Entrevista: Bacalhau, do Autoramas (3)
Um Bom Balançofoto: Marcelo Fróes
Tava pra botar a última parte da entrevista com o Bacalhau aqui desde a semana passada (as primeiras aqui e aqui), quando fiquei sabendo da troca de baixista do Autoramas. Não tinha como soltar agora as respostas sem tocar no assunto, ainda mais porque o tema desse encerramento da minha conversa com o Bacalhau foi justamente o Autoramas e o último disco deles, o Teletransporte. Pra mim, o melhor deles. Pro Bacalhau também.
Mandei um email perguntando o que tinha provocado a segunda mudança de baixista na história da banda, e o Bacalhau me respondeu lá no fim do papo. Portanto, boa leitura.
sm: O que eu queria perguntar é um lance que eu tava conversando com o Gabriel [Thomaz, do Autoramas], que vocês tavam gravando em uma rádio a A 300 km/h e como era começo de turnê, ele ficou muito concentrado ali pra execução, e tal. Começou a tocar, foi entrando no clima, na interpretação, aí no meio da virada de bateria ele ouve um: wuuuul! Aí, eu lembro que eu achei maneiro, ele comentando assim: Bacalhau é isso, pura emoção. Disse que se arrepiou, não sei que. Então, vou fazer a pergunta difícil. Como você se define como baterista?
Bc: Cara, sei lá. Primeiro, eu me divirto pra caramba tocando batera. E, sei lá. Tem muito baterista em que eu me amarro. E eu tento fazer um mix deles no Autoramas. Pra mim, o melhor de todos é o Ringo. Eu pego o Ringo, pego o Bill Ward [Black Sabbath], Ian Paice [Deep Purple], quem mais? É... Charlie Watts [Rolling Stones], Al Jackson Jr [da Stax]. É uma mistura meio rock, rhythm and blues e soul, que é um universo que eu me amarro muito, e tento fazer isso dançante, jogar pra sonoridade do Autoramas. Pra frente, às vezes um pouco esporrenta.
No Teletransporte, eu tentei gravar o disco todo com metrônomo. E consegui. Aí tu vai perguntar: mas não saía [do tempo]? Cara, saí. Mas tinha o seguinte, quando eu saía, os caras desligavam o metrônomo e eu ia até o final. Fiz isso e fiz até cinco takes, sabe? De repente um já dava, mas...
sm: Mas você falou do Teletransporte: em outras vezes você não usou o clique?
Bc: Pô, não. Foi o primeiro que eu me forcei a fazer porque o Berna e o Kassin me falaram: não, vamos fazer, e eu falei claro, vamos fazer. E uma coisa é você pegar uma batida, tirar, treinar, para fazer um estudo. Isso todo mundo faz. Eu sou auto-didata, eu fui ter aula muito depois. E me ajudou muito, em várias coisas, até pra quebrar preconceito com várias coisas. Mas eu tenho uma veia rock que é muito mais pulsante, até porque é o meu lance, entendeu? Sabe tocar samba? Olha, eu sei, mas tem caras melhores do que eu tocando samba, tocando jazz. Eu to aqui é pra tocar meu rock, fazer minha parada, esse surf-new age, robótica, japonesa, que até vejo umas relações Gang 90, com Devo, com Ultraje, com Paralamas. Não é nem de ser parecido, mas de gostar de coisas parecidas. Eu gosto de Titãs, de Ira... Afinidade, era essa a palavra que eu tava procurando, é afinidade que a gente tem com o Paralamas, Ultraje, Gang 90.
sm: O Teletransporte é o disco em que vocês deram mais atenção à produção?
Bc: É.
sm: É o disco que você mais gosta também?
Bc: É, com certeza. As músicas ficaram demais. Ficou com um bom balanço. Isso tudo que eu te falei das nossas influências de Jovem Guarda, de tudo que falam da gente, que eu acho que dá pra definir como rock pra dançar, eu acho essa a melhor definição, o melhor termo...
Por exemplo, os timbres de guitarra são bons pra caramba. É um disco mais trabalhado, feito com mais cuidado. Na guitarra, na bateria, no baixo, nas vozes, em tudo. Eu gostei pra caramba do que eu gravei, gostei de poder ir até lá e acompanhar os compressores que foram usados com o Daniel [Carvalho]. Pô, não posso botar muito aqui, porque vai ficar com pressão demais. Pô, mas eu quero uma batera quase de Led Zeppelin, entendeu? É a que tem em Surtei, entendeu? Ali eu demonstro que, sabe?, é um Led Zeppelin meio pra trás com uma doideira de compressão, com umas viradas, então... Eu me esforcei ali pra fazer um negócio baterístico. Eu nem sou muito de virar, apesar de gostar pra caramba do John Bonham, do Buddy Ritchie [baterista de jazz], e tal. Mas eu não tenho isso de pra-tundum, pra-tundundum. É legal, tem gente que faz super bem, mas pra o que eu faço não tem... Se eu fosse fazer um workshop, por exemplo, ou alguma coisa nesse nível, eu teria que estudar pra mostrar.
Eu sou um batera mais voltado pra música, como o Ringo, o Charlie Watts, o Bill Ward, e o próprio John Bonham, que botava um funk num rock, um reggae num rock. Tem que ouvir esses caras, e eu ouvi muito esses discos do Black Sabbath, do Led Zeppelin. É como se eu ouvisse os discos e ouvisse só a bateria. Aí, só depois, vou ouvir só a guitarra, só o baixo.
sm: Nesse disco do Autoramas, teve uma liberdade de brincar no estúdio, de errar e acertar?
Bc: Cara, eu fiquei tranqüilo porque a parte de batera, lá com o Daniel... Fiquei bem contente, montei uma bateria frankensteinzinho, com bumbo de 22’, tom de 12’ e um surdo de 18’, e prato de 22’, de 14’ e de 18’. A caixa era 14’ por 6,5’. Os microfones foram uns RCA, que nem os do Elvis. Era muito usado pra gravar voz, e a gente pegou pra ter uma sonoridade meio vintage...
sm: Mas fala do dia-a-dia de gravação, o trabalho com o Berna, com o Daniel, ele é como? É muito conversado, é como?
Bc: Cara, a gente é muito rápido, assim. É muito rápido. A gente já vai pro estúdio com o disco todo ensaiado, todo pronto. Chegou com todos os arranjos prontos. O Kassin foi no estúdio, ouviu, e falou: cara, eu não sei porque vocês me chamaram pra ver o ensaio porque tá tudo pronto! Rerrerrê. Os arranjos estavam em cimasso. Você só, lá na hora, quando grava, muda ou acrescenta uma ou outra coisa. No nosso caso, foi mais acrescentar mesmo. Foram os teclados, e coisas. As partes eletrônicas...
Porque o arranjo é que é o problema, né cara? O arranjo é que é foda.
sm: E esse é o primeiro disco sem a Simone, né?
Bc: É... Porque o Nada Pode Parar... é um disco que durou três anos. Foi bom pra caramba, é até um recorde um disco durar tanto tempo. Mas pra uma banda como a gente, é um intervalo que eu acho até bom. Hoje em dia é normal o disco durar mais pra pegar. As pessoas tão sem tempo...
Mas muitas das músicas que estão no Teletransporte, a gente já tava ensaiando com a Simone. Então a gente passou pra Selma e tem três anos que já tá assim. Ela tinha uma banda chamada Jerks, de São José dos Campos, e a gente tinha tocado com eles várias vezes. E lembrou dela, e convidou.
A gente ficou pouco tempo sem baixista. Até porque teve que ser rápido, porque tinha que fazer uma turnê no Chile. E a gente deu sorte porque ela topou na hora.
A Simone tinha filho, e tinha feito outros trabalhos paralelos, tinha se formado, feito Jornalismo. E a gente conversava, ela dizia que queria voltar a estudar, e eu sempre dei muita força. Olha, eu te dou apoio, adoro você aqui, mas se quiser sair, sai. Só avisa, pra gente se preparar. E ela foi lá fazer um mestrado.
Mas já tinha tido, antes, uma turnê pro nordeste que eu e Gabriel fizemos sem a Simone. Foram oito shows que a gente teve que fazer só eu e ele. Já tava tudo pronto, né? O avô do filho dela, o ex-sogro dela tava mal, entre a vida e a morte, e ela quis ficar com o menino. Normal, acontece. Mas aí a gente teve que resolver. Foi o Gabriel tocando nos shows, só. Sem baixo. A gente ligou a guitarra no amp de baixo, fez uma doideira, e rolou.
Depois, a gente fez o clipe de Você Sabe, e ela ligou dizendo que não tava a fim de fazer a turnê, tava a fim de sair da banda, seguir com os estudos, fazer o mestrado. Na verdade, ela falou com o Gabriel, né? Aí, ele veio pra mim: ela saiu da banda. E eu: puts... E agora? E agora? Vamos ter que catar alguém, né? Vou desligar, então... Não desliga, não. Vai pensando em alguém e a gente vai falando. Então, tá. Então, tá. Pensei, pensei, e falei: Gabriel... Ã... Que tal, se lembra do Jerks? Jerks...? É, aquela banda de São José dos Campos... Sei, sei, sei. Lembra da baixista? A, sim, um baixo assim, assado. Aaaa. Então, consegue lá o telefone? Aí foi assim, ligamos pro Toninho, que era do Hocus Pocus, o lugar em que a gente tocava lá, e ele tinha o telefone. Foi o Gabriel que convidou a Selma, nesse mesmo dia. Acho que a Simone falou em um dia, e no outro, à noite, a Selma tava com a gente.
As duas têm gostos parecidos, ouvem coisas semelhantes, mas cada uma tem um jeito de tocar. A Selma toca muito bem, e a Simone também é uma ótima baixista. As duas cantam bem, são legais, isso que é importante. E a gente deu sorte de a Selma ser fã da banda, já conhecia as músicas. É uma outra voz feminina, que deu certo.*
Bate a fita... Vamos para a segunda.
Bc: Tem uma coisa que eu acho ótima que é a gente sempre ter músicas instrumentais. Tem a Guitarrada, e tem a Pan Air do Brasil. Então, quer dizer, a gente agora tá de um jeito que já dá pra lançar até um disco só de instrumental. Já dá pra ter. E tem que eu queria um dia fazer um disco só de cover, também. A gente já fez dois, né? Let Me Sing [Raul Seixas] e Renato Russo [gravaram Tédio para o dvd Renato Russo, Uma Celebração], que já tão gravadas. E agora também a gente participou de um festival... de um festival, não. De um projeto no Sesc Pompéia [em São Paulo] chamado A Era Iluminada, em alusão à era dos festivais. E a gente tocou quatro músicas. Uma, a gente já tinha tocado, que é Let Me Sing. [interrompe para atender telefone...]
s: Você tava falando da Era Iluminada dos festivais.
Bc: Isso, a gente tocou Let Me Sing, Perdidos na Selva, Alegria Alegria e Divino Maravilhoso.
s: E gravou isso?
Bc: Gravamos. Tá gravado, deve até passar no Sesc TV.
s: E o Lafayette, vamos falar de Lafayette.
Bc: O Lafa, o Lafa é demais cara. Eu que botei pilha no Gabriel. Por mais de cinco anos, botei pilha para chamar o Lafa para gravar, gravar, gravar.
s: Mas eu digo os shows mesmo, do Lafayette com os Tremendões... É uma volta à Jovem Guarda lá do colégio, né?
Bc: Exatamente, nunca tinha pensado assim. Pô, mas agora é legitimado pelo cara, né? A gente tem um cara que é importante pro Erasmo, pro Roberto, pra Renato e seus Blue Caps, Leno e Lílian, tudo... O Lafa a gente conheceu, foi eu, o Gabriel e a Érika, em São Gonçalo. Eu e o Gabriel levamos discos para o Lafa autografar, pegamos o telefone e ligamos marcando um ensaio. Aí a banda já tinha ensaiado para ele chegar e... causar uma boa impressão, né? E o mais engraçado é que hoje em dia tem uma galera que convida o Lafayette pra tocar e ele... não vai, cara. Só toca com o Tremendões. E tem a parada dele, Lafayette e seu Conjunto. Mas quando tem essa coisa de participação assim, ele só toca com o Tremendões. Tem o compacto, que saiu, e ele tá gravando um disco. Tá quase pronto.
A nova baixista, Flávia Couri, já tocou com China, Sugarstar, Elepê, Doidivanas e Lingerie Underground e até estreou no Autoramas. Sobre o assunto, O Bacalhau falou o seguinte:
*Selma não está mais tocando conosco, foi uma decisão dela que foi acatada por nós. Aqui está o que ela disse:
"Realmente não foi fácil tomar essa decisão, mas a iniciativa de sair da banda foi minha. Não foi uma decisão deliberada com o objetivo de prejudicar a banda e vcs fãs. Ao longo desses três anos tive experiências maravilhosas, mas foram anos em que tive que abdicar de meus projetos pessoais. Acredito que estar num projeto em que uma parte de vc não está feliz é ser desonesto com a banda e com os fãs..."
Como tinhamos que gravar uma música para um tributo aos Beatles,lembramos da Flávia e chamamos ela para gravar. A gravação ficou muito boa, só falta mixar. Nada pode parar os Autoramas.
Quando a Selma falou que iria sair da banda e conseqüentemente não poderia fazer a gravação, o Gabriel lembrou-se da Flávia que toca baixo e canta, já tocou com várias bandas e artistas e achamos uma boa escolha para se juntar ao Autoramas. E agora, é continuar trabalhando por aqui e pelo mundo.
É continuar trabalhando por aqui e pelo mundo. Boa sorte.
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