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Bruno Maia
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7.9.07

La Tequila Acabou na Lapa

(enquanto eu não conseguir comprar uma máquina nova, a maioria dos textos vai continuar vindo sem foto... não tem jeito...)

Quando se diz que uma banda vai tomar conta da Lapa, no Rio de Janeiro, normalmente é porque alcançou uma repercussão muito grande com os fãs, que já são numerosos, e uma série de constatações chavões que identificam artistas com êxito comercial. Isso nunca foi o caso do Acabou La Tequila.

A banda que sempre foi a principal aposta, acabou virando a maior lenda. Na noite de quinta-feira, véspera do feriado da independência (que mote criativo para se anunciar shows de bandas independentes, hein!!), a Lapa era deles. No Circo Voador, Nervoso e os Calmantes; a 50 passos dali, no Teatro Odisséia, Canastra; mais 25 passos, Kassin +2 no Estrela da Lapa.

A idéia era assistir só ao último, mas por uma brincadeira/sugestão despretensiosa de Alex Werner, que fez o papel de empresário na apresentação do +2, resolvi aumentar o desafio. Disse ele por e-mail: “tenta se credenciar pros três e fica zanzando entre os palcos para relembrar o Roskilde”. Acho que ele não pensou que eu fosse levar a sério... Ele tocou no ponto onde não devia. Vestido de Roskilde, fui encarar a maratona que o Bernardo bem definira como “o Acabou La Tequila tomando conta da Lapa”. Bingo! Uma frase perfeita para trocadilhos no título, uma provocação sadia, três boas bandas, véspera de feriado, e uma forma, ainda que torta, de lembrar Roskilde. Já tinha todos os ganchos para uma matéria que começava a se desenhar.

O texto demorou a começar, mas agora vai... Chegando ao Estrela da Lapa, às 23h40, ainda foi tempo de ouvir Kassin cumprimentar o público com o protocolar “boa noite” que segue a primeira, quiçá a segunda, música. No Acabou La Tequila, Kassin era o guitarrista responsável pelos andamentos esquisitos. Depois que a alcunha ‘produtor’ começou a vir antes da de ‘guitarrista’, na maioria das vezes se viu o rapaz ostentando um baixo, como no +2. Ainda não assistira uma apresentação da fase “Kassin” do trio e continuei sem ver. Se no início talvez soasse torto demais aos ouvidos do público uma banda com o nome +2, hoje em dia eles poderiam optar por se identificarem apenas assim, sem o nome de ninguém na frente. Já há repertório para isso e, a me pautar pela apresentação de ontem, é mais coerente com o que se vê e ouve. Músicas dos três discos, alternadas, sem ninguém na posição central do palco e uma assinatura que se consolida justamente pela terceira etapa deste projeto. Nas poucas audições que tive das músicas de Kassin, me parece claro que elas são uma liga entre as do disco de Moreno e o de Domenico. Talvez isto seja uma conseqüência inevitável dos cinco anos que separam os três álbuns. Ou talvez seja só uma constatação subjetiva mesma.

Marcos Valle participou do show. A presença dele ali me bateu de forma curiosa. Pareceu-me que Valle é realmente a grande síntese de uma turma que inclui os +2, os Los Hermanos e o resto da turma que grava no Monoaural (estúdio de Berna Ceppas e Kassin). Ao longo dos anos isso foi ficando mais claro e se cristalizou para mim ontem. É na obra de Valle que há mais intercessões entre o que essa galera veio construindo como identidade sonora. Há algum tempo, eles vêm se aproximando e, mês passado, o trio participou da temporada que o músico fez na Cinemathèque.

O chappa Raul Mourão disse que ao assistir o trio +2 em Portugal tivera a mesma sensação de quando Chico Science tocara pela primeira vez à sua frente. Não consigo supor como isso seja possível, mas sempre acredito no Raul. Por mais emblemático que esse grupo esteja se tornando para a geração 00, não há como ignorar a questão da resposta de público nesta equação. Talvez eu seja realmente muito comercial, talvez seja muito ingênuo, ou até cretino. Mas não consigo pensar diferente: pra mim, pouco público é sinal de não correspondência na comunicação. Isso não é culpa do artista. Definitivamente não. Mas também não é do público. E é aí que eu chego na questão que mais me percorreria a cabeça na noite de ontem. O Estrela da Lapa não é grande. As mesas ajudavam a preencher melhor o espaço. Mas é fato que estava bem aquém da capacidade.

Era a hora de seguir para o Odisséia. Pelo hábito de ir lá, já dava para imaginar que o show do Canastra só começaria mesmo às 1hs. Mais um acerto. Não me recordo qual era a música que rolava, mas o segurança confirmou que o evento acabara de começar. Vazio.

O Canastra, do vocalista Renatinho, é o desmembramento de um outro lado do Acabou La Tequila. No antigo grupo, a soma das partes era caótica porque cada uma das partes já era por demais fragmentada em si. Isso se reflete no som das bandas em que cada um deles toca hoje. O Canastra é a cultura do cinema, o ambiente de sallon, o timbre metálico, os naipes, os tons amarelados e uma descontração bem-humorada mais expansiva. Sem dúvidas, é a filha mais divertida - no sentido estrito da palavra – que o Tequila teve.

Desde que lançaram o segundo disco “Chega de falsas promessas”, o Canastra vem demonstrando uma enorme evolução nos shows. A apresentação está mais forte, mais organizada e, naturalmente, melhor. Umas 40 pessoas foram ver uma banda com alguns anos de estrada, dois discos lançados e considerada uma das mais representativas da cena local. A capacidade do primeiro andar do Odisséia (onde rolam os shows) deve ser de 400, 500 pessoas. No terceiro andar, rolava uma animada disputa de Guitar Hero. Um menino, uma menina, duas na “de-fora” e um segurança. E era só. Enquanto rolava a versão de “Besame mucho”, me encaminhei para o Circo. Não por estar ruim ali, mas porque, como sugeriu o Alex, o lance era reviver Roskilde. Vários palcos, shows em horários parecidos, e a lógica de assistir um pouco de cada para poder ver o máximo.

Lasciva Lula já tinha tocado. Imaginei que só conseguiria ver as duas últimas músicas de Nervoso & Os Calmantes, ou nenhuma. Talvez já estivesse rolando os headliners, Autoramas... Mas no Circo Voador o papo é outro. Não tem hora pra acabar, então começa quando achar melhor... Enfim, deu para assistir a apresentação de Nervoso na íntegra.

O baterista que virou frontman mudou de visual. Foram-se as roupas brancas, voltou o terninho preto. O cavanhaque também saiu e deu a vez a um rosto limpo, que o deixou mais jovial. Foi a melhor apresentação que já assisti do grupo. Vá lá que o pouco espaço ocupado pelas 50, 60 pessoas que estavam no Circo (onde cabem 3000) para assistir QUATRO bandas!!, me permitiu assistir encostado, confortavelmente – afinal, àquela altura, as pernas de quem levantara às 7h30 da matina já estavam cansadas.

Nervoso é a jovem guarda, o rock pop, as guitarras com teclado, as músicas para rodinha de violão... Um sistema de som excepcional favoreceu o grupo. Parecia até coisa gringa, rara de se ver no Circo. A banda correspondeu, mas a cada intervalo entre as músicas, as canções bregas que vinham das barraquinhas de bebida na rua invadiam o ambiente, tal era o silêncio na platéia.

Não importa se são 10 ou 10 mil pessoas, cabe ao vocalista levar um show de rock como se sua vida estivesse em cada palavra. E Nervoso soube conduzir este processo. Afinal, o Nervoso e os Calmantes é uma banda de rock. Coisa que o Canastra não é, nem o Kassin +2. Mas o Acabou La Tequila era. E isso deve dizer alguma coisa, mais do que a mera dureza dos rótulos. A platéia vazia, alguns amigos apenas. Uns três ou quatro fãs ardorosos. Era a mesma cena que rolava no Odisséia. Era a mesma cena que rolava no Estrela da Lapa. Na última música (“Já desmanchei minha relação”), o vocalista desceu para a platéia e dançou sozinho. Um abraço aqui, um beijo ali. E voltou a subir no palco para dizer, antes sua última frase: “A gente ama o que faz”. Aplausos entrecortados de silêncio. Um “uhhu!” vindo lá do fundo. Eram quase 3hs da manhã, hora em que a maratona de shows no Roskilde também costuma se encaminha pro final. Nos dias em que se está muito cansado, nem sempre se vê a última banda tocar.

O Acabou La Tequila ocupou a Lapa. A noite era deles. Três grandes bandas. Ninguém foi ver. E há cinco anos, eu continuo com as mesmas perguntas sem respostas...

8 Opine:

At 22:19, Anonymous Anônimo said...

Belo texto, grande reportagem, com questões realmente para se pensar... A cena musical carioca é um enigma para todos, sem dúvida.

Abraços!

 
At 17:06, Anonymous Anônimo said...

pô, gente.
belo texto, apaixonado e engajado como sempre.
mas dói escutar que o público sempre está aquém da capacidade das casas.
como se muda isso?
como disse o fred anteriormente, o enigma continua.

 
At 19:23, Blogger Menezes, o cretino said...

Eu costumo enxergar o rock por um viés mais direto, orgânico e primal que referências cromáticas e cinematográficas, talvez por isso eu enxergue mais rock no Canastra que no Nervoso. E quando eu falo de rock, falo com o respeito de quem quer ficar no sentido estrito da coisa. Pode ser ignorância, mas o Nervoso & Os Calmantes me parece que apenas envolve sua música numa camada de batidas referências do que havia de mais pop-televisivo na Jovem Guarda. E como dá pra desconfiar, não vejo qualidade nenhuma nisso!

De toda forma, os questionamentos que o texto pretende levantar (por que o rock carioca não vinga nem com reza forte. É disso que você estava falando, né?) são pertinentes, apesar de pessoalmente eu já ter deixado de considerar o fato presença - um problema mais cultural que de conexão entre banda/público - há alguns anos.

www.saladays.blogspot.com

 
At 16:48, Blogger Melvin said...

Brunão, estou na estrada mas achei tempo pra ler o seu texto. Sensacional! Eu concordei demais quando você debateu o paralelo com o Science, e mais ainda quando você mostrou saber que o papo vai muito mais longe que isso. Fora o lance dos show vazios...
Vamos marcar qualquer Quarta às 8 da manhã que tenho bastante o que contribuir no debate!
abraços
Melvin

 
At 20:56, Blogger Bernardo Mortimer said...

Bruno, Melvin, Fred, Homobono, Menezes, e quem mais quiser chegar,

Maneiríssima essa discussão, vou me permitir entrar aí também. Principalmente nessa história de Chico Science. Não vi o que o Raul falou na comparação Chico-Kassin, mas queria pensar um pouco a questão do público.
Não fui no histórico show do antigo Circo com Chico Science e Pato Fu. Não tenho idéias de quantas pessoas foram. Mas sei que, anos depois, o Chico foi vaiado ao abrir um show do Paralamas no Metropolitan. Sei também que as vendas do Do Caos à Lama e do Afrociberdelia não foram grandes, mesmo com investimento em clipes e com música na novela. O Samuel Rosa do Skank, na Bizz dez anos depois, ainda tava reclamando disso.
Onde eu quero chegar? Claro que público é muito importante, é o que paga ingresso, é o que levanta a auto-estima, é o que faz querer continuar na batalha do dia-a-dia. Mas, quando se trata de impacto e de relevância da música, os critérios precisam ser outros. Quem viu o filme A Festa Nunca Termina há de se lembrar de uma cena em que o Joy Division (acho) toca para quase ninguém. Dali, nasceu a Madchester, mil bandas, e a cultura de rave. Enfim.
Sobre Kassin e Canastra, vi os shows de lançamento dos dois no mesmo Estrela da Lapa (fora outros em outros lugares) e estavam cheios. O do Canastra eu vi em pé, apertado entre pessoas. O do Kassin eu vi em pé, atrás de várias mesas, e ao lado de várias pessoas também em pé. Não é todo show que vai lotar mesmo, o bom é a possibilidade de uma casa estar constantemente aberta para essas bandas.
O que me preocupa mesmo é o Circo vazio para o que tinha tudo para dar certo. O Autoramas mal tocou para lançar esse disco novo na cidade, e ainda vinha ao lado de Arnaldo Brandão, Lasciva e Nervoso. E a um preço justo.
Fico pensando se o problema foi o dia. Será que rock no Rio não é mais coisa de fim-de-semana?
Pelo perfil da programação das casas do grupo Matriz, rock só cabe mesmo em dia alternativo. É só olhar: terça no Cinemathèque, quinta no Odisséia, etc. A Loud, sábado, não é mais mensal... Tirando dj de rock, não tem mais aposta nos médios para rock em sexta, sábado e véspera de feriado.

Não sei bem o que concluir disso, mas acho que é uma observação para se pensar em cima.

Um abraço,

 
At 11:15, Blogger Bruno Maia said...

Obrigado a todos pela participação na discussão... Quando um papo desse "pega" é o regozijo pleno de que faz blog, rsrs...
A questao que envolve a formação de uma cena como o Bernardo colocou e que muitas vezes passa por shows em lugares vazios - como no exemplo citado da Madchester - se justificam justamente no momento seguinte, quando chegam a um formato que cria empatia com o público. Nao desmereço as casas vazias, o problema é que no nosso caso, o Canastra, o Nervoso, o Kassin e nem mesmo os Autoramas, nnguém virou Joy Division... E é por isso que eu falo que ha cinco anos essas questões me inquietam. O foda do Joy Division é quando ele conseguiu encontrar eco em uma geração inteira, seja pela sonoridade, seja pelas questões culturais ou filosóficas daquela obra. Tenho lá meus receios em afirmar que esse é um problema do Rio. Qual é a cidade do Brasil que está efervescente, com uma cena que se auto alimenta e gera repercussao? Como foi Recife em 92... É lógico que isso a gente só pode avaliar em perspectiva, depois que os movimentos encontram ou não a resposta do público, seja essa grande ou pequena.

Ouço de pessoas de fora, que o RJ é um oásis no deserto por poder ter bandas como Nervoso, Kassin, Canastra, Autoramas, Lasciva, se apresentando num mesmo dia. Ou seja, se isso é "invejado" em outros lugares, o que está acontecendo por lá? Fica difícil imaginar que haja alguma cena criativamente forte em qualquer canto do país nesse momento. Nao estou afirmando nada, apenas jogando a minha insegurança no ar. Tomara que eu esteja errado.

Só acho que o exemplo do Madchester confirma o que eu penso sobre a importancia da resposta de público nessa questão. É ela que altera a dimensão da arte, ainda que não seja o que legitima algo enquanto arte.

Continuemos, continuemos, rsrs....
abs a todos!
BM

 
At 11:20, Anonymous Anônimo said...

Concordo com o texto. Não acho que a grande massa seja o que louve o trabalho dos músicos, mas acho que uma galera que está a 5 anos na cara do gol, isso sem contar o Acabou La Tequila, e não estoura, é porque não vai estourar. Friso que este não é necessariamente um grande problema, eles têm certo reconhecimento, mas não têm grana. A minha impressão é que algumas vezes as pessoas tentam ser-monstrar-que-são-ou-sei-lá maiores do que de fato são. Por exemplo, +2, Nervoso e Canastra têm tamanho para lotar um show de lançamento no Estrela da Lapa. O problema é, eles têm tamanho para tocar duas ou três vezes por mês no Rio?
Falta público? Falta. Mesmo quem tem qualidade não tem uma situação confortável.

Por que falta público? Não sei. Na minha opinião grosseira é porque não está na moda e não "dá mulher". Pode reparar, quais foram os últimos gêneros que têm ou tiveram força recentemente no Rio? Forró, samba, eletrônico e, vá lá, axé. Todos estes eventos "davam mulher". Esses dibobs da vida têm espaço e público porque? Show deles "dá mulher". Mais, extra essa galera, quais as últimas bandas/grupos que funcionaram no Rio? Eu diria Los Hermanos, Farofa Carioca, Baia & Rockboys, PLAP e Ponto de Equilíbrio. Evento desses caras "dava mulher"...

Sei que essa opinião pode parecer estúpida, e de certa forma é, mas acho realmente que o grande causa de não temos público é que esses shows não são tidos como "evento" (pelo menos na cabeça da galera).

Abç! Chico

OBS: Não é só homem que tem esse raciocínio de "Vou para lá porque lá dá mulher...". Mulher também faz isso."

 
At 20:53, Blogger Bernardo Mortimer said...

Só para corrigir: o exemplo de Manchester era, na verdade, um show dos Sex Pistols no Lesser Free Trade Hall, no mês de junho de 1976. 42 pessoas na platéia, entre elas Tony Wilson. Dali, anos depois, descobriu-se que estavam pessoas que depois formaram Buzzcocks, Magazine, Smiths e, aí sim, Joy Division.
Não devia ter confiado na minha memória.

 

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