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1.4.06

Eu fui Eddie

Muros precisam ser construídos para caírem


      Um livro do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, ‘Modernidade Líquida’, cita no posfácio o poeta tcheco Jan Skácel, via Milan Kundera. Para Bauman, escrever sociologia é como escrever poemas: os versos “estiveram sempre, profundamente lá”. Palavras de Skácel encontradas por Bauman em livro de Kundera. Indo adiante, já em Kundera, “escrever significa para o poeta romper a muralha atrás da qual se esconde alguma coisa que ‘sempre esteve esteve lá’”. O objetivo do sociólogo que cita o romancista que se baseou no poeta é aproximar tudo – sociologia, poesia, literatura, história e arte. Não há invenção, só descoberta. E trabalho duro, quebração de paredes.
      Um dia, acontece de um show do Eddie despertar uma certa combustão de idéias. Descobertas. Eddie, uma banda fundamental para a cena do mangue bit, mas que não estava presente na hora da explosão (entre 93 e 95), e demorou para voltar organizada e revolucionária, em ‘Original Olinda Style’. Antes, diga-se, na pré-história, era uma banda de hard core com Roger (cadê ô?) à frente. “Quando a Maré Encher” era o hit, muito antes de Nação Zumbi, e portanto mais ainda de Cássia Eller acústica.
      Feita a divisão, nascido o Bonsucesso Samba Clube e o (novo) Eddie, cada uma das metades lança uma mistura de dub, Pernambuco, punk e batucadas. E o Eddie se sai melhor. Bota lixo e miséria junto com Cabral de Mello Neto, academicismo-ganja e ácido. Nascem versos como “é assim que ela é, metade futebol, metade mulher”. “Tô sentado à beira, à beira do rio, esperando a sujeira passar” e “Pintou o céu, bonito ficou. Trabalha com amor. Com gratidão, satisfação, felicidade”. Tudo é bonito, lírico, e doce. Mas duro. Um muro desceu abaixo.
      A banda viaja, passeia, conhece a Europa. Faz fãs. Lança um segundo disco, ‘Metropolitano’. Chega a hora de voltar ao Rio, apresentar a cria. Estaria Olinda em festa, de novo? (ainda?) “As Flores e As Cores” lembra trilha de blaxpoitation. “As Lombrigas e Os Vermes” tem uma animação de carnaval, embora a miséria seja o tema. A voz é a mesma de um coroa que parece debochado mas não é. Quem vê ao vivo não liga à pessoa. Sem coroas. “Fuleragem” é um mundo livre s/a falando de política sem ter lido os mesmos livros. “Ontem Eu Sambei” é uma desconstrução do ritmo que não engata. Os barulhinhos eletrônicos, moscas inclusive, estão lá para realçar o que é tradição e o que é invenção (no fim das contas tudo é os dois, né?). Nessa onda vem o papo de maluco em frevo de “Vida Boa”, um caminho que Chico Science apontava em contraponto ao maracatu dos caranguejos da década de 90. Tem a entrada do disco, como a do ‘Olinda...’ em prenúncio a algo de outra ordem, de “Metropolitano” – a música – com o tema da pobreza e do abandono, o mesmo bom e velho corinho feminino desafinado e som de autêntico. Quem ainda duvida do poder do estúdio? E não é tudo uma grande invenção? E “Quando A Maré Encher” é o grito de um pai reivindicando pra si o sucesso de um passado pouco desfrutado: hardcore e levada dub pernambucana em cima de um notícia do jornal da semana passada.



      O gosto na boca não é dos melhores. Não há mais desafio no entendimento da mensagem. Um muro já quebrado é só um monte de resto de parede. Quando fica fácil de entender, quando acaba o mistério e a sedução, quando não há o que se estranhar... Mello Neto sumiu. O ácido virou caixa registradora. O acamicismo-ganja virou poesia de rádio fm. Há pouco valor nas ruínas.

1 Opine:

At 13:16, Anonymous Anônimo said...

Bê, você tem o cd deles chamado Sonic Mambo? achei nas Americanas.com, mas não sei se é legal.
Beijo,
Jo

 

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