Ivan Lins em 3 atos
Primeiro ato
De graça, dizem, até injeção na testa. Ontem, rolou Ivan Lins, na Modern Sound. Às 19hs, horário marcado para o show, muita fila ainda do lado de fora da loja/casa-de-pequenos-shows, em Copacabana. No fim da fila, onde eu estava, uma senhora, duns 60 anos, se assustava com aquela quantidade de gente e desistia. “Eu vejo Ivan Lins toda semana”, dizia ela. Talvez seja tia dele.. Mais alguns minutos e eu já não era o último. Outra senhora resolvera encarar uma fila já maior, com a minha presença. Fiquei prensado entre ela e o senhor grisalho, que estava à minha frente e a reconheceu:
- Você é amiga da Maria dos Anjos, não é?
- Sou sim - disse ela.
- Ela tá aí?
- Não, ela não veio hoje não.
- Ah, que pena! Eu só vim por causa dela. Você diz pra ela que eu só vim por causa dela e que ela não apareceu. – disse, sem se identificar. Como aquela senhora daria o recado, eu não sei.
O senhor ainda reclamou um pouco. Quando a chuva começou, foi ele quem organizou a fila para que as pessoas saíssem da calçada e fossem para a galeria. Não queria se molhar. Continuou o seu monólogo. Não sei se comigo, não sei se com a senhora amiga da Maria dos Anjos, atrás de mim.
- Hoje tá um tempo perfeito pra se tomar um vinho. Várias vezes eu venho aqui e nem entro. Vou pra lá – e apontou, do outro lado da rua, a loja Lidador, com sua adega. – Pago R$15,00 na garrafa e tomo um vinho maravilhoso. Aí dentro, é R$8,00 uma taça. E eu não gosto do Ivan Lins.
O monólogo continuou. Eu, que não estava afim de interação, só ouvia. Além do que, nem sabia se aquilo era comigo, com a senhora amiga da Maria dos Anjos ou talvez com Deus. Queixas para Deus podem ser eficientes. Afinal, se ele resolver te ajudar, você tá bem. O senhor olhava a fila e não acreditava que fosse entrar. Reafirmou algumas vezes que não queria. Mas quando se viu, estava lá dentro. E agora? Ele não gostava do Ivan Lins, não havia mais cadeira para se sentar, não podia nem consumir o seu vinho (devido a tal lotação) e estava sem a Maria dos Anjos. A noite dele foi um mistério pra mim.
Eram 19h38 quando entramos. Ele, a amiga da Maria dos Anjos e eu. O show marcado para 38 minutos antes ainda não tinha começado. Ainda tardaria mais 23. Nesse meio-tempo, às 19h55, perguntei a um dos seguranças, que organizava a parte interna da loja em áreas que privilegiavam os que tinham chegado mais cedo, se aquele atraso era normal. Ele disse que sim, sem me olhar muito. A minha pergunta foi a senha para que uma chuva de reclamações começasse ao meu lado. A primeira veio de uma velhinha que já passava, mole mole, dos 80 anos. A menos de um metro e meio do chão, seus olhos tentavam mirar o palco, atrás das costas de linho preto daquele segurança. “É sempre assim, mas hoje tá demais. Não vou poder nem ficar até o fim. Não sei pra que que (sic) marcam às sete, se nunca começa”.
[[Será que ela leu o meu texto de terça-feira passada, conhece minha cara e tá querendo me cativar? Larga de ser pretensioso, Bruno]].
Enquanto a vaidade chega e sai da minha mente, outra queixa chega e fica nos ouvidos. “A gente vem aqui toda semana. E é sempre assim. Nós até conhecemos o pessoal da loja. Só porque é de graça?”. Uma terceira senhora, resignada, emenda. “É porque eles tem que abrir mais cedo para as pessoas beberem. Fazê o quê?”. Surge de algum lugar, então, uma sugestão. “Por que eles não avisam que o horário limite para a entrada é às 19hs, já que é de graça, mas que os shows começam às 20hs, ou às 20h30, sei lá?”. Revelo-me, pois, como jornalista e, antevendo este texto, pergunto se posso entrevistá-las.
- Mas se o senhor é jornalista, podia estar lá dentro. Fala com o Pedro Otávio – me sugere uma das senhoras. Vale explicar que o “dentro” se refere à parte de mesas e cadeiras, perto do palco, reservada à alguns clientes e convidados e que Pedro Otávio é um dos sócios da loja. Declino à idéia.
- Jornalista de qual jornal?
- Escrevo em um site, na internet. – simplifico.
- Ah...
E então? E a entrevista?
- Ah, moço, sabe o que que (sic) é? Eu não quero não, porque nós estamos sempre aqui, conhecemos as pessoas da loja. Temos até amigos. Não fica bem falar mal. As pessoas podem não gostar. – disse uma das senhoras, mas já respondendo pelas duas. Poucos segundos depois, ela mesma explica para uma outra senhora qual é a minha profissão e insiste em dizer (agora não mais pra mim) que eu deveria estar lá “dentro”. Esta outra, por sua vez, ouve e devolve: “E por que não ele está lá?”. A resposta é precisa.
- Porque ele é da internet.
(??????????)
Hmm... Bem, não tinha sido essa a justificativa que eu dera para ela anteriormente. Talvez ela não tenha ouvido. Ou talvez jornalista seja quem escreve em jornal. Ou talvez eu seja de uma classe inferior de jornalistas que não merecesse estar lá "dentro", já que eu não escrevo para jornal.
Independente da classe a que pertenço, ainda assim milhares de perguntas permeiam minha cabeça. Penso em falar com Pedro Otávio, mas antes quero ouvir melhor as críticas ao meu redor para fazer perguntas mais concretas. Organizo-as em minha mente. “Da próxima vez que ele passar, eu o chamo” - pensei.
Ivan Lins desce as escadas. Não dá mais tempo de falar com o Pedro Otávio.
Segundo Ato
O atraso de uma hora no horário previsto já me faz antever que não estarei lá na última música. Aniversário de família é algo que, socialmente, não se deve usar o trabalho como desculpas para faltar. E eu até concordo com isso.
O mais recente disco de Ivan Lins, “Acariocando” tem no Rio de Janeiro sua principal temática. O músico será uma das atrações do próximo Tim Festival. Ele, que viveu seu auge de popularidade nas década de 70 e 80, é um dos compositores brasileiros mais reconhecidos no exterior, muito admirado por pessoas do naipe de Quincy Jones. No Brasil, alguns o acham démodé. Azar o desses. As parcerias de mais de 30 anos com Vítor Martins (um dos maiores letristas do país) já seriam suficientes para reservar seu lugar de honra na nossa música popular. Além do que, ele era casado com a Lucinha Lins quando eu era menininho e, só por isso, eu já o admiro (e invejo) desde os meus tenros quatro anos.
[[Lucinha Lins era a mulher mais bonita do mundo para quem tinha quatro anos em 1986. Ainda mais em Roque Santeiro.]]
Pude conferir as dez primeiras músicas. Ou os primeiros 45 minutos, como queiram. O show deve ser diferente do que vai ser apresentado no Tim Festival, onde Ivan Lins fará um tributo ao produtor Paulinho Albuquerque, falecido em junho, que o acompanhava desde 1978.
A tônica da apresentação de ontem foi uma ode ao Rio de Janeiro, resistente às evidências do momento. É difícil saber até que ponto esse tipo de discurso ainda é uma forma de resistência artística ou um reflexo da atitude blasé do carioca de se confortar na beleza natural da cidade para não enxergar a draga social onde a cidade está há anos. De qualquer jeito, essa reafirmação do ‘ser carioca’ não é à toa e, certamente, vem permeada e permeando essa discussão. O compositor também optou por um ritmo de suíngue lento nas músicas, próximo à bossa nova de Menescal e Lyra, não tanto à de João, Vinícius e Tom. Isso é curioso, já que, recentemente, “Madalena”, sucesso na voz de Elis Regina, voltou a ser sucesso e invadir às pistas de dança num andamento muito mais acelerado e cheio de marcações de drum’n bass.
Para falar do Rio de Janeiro, Ivan Lins recorreu a alguns standarts no começo, como “Aquele abraço” e “Samba do Avião”. Ter aberto o show com “Acariocando”, a faixa título de seu novo disco, dele e do gênio Aldir Blanc, também não foi surpresa, mas foi importante pelo aspecto do discurso. Depois destas músicas mais gerais sobre a cidade, o compositor se valeu de alguns personagens para falar de quem vive por aqui. Enumerou três mulheres tipicamente engendradas no inconsciente coletivo musical carioca: “Dandara”, parceria dele com João Bosco, “Dinorah, Dinorah” (sucesso cantado por todo o público), e a recente “Renata Maria”, dele e de Chico Buarque. Nesta última, o que chamou atenção foi a falta do coro que uma música de Chico faz pressupor. “Renata Maria” ainda não caiu na boca do povo. Ivan Lins aproveitou também para fazer reverência a outros parceiros, já que ele acaba de vir de um trabalho, a turnê “Abre alas”, em que homenageou sua história com Vítor Martins. Além dos já citados, ele desfilou Abel Silva (“Passarela do mar”), e Lenine (com a ótima “Se acontecer”). Devem ter rolado outras, como “Lar, doce lar”, a parceria com Dona Ivone Lara, mas eu não estava mais lá pra ver.
Saí de lá para o tal aniversário. Fiquei curioso para saber como vai ser a apresentação dele no Tim Festival. Acho que, por se tratar de um tributo a Paulinho Albuquerque, vai acabar sendo um tributo ao próprio Ivan Lins. Provalvemente, um grande best of. E, em se tratando de Ivan Lins, isso é animador.
Terceiro ato
Para não faltar com a informação, liguei para Pedro Otávio, da Modern Sound hoje de manhã. Falamos sobre a programação da casa – quase sempre interessante, ainda que, na maioria das vezes, seja em parceria com grandes gravadoras – e sobre alguns dos problemas. Relatei a ele as queixas que ouvi e com as quais concordo. A seu jeito, ele soube explicar suas razões.
Disse que, como os shows são de graça, precisa trabalhar com reservas antecipadas e limite de horário. Explicou que qualquer um pode reservar sua mesa, desde que se respeite a lotação e se chegue até às 19hs. Disse-me ainda que as apresentações sempre começam às 20hs, que isso já é sabido do público que freqüenta a casa. Perguntei, então, porque não anunciar o show para a hora correta. “Infelizmente existe uma cultura, no Rio de Janeiro, de se chegar atrasado. Imagina se eu marco às 20hs? Eu não vou ter tempo nenhum de organizar essa chegada do público”. Ele também falou que o consumo do bar é a única receita da loja nessas noites de shows.
Pedro Otávio explicou ainda que, quando as pessoas com reserva não chegam até às 19hs, essas caem e abrem espaço para outras pessoas, que esperam na fila da calçada, entrarem. Questionei se não seria responsabilidade dos produtores reeducar o público em relação ao horário dos shows, pois se começassem os eventos na hora, rapidamente as pessoas mudariam suas posturas, ainda mais sendo de graça. Ele respondeu: “Eu acho que se estão reclamando, estão reclamando demais. Estão procurando coisa pra reclamar. Ver um show do Ivan Lins, nesse horário, de graça, com ar-condicionado, podendo beber alguma coisa... Essa é a única forma que eu tenho de organizar todo mundo, com o sistema de reservas até às 19hs”.
A lotação máxima, segundo ele, não passa de 450 pessoas. “Quando dá esse enumero, eu fecho. Não entra mais ninguém”. De fato, ninguém passou aperto e o ar-condicionado segurou bem com aquela lotação de ontem. Além disso, os últimos a chegar e que ficaram mal posicionados, ainda podiam escutar alguns cds naquelas máquinas de parede enquanto esperavam o atraso da apresentação.
Deslizes como aquela senhora do alto de seus (aparente) 80 anos, apoiada num balcão de cds, sem ter onde sentar, só porque não foi uma das primeiras a chegar, deveriam ter sido evitados. O horário é uma questão séria. Justificar com o fato de ser de graça pode ser inevitável, não é correto. Dizer que a casa precisa que o público, que não paga ingresso, consuma, também não. Até mesmo porque, em eventos como esse, há um grande retorno de mídia para a loja, como o próprio Pedro Otávio admitiu.
É muito bom que exista espaços como a Modern Sound desempenhando esse papel numa cidade como o Rio de Janeiro. A noite foi bem agradável, como sempre é quando se vai lá. Achar um ponto mais claro para exercitar esse respeito ao público e ser financeiramente viável é uma questão maior, que foge à atitude de um ou outro produtor. Mas, é de certo, que cabe a alguém começar esse novo tempo, apesar dos perigos.
******************
Meu lugar era muito distante do palco e, por isso, as fotos não saíram num padrão aceitável. Vou tentar recuperar alguma coisa aqui. Se der, eu coloco mais tarde. Se não, eu tiro essas três últimas frases do post.
De graça, dizem, até injeção na testa. Ontem, rolou Ivan Lins, na Modern Sound. Às 19hs, horário marcado para o show, muita fila ainda do lado de fora da loja/casa-de-pequenos-shows, em Copacabana. No fim da fila, onde eu estava, uma senhora, duns 60 anos, se assustava com aquela quantidade de gente e desistia. “Eu vejo Ivan Lins toda semana”, dizia ela. Talvez seja tia dele.. Mais alguns minutos e eu já não era o último. Outra senhora resolvera encarar uma fila já maior, com a minha presença. Fiquei prensado entre ela e o senhor grisalho, que estava à minha frente e a reconheceu:
- Você é amiga da Maria dos Anjos, não é?
- Sou sim - disse ela.
- Ela tá aí?
- Não, ela não veio hoje não.
- Ah, que pena! Eu só vim por causa dela. Você diz pra ela que eu só vim por causa dela e que ela não apareceu. – disse, sem se identificar. Como aquela senhora daria o recado, eu não sei.
O senhor ainda reclamou um pouco. Quando a chuva começou, foi ele quem organizou a fila para que as pessoas saíssem da calçada e fossem para a galeria. Não queria se molhar. Continuou o seu monólogo. Não sei se comigo, não sei se com a senhora amiga da Maria dos Anjos, atrás de mim.
- Hoje tá um tempo perfeito pra se tomar um vinho. Várias vezes eu venho aqui e nem entro. Vou pra lá – e apontou, do outro lado da rua, a loja Lidador, com sua adega. – Pago R$15,00 na garrafa e tomo um vinho maravilhoso. Aí dentro, é R$8,00 uma taça. E eu não gosto do Ivan Lins.
O monólogo continuou. Eu, que não estava afim de interação, só ouvia. Além do que, nem sabia se aquilo era comigo, com a senhora amiga da Maria dos Anjos ou talvez com Deus. Queixas para Deus podem ser eficientes. Afinal, se ele resolver te ajudar, você tá bem. O senhor olhava a fila e não acreditava que fosse entrar. Reafirmou algumas vezes que não queria. Mas quando se viu, estava lá dentro. E agora? Ele não gostava do Ivan Lins, não havia mais cadeira para se sentar, não podia nem consumir o seu vinho (devido a tal lotação) e estava sem a Maria dos Anjos. A noite dele foi um mistério pra mim.
Eram 19h38 quando entramos. Ele, a amiga da Maria dos Anjos e eu. O show marcado para 38 minutos antes ainda não tinha começado. Ainda tardaria mais 23. Nesse meio-tempo, às 19h55, perguntei a um dos seguranças, que organizava a parte interna da loja em áreas que privilegiavam os que tinham chegado mais cedo, se aquele atraso era normal. Ele disse que sim, sem me olhar muito. A minha pergunta foi a senha para que uma chuva de reclamações começasse ao meu lado. A primeira veio de uma velhinha que já passava, mole mole, dos 80 anos. A menos de um metro e meio do chão, seus olhos tentavam mirar o palco, atrás das costas de linho preto daquele segurança. “É sempre assim, mas hoje tá demais. Não vou poder nem ficar até o fim. Não sei pra que que (sic) marcam às sete, se nunca começa”.
[[Será que ela leu o meu texto de terça-feira passada, conhece minha cara e tá querendo me cativar? Larga de ser pretensioso, Bruno]].
Enquanto a vaidade chega e sai da minha mente, outra queixa chega e fica nos ouvidos. “A gente vem aqui toda semana. E é sempre assim. Nós até conhecemos o pessoal da loja. Só porque é de graça?”. Uma terceira senhora, resignada, emenda. “É porque eles tem que abrir mais cedo para as pessoas beberem. Fazê o quê?”. Surge de algum lugar, então, uma sugestão. “Por que eles não avisam que o horário limite para a entrada é às 19hs, já que é de graça, mas que os shows começam às 20hs, ou às 20h30, sei lá?”. Revelo-me, pois, como jornalista e, antevendo este texto, pergunto se posso entrevistá-las.
- Mas se o senhor é jornalista, podia estar lá dentro. Fala com o Pedro Otávio – me sugere uma das senhoras. Vale explicar que o “dentro” se refere à parte de mesas e cadeiras, perto do palco, reservada à alguns clientes e convidados e que Pedro Otávio é um dos sócios da loja. Declino à idéia.
- Jornalista de qual jornal?
- Escrevo em um site, na internet. – simplifico.
- Ah...
E então? E a entrevista?
- Ah, moço, sabe o que que (sic) é? Eu não quero não, porque nós estamos sempre aqui, conhecemos as pessoas da loja. Temos até amigos. Não fica bem falar mal. As pessoas podem não gostar. – disse uma das senhoras, mas já respondendo pelas duas. Poucos segundos depois, ela mesma explica para uma outra senhora qual é a minha profissão e insiste em dizer (agora não mais pra mim) que eu deveria estar lá “dentro”. Esta outra, por sua vez, ouve e devolve: “E por que não ele está lá?”. A resposta é precisa.
- Porque ele é da internet.
(??????????)
Hmm... Bem, não tinha sido essa a justificativa que eu dera para ela anteriormente. Talvez ela não tenha ouvido. Ou talvez jornalista seja quem escreve em jornal. Ou talvez eu seja de uma classe inferior de jornalistas que não merecesse estar lá "dentro", já que eu não escrevo para jornal.
Independente da classe a que pertenço, ainda assim milhares de perguntas permeiam minha cabeça. Penso em falar com Pedro Otávio, mas antes quero ouvir melhor as críticas ao meu redor para fazer perguntas mais concretas. Organizo-as em minha mente. “Da próxima vez que ele passar, eu o chamo” - pensei.
Ivan Lins desce as escadas. Não dá mais tempo de falar com o Pedro Otávio.
Segundo Ato
O atraso de uma hora no horário previsto já me faz antever que não estarei lá na última música. Aniversário de família é algo que, socialmente, não se deve usar o trabalho como desculpas para faltar. E eu até concordo com isso.
O mais recente disco de Ivan Lins, “Acariocando” tem no Rio de Janeiro sua principal temática. O músico será uma das atrações do próximo Tim Festival. Ele, que viveu seu auge de popularidade nas década de 70 e 80, é um dos compositores brasileiros mais reconhecidos no exterior, muito admirado por pessoas do naipe de Quincy Jones. No Brasil, alguns o acham démodé. Azar o desses. As parcerias de mais de 30 anos com Vítor Martins (um dos maiores letristas do país) já seriam suficientes para reservar seu lugar de honra na nossa música popular. Além do que, ele era casado com a Lucinha Lins quando eu era menininho e, só por isso, eu já o admiro (e invejo) desde os meus tenros quatro anos.
[[Lucinha Lins era a mulher mais bonita do mundo para quem tinha quatro anos em 1986. Ainda mais em Roque Santeiro.]]
Pude conferir as dez primeiras músicas. Ou os primeiros 45 minutos, como queiram. O show deve ser diferente do que vai ser apresentado no Tim Festival, onde Ivan Lins fará um tributo ao produtor Paulinho Albuquerque, falecido em junho, que o acompanhava desde 1978.
A tônica da apresentação de ontem foi uma ode ao Rio de Janeiro, resistente às evidências do momento. É difícil saber até que ponto esse tipo de discurso ainda é uma forma de resistência artística ou um reflexo da atitude blasé do carioca de se confortar na beleza natural da cidade para não enxergar a draga social onde a cidade está há anos. De qualquer jeito, essa reafirmação do ‘ser carioca’ não é à toa e, certamente, vem permeada e permeando essa discussão. O compositor também optou por um ritmo de suíngue lento nas músicas, próximo à bossa nova de Menescal e Lyra, não tanto à de João, Vinícius e Tom. Isso é curioso, já que, recentemente, “Madalena”, sucesso na voz de Elis Regina, voltou a ser sucesso e invadir às pistas de dança num andamento muito mais acelerado e cheio de marcações de drum’n bass.
Para falar do Rio de Janeiro, Ivan Lins recorreu a alguns standarts no começo, como “Aquele abraço” e “Samba do Avião”. Ter aberto o show com “Acariocando”, a faixa título de seu novo disco, dele e do gênio Aldir Blanc, também não foi surpresa, mas foi importante pelo aspecto do discurso. Depois destas músicas mais gerais sobre a cidade, o compositor se valeu de alguns personagens para falar de quem vive por aqui. Enumerou três mulheres tipicamente engendradas no inconsciente coletivo musical carioca: “Dandara”, parceria dele com João Bosco, “Dinorah, Dinorah” (sucesso cantado por todo o público), e a recente “Renata Maria”, dele e de Chico Buarque. Nesta última, o que chamou atenção foi a falta do coro que uma música de Chico faz pressupor. “Renata Maria” ainda não caiu na boca do povo. Ivan Lins aproveitou também para fazer reverência a outros parceiros, já que ele acaba de vir de um trabalho, a turnê “Abre alas”, em que homenageou sua história com Vítor Martins. Além dos já citados, ele desfilou Abel Silva (“Passarela do mar”), e Lenine (com a ótima “Se acontecer”). Devem ter rolado outras, como “Lar, doce lar”, a parceria com Dona Ivone Lara, mas eu não estava mais lá pra ver.
Saí de lá para o tal aniversário. Fiquei curioso para saber como vai ser a apresentação dele no Tim Festival. Acho que, por se tratar de um tributo a Paulinho Albuquerque, vai acabar sendo um tributo ao próprio Ivan Lins. Provalvemente, um grande best of. E, em se tratando de Ivan Lins, isso é animador.
Terceiro ato
Para não faltar com a informação, liguei para Pedro Otávio, da Modern Sound hoje de manhã. Falamos sobre a programação da casa – quase sempre interessante, ainda que, na maioria das vezes, seja em parceria com grandes gravadoras – e sobre alguns dos problemas. Relatei a ele as queixas que ouvi e com as quais concordo. A seu jeito, ele soube explicar suas razões.
Disse que, como os shows são de graça, precisa trabalhar com reservas antecipadas e limite de horário. Explicou que qualquer um pode reservar sua mesa, desde que se respeite a lotação e se chegue até às 19hs. Disse-me ainda que as apresentações sempre começam às 20hs, que isso já é sabido do público que freqüenta a casa. Perguntei, então, porque não anunciar o show para a hora correta. “Infelizmente existe uma cultura, no Rio de Janeiro, de se chegar atrasado. Imagina se eu marco às 20hs? Eu não vou ter tempo nenhum de organizar essa chegada do público”. Ele também falou que o consumo do bar é a única receita da loja nessas noites de shows.
Pedro Otávio explicou ainda que, quando as pessoas com reserva não chegam até às 19hs, essas caem e abrem espaço para outras pessoas, que esperam na fila da calçada, entrarem. Questionei se não seria responsabilidade dos produtores reeducar o público em relação ao horário dos shows, pois se começassem os eventos na hora, rapidamente as pessoas mudariam suas posturas, ainda mais sendo de graça. Ele respondeu: “Eu acho que se estão reclamando, estão reclamando demais. Estão procurando coisa pra reclamar. Ver um show do Ivan Lins, nesse horário, de graça, com ar-condicionado, podendo beber alguma coisa... Essa é a única forma que eu tenho de organizar todo mundo, com o sistema de reservas até às 19hs”.
A lotação máxima, segundo ele, não passa de 450 pessoas. “Quando dá esse enumero, eu fecho. Não entra mais ninguém”. De fato, ninguém passou aperto e o ar-condicionado segurou bem com aquela lotação de ontem. Além disso, os últimos a chegar e que ficaram mal posicionados, ainda podiam escutar alguns cds naquelas máquinas de parede enquanto esperavam o atraso da apresentação.
Deslizes como aquela senhora do alto de seus (aparente) 80 anos, apoiada num balcão de cds, sem ter onde sentar, só porque não foi uma das primeiras a chegar, deveriam ter sido evitados. O horário é uma questão séria. Justificar com o fato de ser de graça pode ser inevitável, não é correto. Dizer que a casa precisa que o público, que não paga ingresso, consuma, também não. Até mesmo porque, em eventos como esse, há um grande retorno de mídia para a loja, como o próprio Pedro Otávio admitiu.
É muito bom que exista espaços como a Modern Sound desempenhando esse papel numa cidade como o Rio de Janeiro. A noite foi bem agradável, como sempre é quando se vai lá. Achar um ponto mais claro para exercitar esse respeito ao público e ser financeiramente viável é uma questão maior, que foge à atitude de um ou outro produtor. Mas, é de certo, que cabe a alguém começar esse novo tempo, apesar dos perigos.
******************
Meu lugar era muito distante do palco e, por isso, as fotos não saíram num padrão aceitável. Vou tentar recuperar alguma coisa aqui. Se der, eu coloco mais tarde. Se não, eu tiro essas três últimas frases do post.
2 Opine:
Continuem tentando melhorar, quem sabe um dia vcs chegam lá?!?!?
Perguntinha Essencial:Lá aonde?????
Um abraço do velho amigo sempre atento
P.Vaz
A-CA-RI-O-CAN-DO??
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