Arto Lindsay :: show
O silêncio distorcido
Arto Lindsay tocou ontem no Rio. Pra quem tem alguma curiosidade sobre o trabalho dele, imperdível. Numa aconchegante Casa da Gávea, cerca de 60 pessoas lotaram as cadeiras para vê-lo.
No palco, apenas um pedestal com microfone, uma guitarra azul, dois pedais e um amplificador. Quando ele entrou em cena com aquele rosto lânguido, meio Woody Allen, meio Antonio Adolfo, disse boa noite, vestiu a guitarra e começou a distorcer o silêncio que enfeitava com a sua voz. A viagem de Arto Lindsay é desconcertante. A mão acerta a corda, que não acerta o som, seco por sua outra mão. A melodia da voz vem despida da harmonia e eu não me entendo bem. Os ruídos sempre me incomodaram. Eu não gosto de Sonic Youth. A mão direita bossanoveia, eu me desconcerto. Cadê a harmonia que estava ali? Eu continuo fazendo as mesmas observações, as mesmas questões. Sinto o silêncio do lugar. As inserções do trovão azul apitam, sobram aos ouvidos. Entortam. Tem gente rindo. Eu levo a sério. Não sei bem o porquê, mas levo.
O repertório passa por canções que talvez sejam do blues americano. Não conheço, mas pressinto. Al Green estava lá, salvo engano. O português claro, carregado de sotaque nordestino e novaiorquino, é outra materialização da estética que junta as sobras e distorções da bigapple com os silêncios de um lugar remoto qualquer. Conheço as (poucas) canções em português. Não são dele. Quando eu chego em casa nada me consola é o que ele começa a silabar com seus entrecortes agudos e baixos abafados. O som não é limpo jamais, a não ser pelo excesso de limpidez de sua voz. Meio baixinho, meio João Gilberto. Mas por vezes o grito rompe, geme, uiva. O artista se retorce e o som vem. Jackson Pollock.
A força do afoxé “O mais belo dos belos” é lapidada, não bruta. A melodia dança em labirintos desacompanhada do surdo, da percussão, e se revela surpreendentemente sutil. Não conheço seu inglês, me encontro no nosso português. O tempo verbal é infinito, randômico e contínuo. Ainda ecoa por aqui. Me acho de novo quando ele evoca o Mar da Gávea, canção de Lucas Santanna, das mais belas dos anos 90, gravada por Arto no disco Mundo Civilizado (1996). Maneiras. Se ele quer fumar, fuma, se quiser beber, bebe gemendo. Ele tem fé no apego e não chora de barriga cheia. Não chora. Todos riem. Cadê a piada? Levei a sério demais a idéia de descontrução? Talvez.
Fui falar com ele. Talvez esclarecesse algumas questões que minha percepção não resolveu sozinha.
*Quatro perguntas para Arto Lindsay.
eu: Pra que o silêncio?
Arto Lindsay: Olha... (silêncio). Eu uso muito o silêncio na minha música.. É... a música é isso, né, a relação dos sons entre si, a relação do som com o silêncio. Eu uso muito, é... Fundamental o silêncio.
eu: E a distorção?
AL: A distorção também é fundamental pra mim. Você vai embora??? [[ Pergunta para Lucas Santanna, que apareceu na porta do camarim se despedindo... :: Eles acertam um chope pra daqui a pouco.]]. E então...
eu: Pra que a distorção?
AL: A distorção... não sei... Faz parte... entendeu? (silêncio) É... ssss... é... O interessante da guitarra, pra mim, pessoalmente, sempre foi o som e o som da guitarra começa com a distorção, começa com, vamos dizer, uma falha na intenção do negócio.
eu: Pra que a voz?
AL: (silêncio) Aí tá muito profundo... muito existencialista.
eu: Você acha que tá muito existencialista?
AL: Pra que a voz? Sei lá. Pra cantar. Porque a gente fala. Porque a gente geme. Não sei... Porque a gente chora. Sei lá.
eu: E as letras?
AL: (...)
eu: As letras que você escolhe...
AL: As letras... olha, eu faço minhas letras...
eu (interrompendo): Por exemplo, as letras que você escolheu cantar aqui hoje.
AL: Ah, sim, as músicas de outras pessoas?
eu: É, e eventualmente as suas que você gravou... Pra que a letra na música?
AL: Porque eu acho que... ... ... É até uma boa pergunta. ... Não sei. A a a.... A música e a palavra se atraem e eu não pude resistir à tentação. Eu não vou ficar uivando que nem um macaco também. Ou pelo menos não somente fazendo isso. ...
(em off)
eu: Era isso. Foi mal aí se pareceu muito existencialista... (risos). Era só uma tentativa de desconstrução...
AL: Não, imagina. Foi ótimo... É isso aí.
*Uma pergunta para mim mesmo (e para quem mais quiser responder)
Eu levei a sério demais?
No palco, apenas um pedestal com microfone, uma guitarra azul, dois pedais e um amplificador. Quando ele entrou em cena com aquele rosto lânguido, meio Woody Allen, meio Antonio Adolfo, disse boa noite, vestiu a guitarra e começou a distorcer o silêncio que enfeitava com a sua voz. A viagem de Arto Lindsay é desconcertante. A mão acerta a corda, que não acerta o som, seco por sua outra mão. A melodia da voz vem despida da harmonia e eu não me entendo bem. Os ruídos sempre me incomodaram. Eu não gosto de Sonic Youth. A mão direita bossanoveia, eu me desconcerto. Cadê a harmonia que estava ali? Eu continuo fazendo as mesmas observações, as mesmas questões. Sinto o silêncio do lugar. As inserções do trovão azul apitam, sobram aos ouvidos. Entortam. Tem gente rindo. Eu levo a sério. Não sei bem o porquê, mas levo.
O repertório passa por canções que talvez sejam do blues americano. Não conheço, mas pressinto. Al Green estava lá, salvo engano. O português claro, carregado de sotaque nordestino e novaiorquino, é outra materialização da estética que junta as sobras e distorções da bigapple com os silêncios de um lugar remoto qualquer. Conheço as (poucas) canções em português. Não são dele. Quando eu chego em casa nada me consola é o que ele começa a silabar com seus entrecortes agudos e baixos abafados. O som não é limpo jamais, a não ser pelo excesso de limpidez de sua voz. Meio baixinho, meio João Gilberto. Mas por vezes o grito rompe, geme, uiva. O artista se retorce e o som vem. Jackson Pollock.
A força do afoxé “O mais belo dos belos” é lapidada, não bruta. A melodia dança em labirintos desacompanhada do surdo, da percussão, e se revela surpreendentemente sutil. Não conheço seu inglês, me encontro no nosso português. O tempo verbal é infinito, randômico e contínuo. Ainda ecoa por aqui. Me acho de novo quando ele evoca o Mar da Gávea, canção de Lucas Santanna, das mais belas dos anos 90, gravada por Arto no disco Mundo Civilizado (1996). Maneiras. Se ele quer fumar, fuma, se quiser beber, bebe gemendo. Ele tem fé no apego e não chora de barriga cheia. Não chora. Todos riem. Cadê a piada? Levei a sério demais a idéia de descontrução? Talvez.
Fui falar com ele. Talvez esclarecesse algumas questões que minha percepção não resolveu sozinha.
*Quatro perguntas para Arto Lindsay.
eu: Pra que o silêncio?
Arto Lindsay: Olha... (silêncio). Eu uso muito o silêncio na minha música.. É... a música é isso, né, a relação dos sons entre si, a relação do som com o silêncio. Eu uso muito, é... Fundamental o silêncio.
eu: E a distorção?
AL: A distorção também é fundamental pra mim. Você vai embora??? [[ Pergunta para Lucas Santanna, que apareceu na porta do camarim se despedindo... :: Eles acertam um chope pra daqui a pouco.]]. E então...
eu: Pra que a distorção?
AL: A distorção... não sei... Faz parte... entendeu? (silêncio) É... ssss... é... O interessante da guitarra, pra mim, pessoalmente, sempre foi o som e o som da guitarra começa com a distorção, começa com, vamos dizer, uma falha na intenção do negócio.
eu: Pra que a voz?
AL: (silêncio) Aí tá muito profundo... muito existencialista.
eu: Você acha que tá muito existencialista?
AL: Pra que a voz? Sei lá. Pra cantar. Porque a gente fala. Porque a gente geme. Não sei... Porque a gente chora. Sei lá.
eu: E as letras?
AL: (...)
eu: As letras que você escolhe...
AL: As letras... olha, eu faço minhas letras...
eu (interrompendo): Por exemplo, as letras que você escolheu cantar aqui hoje.
AL: Ah, sim, as músicas de outras pessoas?
eu: É, e eventualmente as suas que você gravou... Pra que a letra na música?
AL: Porque eu acho que... ... ... É até uma boa pergunta. ... Não sei. A a a.... A música e a palavra se atraem e eu não pude resistir à tentação. Eu não vou ficar uivando que nem um macaco também. Ou pelo menos não somente fazendo isso. ...
(em off)
eu: Era isso. Foi mal aí se pareceu muito existencialista... (risos). Era só uma tentativa de desconstrução...
AL: Não, imagina. Foi ótimo... É isso aí.
*Uma pergunta para mim mesmo (e para quem mais quiser responder)
Eu levei a sério demais?
3 Opine:
É rapaz, se a sua intenção foi passar a desconstrução - ou a loucura, prefiro assim - do show com o texto, acertou em cheio. Porque eu boiei.
E nas perguntas, hahaha, não acho que você tenha levado a sério demais, só achei que tentou ser mais pirado do que a própria piração em si.
Talvez pra descobrir o que é ou qual o sentido dessa tal piração, né, não sei...
Mas tá maneiro! Valeu!
Achei o show divertidíssimo e dei muitas risadas. Já tinha visto algumas vezes mas ontem foi de certa forma mais legal.
achei graça da entrevista também! ;-)
abs
eu ñ vi o show. li-o aqui. levei a sério. gosto de arto. é um cara sério. as respostas soaram como as únicas possíveis sobre questões tão sérias logo após um show na velô q é. com calma ele pensou nisso depois. arrisco. tô falando ´serio.
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