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Bernardo Mortimer
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Bruno Maia
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25.11.05

Entrevista: Nervoso (2)

Nada no Mundo Capaz de Me Abalar

      A conversa, feita no intervalo de uma apresentação dos Tremendões, em praça aberta no Centro do Rio, acabou sendo longa, e precisando ir ao ar em duas partes. Tão longa que a fita do gravador bateu, e trechos foram perdidos e reconstituídos por memória e telefone, em um processo que se perdeu um pouco da espontaneidade da primeira vez em que se conta uma história, ganhou em revisões e detalhes da segunda vez em que é relatada.
      A resposta sobre a informação como matéria para experiências que viram som encaminha para uma reflexão sobre um momento de decisão, de virada, quando o tal muro de que já tinha falado é finalmente atravessado. Dá pra pensar que uma relação foi desmanchada, e por coincidência, Nervoso está feliz. Uma relação não necessariamente com ninguém, mas de encarar-se no mundo, com o compromisso com os sonhos e os desejos. E uma felicidade difícil, com obstáculos, e pela qual tem-se que brigar. De alguma forma, o Tony Ramos está no meio da história, mas só lendo dá pra entender.
      Por fim, a história do Acabou la Tequila, que bem podia ser o autor da ‘It´s the End of the World As We Know It’ que toca agora no meu computador. Isso, se o mundo for aquele meio maluco disputado a idéias por cinco integrantes e mais vários convidados que se conhece. E o fim, aquele que bate com um começo, no que parece não fazer sentido, mas faz sim. Pensa só na tua própria vida, ser humano, e me explica sem gaguejar.
      Mas faz isso depois de ler a entrevista.
      No dia 16 de dezembro, uma semana depois de gravar o clipe de ‘O Percurso’, Nervoso estará com a banda de Calmantes na festa de aniversário do selo midsummermadness. Ao lado, Canastra, Valv, Luísa Mandou um Beijo, Verbase e Incrível Banda de Baile do midsummermadness, no Teatro Odisséia, na Lapa do Rio de Janeiro.


s: E isso de você sempre ter sido um baterista que desce a porrada no instrumento, ter tocado em várias bandas pesadas, e de repente se lançar solo com um ep e um disco tranqüilos, que privilegiam a melodia, com sambinha e iê-iê-iê? Você ouviu muito isso, quis surpreender de propósito?
N: Ouvi milhões de vezes, de diferentes pessoas. O primeiro ep, “Personalidade”, ele abre com um sambinha do Nelson Gonçalves, que é ‘A Visita’. Ninguém entende nada, porque olha pro meu visual (mostra as tatuagens no braço e no pescoço) e imaginam o meu universo com um som mais pesado. E eu já tive banda de baile punk, que foi o Seven Seven Idols, uma homenagem às bandas européias que eu adoro, do fim dos anos 70. Aí ficou isso, mas o meu universo musical ele foi se enriquecendo desde quando eu tinha dez anos de idade, que eu ouvia rock’n’roll. Eu morava em Jacarepaguá, eu ouvi muito rock progressivo, muito som eletrônico também nos anos 80, tinha um programa do José Roberto Mahr (na primeira fase da Rádio Fluminense, de Niterói). O Roberto Carlos eu ouvi dos tempos de criança, tinha os especiais de Natal do Roberto Carlos, eu era louco e tinha os discos do Roberto. Mas quando você é criança e tá formando o universo, você se limita a um só. Então, dos onze aos doze, eu ouvi heavy metal, Iron Maiden, Metallica. Aí depois do Rock in Rio, eu comecei a implicar. Ficou muito acessível, e eu comecei a ir pro progressivo: Gênesis, tenho todos os discos do Peter Gabriel até hoje, e aquelas bandas todas, Premiata [Forneria Marcone, PFM], Gentle Giant, as bandas européias loucas, de músicas de vinte minutos. Depois comecei a passar pro punk rock, e pro pós-punk, né? Siouxsie and the Banshees, Joy Division, e muito eletrônico.
Entrando pro Acabou la Tequila, em 94, com vinte-e-dois anos, pra mim foi maravilhoso, porque eu comecei a voltar prum som brasileiro.

s: E você já tinha o que? Uns cinco anos tocando em bandas?
N: É. Cara, na verdade, meu primeiro contato com banda foi molequinho mesmo. Eu conto tudo porque tudo é escola. Até pegar lata de sorvete, que eu catava na rua, em Jacarepaguá, porque lá não tinha nada pra fazer. A gente morava num loteamento e juntava a molecada no quarto, violão, caneta (como se fosse baqueta), fazia uma bateria igual à do Rush, de quem eu era fã, os tons de lata, o abajur era o prato, e ficava viajando. Usava os elementos lá e fazia apresentações, chamava mamãe, papai, titia, e olha a música que a gente fez, a Besta Maldita. Hahaha. Pra mim tudo isso é escola.
E, cara, pra mim, sempre foi tão apaixonante, que eu nunca imaginei que um dia ganharia dinheiro fazendo isso. Eu nunca tive isso perto de mim, na minha família eu sou o único cara que faz isso, que cria, que trabalha com arte, eu sou realmente o primeiro cara. Eu não conheço ninguém na família parecido, o único é um primo meu que pirou. Talvez por causa disso, de toda a pressão, sabe?

((Nervoso atende o telefone.))

s: Teve uma entrevista aqui do site com o Sergio Filho, do Gram, em que ele falava da importância dos três designers na banda, pelas idéias pras apresentações no palco ou em videoclipes. Você é jornalista, trabalha num canal a cabo de entretenimento, em que isso influencia a tua banda?
N: Eu tô sempre em contato com informação, né bicho? O que eu faço: roteiro. Antes, eu fazia roteiro prum programa de cinema, eu recebo material bruto, direto. O que vai ao ar é uma coisa, é uma edição. Eu decupo o material bruto, eu vejo tudo, qualquer coisa que o cara fala em off, história da vida, bate-papo com repórter, e o lance que eu te falei de conhecer as pessoas. Um cara que eu virei fã, e não era antes de entrar no canal, é o Tony Ramos. Ele te passa uma energia... (s: uma vez eu acompanhei uma entrevista do Tony Ramos com o Chico Pinheiro, que é mineiro. E o Tony, na época, fazia um papel de mineiro. Então eles ficaram horas forçando o sotaque, e fizeram a entrevista assim, muito engraçado...) Bom, muito bom. Eu sinto uma positividade no cara, um cara rico, que te passa coisas boas. A última entrevista que eu vi dele, foi na coletiva da nova novela da Globo, Belíssima, e a repórter do canal perguntou pra ele sobre o que é o conceito de beleza, hoje em dia. A resposta dele foi maravilhosa, sobre o que é beleza, falou em ler bons livros, se aventurar por outros mundos, “isso é que é um cidadão”. O cara brinca com as palavras, é disso que eu gosto: saber falar, se expressar, eu luto por isso também. Quero saber me expressar, isso é tudo na vida. Se você não souber você perde em várias situações. Eu já me fodi em várias situações, em que eu não soube me defender, não tive capacidade, ou até criatividade pra me defender, ficou por isso mesmo, e você se acomoda. Às vezes, você não tá com paciência, tá com muitas idéias na cabeça, e quer tocar a tua coisa pra frente, sem ficar remoendo, e diz: foda-se. Mas não é foda-se, porque o motivo pelo qual você mandou o foda-se é importante. E aí você evita a coisa a voltar a acontecer. Eu às vezes sou meio relaxado com isso. Eu sou muito apaixonado por música, pelo que eu faço...

s: Isso tem a ver com aquela decisão tua de sair detrás da bateria pra assumir um trabalho na frente de palco, né?
N: É... Como assim? Não entendi.

s: Você falou antes da tua angústia em ter músicas, mas elas não funcionavam nas bandas onde você trabalhou, porque ali sentado na bateria era difícil passar a idéia, fazer a banda comprar a tua composição. E agora você tá falando da dificuldade de comunicação, de não dizer foda-se ou ficar remoendo algo que você devia ter dito ou defendido melhor. Quer dizer, tudo tem a ver com o momento em que se toma a decisão de mudar, no teu caso, mudar de lugar no palco, é quando a briga pelas tuas idéias sai do fundo para o primeiro plano.
N: (interrompendo) Entendi, e acho que é mais ou menos. Você tá chegando num ponto que eu queria mencionar, que é eu ter ficado tanto tempo remoendo.
s: (interrompendo) Pois é, tem uma mudança de postura aí, né?
N: Cara, eu não sei. Eu sou um cara movimentado. Eu sou muito movimentado, bicho, e sou um apaixonado por bateria. Mas aquilo ali [estar ‘preso’ atrás da bateria] se tornou uma limitação, um muro, sabe? Eu comecei ali. (pausa) Calhou de ser meu primeiro instrumento, e se fosse um instrumento que possibilitasse maior expressão oral, de troca de olhares, e vocal, eu poderia ter botado as músicas mais pra frente. Como eu te falei, eu tinha uma dificuldade de passar as músicas através da bateria.
Mas eu sou apaixonado por bateria, e é complicado lidar com as duas paixões. A vida é assim, você vai sossegando. E uma coisa que eu aprendi em banda é que se você não tá se divertindo, nem tá ganhando dinheiro, sai fora. Eu cheguei ao ponto de estar tocando no Matanza pensando nas minhas músicas. Não é ir pra casa depois do ensaio e esquecer do Matanza, é no ato de tocar bateria estar com a cabeça em outra música, outro arranjo, e errar. Aí pedir desculpa, foi mau galera, e recomeçar. Chegou uma hora em que eu tive que sair, falei pro Marco André [Donida], que é um amigão, é padrinho do meu filho, que não conseguia mais ficar.

s: E foi tranqüilo?
N: Nunca é, né? Hoje já entenderam, a gente toma cerveja junto, não tem mais nada, mas ninguém entendeu quando eu falei. Porque já tinha uma coisa que funcionava junto, comigo na bateria, descendo a porrada, e ter que recomeçar, passar tudo, ia ser uma estacionada da banda. Foi aí que eu vim com o nome do Fausto. Falei, pô, tem um moleque aí que toca bem, também desce a porrada, e é ele. Ele segura a onda. E deu certo. Porque tinha vários problemas, mesmo comigo na banda. Tipo, show do Acabou, eu queria ir, e ficava uma coisa chata com o Marco, porque ele tava na banda ideal dele que sempre foi o country, mais pesado, meio Johnny Cash. Aí eu ia pro Tequila e o Matanza se virava lá com baterista.

s: E falando em Acabou la Tequila, o Renato também disse uma coisa aqui no site, que a banda é mais cultuada depois que acabou, agora, do que era antes...
N: O Tequila nunca acabou, associaram o não-lançamento do segundo disco com o fim, mas nunca rolou um comentário. Ficou tudo meio mítico, mas a história é que nunca acabou. Hoje, a banda fica seis meses sem tocar, é chamada para um show e vai sem ensaiar. Foi o que houve com o Weezer, lá em Curitiba, que a gente ensaiou uma vez, mas porque o Melvin ia tocar no lugar do Donida e precisava pegar as músicas. Se não, se bobear nem ensaiava.

s: Mas e a história do disco?
N: É, eu nem lembro bem como eu fui avisado. Acho que foi o Berna [Ceppas], que tava produzindo pra gente. Eu não era muito ligado na parte executiva, agora que eu tenho precisado mais assumir esse lado. Eu ficava mais preocupado no som, nos sucos de laranja que a gente entregava de conta todo mês pra gravadora porque não podia escrever cerveja, nos amigos que a gente chamava pra ficar brincando com os instrumentos do estúdio.
Mas a história toda é que o primeiro disco tinha sido lançado pelo selo Excelente, que tinha também o primeiro do mundo livre, do Raimundos, etc. Era onde trabalhavam o [Carlos Eduardo] Miranda e o [Brian] Butler. E acabou que eles brigaram, aí foi o Butler pra Abril e o Miranda pra uma nova que tava surgindo com dinheiro do VR [Trama], que acho que nem tinha nome ainda. E os dois nos fizeram propostas. A do Butler foi bem maior, e a gente até era mais ligado no Miranda, tava sempre do lado da gente, mas cresceu o olho. E daí a gente ficou com a Abril, pegou um estudiozão, contratou o melhor técnico de som, que já tinha trabalhado com o Roberto Carlos, Eduardo Costa, o Pingüim. Tocamos com tudo que tinha de melhor, chamamos convidados, eu só fazia isso da vida, eu lembro que ‘Solarização’ eu toquei com um [órgão] Hammond do Lafayette, antes mesmo de conhecer o cara e pensar em fazer o Tremendões. Mas o Brian saiu da gravadora no meio da gravação, e veio o João Augusto, que é pai do Rafael Ramos, hoje sócio da DeckDisc. E veio o recado de que ele queria falar com a gente.
E tinha uma história que ele já não gostava do Kassin, o show business tem muito disso, a gente não quer se envolver mas acaba não tendo como fugir. Ele chegou um dia lá no estúdio, tava eu, o Berna e o Kassin, e ele já chegou zoando a gente, botando defeito, perguntando quando ia acabar, que o disco não saía. Falou que se faltava gente na gravação era porque a banda não era unida, que então não tinha futuro. O disco foi até pra fábrica... ou não foi? Não me lembro, mas chegou a ser finalizado, aprovado e tal.
E na época o João Augusto contratou o Los Hermanos. Acho que ele tinha visto um show deles no Empório, lembra do Empório?
s: Voltou a ter show lá, sabia?
N: É, tinha show lá direto. E ele foi num show daqueles pra trinta pessoas, mas com todo cantando tudo e gostou. Por isso que eu acho que show é fundamental, é muito importante ter o público cantando, é a relação mais maravilhosa do artista com as pessoas. É ali que acontece tudo.
A gente ficou feliz de estar juntos na mesma gravadora, a gente não sabia que estrategicamente eles [Los Hermanos] podiam estar sendo contratados, talvez, para ser lançados no nosso lugar. Eles tinham essa coisa de trabalhar a melodia, de mexer com ritmo brasileiro, de botar a bateria pra dobrar o tempo e fazer quase um hardcore, que o Raimundos também tinham , só que com forró. Engraçado, nunca tinha pensado nisso, nessa característica do primeiro disco do Raimundos, que a gente também tinha. Tem a história do release que o Marcelo Camelo escreveu pra gente, de um show do Super Demo lá no Arpoador, em que a gente tocava ‘Vou Festejar’ da Beth Carvalho e ia acelerando e terminava apoteótico. O Botafogo tinha acabado de ser campeão brasileiro [1995], e eu toquei enrolado no manto. E acho que é isso.
Mas a gente [Acabou la Tequila e Los Hermanos] era super amigo e ficou feliz de estar na mesma gravadora, de ter passado pelo filtro. Eu to me lembrando agora, de uma vez que fui eu e o Alex Werner [então produtor da banda] lá pro Emoções, na Rocinha, ver um show do Reginaldo Rossi. A gente ficou um tempão tomando cerveja... No final, ele foi pro show do Metallica, queria me levar, falou que pegava meu ingresso. Mas eu não fui, ia tá muito cheio.

s: Qual dos dois cds você prefere?
N: Ah, o segundo é bem melhor, né veio? É disparado, em maturidade dos arranjos, nas composições, qualidade da gravação, é disparado o melhor.
E quem sabe a gente não grava o terceiro?

s: Não sou eu, né? Vocês é que podem saber...
N: É, a gente fica esperando o Kassin chamar a gente: ele é quem tem estúdio, o selo pra lançar... Idéia pra música não falta, cinco malucos juntos...

2 Opine:

At 23:59, Anonymous Anônimo said...

Antes de tudo, parabéns pelo site! Bem legais os temas e as abordagens.
E depiois de tudo, parabéns por essa excelente entrevista com o grande Nervoso! Sensacional!

 
At 20:23, Blogger Bruno Maia said...

Obrigado pelos elogios, PH! Volte sempre e nos ajude a divulgar esse site ainda tão "mocinho"...

 

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