelo: É uma banda de baile que não é careta, saca?
O Rafa: Isso! A gente consegue dar uns arranjos mais instigados, legais, com uma roupagem mais noventa... A gente se baseia nos arranjos originais
Marcelo: E China tem Roberto Carlos tatuado na batata da perna!
Luciano: Eu conheço esses meninos, véio, há muito tempo. O mais novo eu conheci quando tinha cinco anos de idade. Eles gostam muito de exercitar a diversidade e de experimentar as possibilidades. Tinha essa história, mas tinha que bater com o interesse dos outros. Chiquinho (tecladista) tinha o desejo de pesquisar a sonoridade dos teclados dos anos sessenta. Isso foi uma puta coincidência, foi um encaixe perfeito... Se você juntar esse desejo de ‘experimentalidade’ com esse senso de gréia que você está vendo que eles têm – e tocar Roberto Carlos tem que ter um senso de gréia do caralho!!

Isso é uma gréia da porra! Foto: Paulo Victor

sm: Senso de quê? Desculpa...
Todos: De Gréia... É tiração de onda...
sm: Ah...
Luciano: É, mas de uma forma saudável...
O Rafa: Às vezes não! (risos!)
Luciano: Mas nunca tem uma intenção má. É uma coisa meio carnavalesca. Juntando esses desejos... Outro dia, Marcelo Machado
(guitarrista da mombojó) estava com uma idéia de formar uma banda à la StereoLab, o Laboratório Estéreo, um negócio desse.. De novo o sentido de gréia e de experimentação. Tem o lance dos Originais do Sample, que Chiquinho tá com Marcelo Machado, de novo é querer ir além da mombojó e isso só ajuda a banda a crescer...

(mais cerveja, mais caranguejo e chega...)

Fim de noite. O Rafa, BM, Marcelo Campello e Renato L

Foto: Garçom


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