Entrevista: Renato Martins, do Canastra
Um nome seminal para o rock cariocaO Canastra está na semifinal do Oi Tem Peixe na Rede. O Acabou la Tequila acabou de abrir para a atração principal (Weezer) de um dos festivais mais importantes do país (Curitiba Rock Festival).
Renato Martins, vocalista e compositor de uma e de outra banda, pacientemente respondeu a algumas perguntas por e-mail, e até gostou de não ter que explicar a origem do nome Acabou la Tequila. Se essa era a tua maior curiosidade, fica pra próxima, não perguntei.
Em dado momento, cutucou o parceiro Nervoso, de quem – no campo das idéias – rouba e é roubado. Uma coisa legal, essa de citar como referência alguém próximo e amigo. Bem melhor do que quem faz música só e exclusivamente pensando em gente-unanimidade, como Chico Buarque, Noel Rosa, Mutantes, ou sei lá. Todos muito bons e importantes, mas igualmente óbvios quando um artista está se apresentando, ou se definindo até. Levantar bandeiras não parece uma opção. “Música é sete notas e só” diz Renato.
Como podia-se esperar, sobra uma espetada no repórter (eu!?): “os jornalistas é que precisam de novidades o tempo todo, não gostam disso [a música ser essencialmente repetitiva]”.
No que eu puder discordar, uma coisa é repetir clichê, outra é se valer deles para brincar, subverter. O jazz é feito de tema e improviso, e quem gosta de dixieland sabe que o formato é que permite a liberdade do solo. (Estou lendo Salman Rushdie, que diz muito bem que liberdade não é paz, é guerra.) O Canastra e o Acabou la Tequila debocham sim da repetição dos sons da moda. Hehe.
Ainda bem-humorado, Renatinho comenta o show do Tequila em Curitiba, quando entraram me parecendo nervosos: “A galera não tava tensa, estava é de saco cheio mesmo. (...) O Kassin parecia menos tenso... bom, o Kassin foi de avião.” Hehe, de novo.
Sobre o Tequila, ainda uma observação: “nós aprendemos a fazer música juntos, embora só eu admita isso publicamente”.
E só para saber, o Canastra toca aqui no Rio na próxima quinta, no Circo Voador – ao lado de Jumbo Elektro, Irreversíveis e Hapax.
sobremusica: Pra mim, o mais legal do show do Canastra é a impressão de que o que está ali no palco é muito próximo a você. Já escrevi isso inclusive aqui no site. A impressão, e é um elogio, é que tá rolando um show da galera da rua no play do prédio. Você gosta mais de compor, de trabalhar em estúdio sobre arranjos, ou de tocar ao vivo?
Renato Martins: Eu me sinto mais compositor. É o terreno mais tranquilo pra mim. Mas, hoje em dia, tanto no Canastra quanto nos Tremendões [banda que acompanha o tecladista Lafayette com repertório de Jovem Guarda], o show é a maior curtição. E isso é bom! Porque, num show, 70% da informação que você recebe é visual. O áudio, num show, não é como ouvir em casa um cd. No show é importante a noção de espetáculo. E isso o Canastra tem. O show é cheio de truques e marcações.
s: Outra sensação, vendo o show do Canastra (que eu já tinha com o AlT) é que as músicas de vocês têm muito de influência de cinema e tv. Isso fora o evidente clima de Velho Oeste aqui e ali. Me faz lembrar de uma coisa que li sobre o Tarantino, na época do lançamento de Kill Bill, que dizia que o filme não se passava num mundo fantástico ou real, mas num mundo ‘tarantiniano’. Existe um mundo canastriano? E existiu um mundo tequilano?
RM: Todo artista monta esse universo temático, consciente ou inconscientemente. No caso do Tequila, o que eu acho legal é que esse universo reflete algumas característica da nossa cultura atual, que é fragmentada e multifacetada. Ou seja, um pouquinho de tudo. Tudo mesmo, não só do universo artístico. Já no Canastra, isso acontece de forma mais direcionada. O objetivo no Canastra é remeter o espectador a um universo bem específico. É uma tarefa mais difícil, mas estamos indo bem.
s: O rock, desde os anos 90, com Raimundos e o mangue bit, voltou a querer ter dna regional, como tentaram os Mutantes, a Tropicália, Jorge Ben, etc. E, com os Los Hermanos em destaque, o samba voltou a ser um pouco bandeira pra um rock brasileiro, ou no mínimo, carioca. Você concorda?
RM: Não. A minha visão de música é outra. São sete notas e só. A música é essencialmente repetitiva, formada por uma sucessão de clichês. Não dá pra inventar muito o tempo todo. Os jornalistas é que precisam de novidade o tempo todo, não gostam disso [de música ser clichê]. Mas pra mim é assim. O que existe é um espaço de 20 ou 30% em que a música, generosamente, nos permite inserir nossas digitais. Isto é, a sua pegada, seu jeito de ser, ali impresso na música. Se você consegue fazer isso, passa a ser um artista interessante. Mas por trás de todos os rótulos e tendências, os meus olhos enxergam sempre as mesmas sete notas. Quanto a levantar bandeira, é complicado. Se for pra levantar alguma, prefiro levantar a do meu Mengão (mesmo caindo pra segunda).
s: É diferente tocar em uma banda como o Tequila, de amigos do colégio, e em uma banda como o Canastra, de bons músicos escolhidos sem uma forte história anterior à banda?
RM: Hoje em dia é igual por que a convivência fez todo mundo ficar amigo. Sou tão amigo dos canastras quanto dos Tequilas. O Canastra já tem sua história e a convivência é mais harmônica. Temos objetivos e funções distribuídas na banda (não de forma rigorosa). Já no Tequila é tudo caótico. Não temos nada, só a nossa amizade.
s: Li em alguma entrevista tua, que obviamente não encontrei mais, que o Tequila tinha um problema de criação: cinco compositores disputando criatividade e idéias no repertório. Se olharmos hoje os rumos tomados, o Kassin tem um projeto em que cada um dos três membros lança o próprio disco (o +2), você foi liderar o Canastra, o Nervoso foi pra carreira solo e Donida é o compositor do Matanza. O Léo Monteiro tá na Orquestra Imperial. Quer dizer, essa ânsia fez algum sentido, né? Mesmo assim, há paralelos entre os rumos que cada um tomou. Por exemplo, eu acho muito engraçado, e legal, a música ‘O Mala’ do Nervoso. Parece uma leitura dele do tema da tua ‘Péla-saco’, não?
RM: O Nervoso sempre rouba as minhas idéias!! Eu acho ‘O Mala’ mais parecida com uma música do Canastra chamada ‘Nuvem negra’. Aliás, várias frases dessa música eu roubei do Nervoso. Quando a gente ia lançar o cd, eu perguntei pra ele se ele queria parceria na canção. Ele, gentilmente, disse que não. Enfim, eu consigo ver semelhanças em todos esses trabalhos. Por que nós aprendemos a fazer música juntos, embora só eu admita isso publicamente.
s: O Canastra tem participado de coletâneas bacanas, como a trilha de ‘A Pessoa É Para o que Nasce’ e a de comemoração da Loud, que ainda vai ser lançada. Como compositor, o que muda ao escrever música para um álbum próprio ou para um projeto “encomendado”?
RM: Pra mim é um desafio muito foda. Uma coisa é uma musica dentro de um álbum só seu. A parada ressoa com um todo. Numa coletânea é diferente, é tipo programa eleitoral do Enéas. Você dá o recado e passa a bola. Outra coisa é uma música pra uma trilha de uma filme, onde você não é o centro das atenções. Justamente por isso, tem que medir mais as "palavras". E tem ainda o lance de fazer música pra um outro artista. Tipo música pro Autoramas, pra Érica (ex-Penélope) ou a Nina Becker(Orquestra Imperial), que são artistas que eu curto e que me pediram música. Mas eles já têm uma personalidade formada, eu é que tive que me adaptar.
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