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Bernardo Mortimer
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30.10.07

Internet: In Rainbows, Radiohead

Para Só Ouvir


       A batida de bateria que começa o disco abre um suspense que se resolve só depois da entrada da voz de Thom Yorke. Sim, a banda voltou a tocar como banda: a bateria incrível e proporcionalmente pouco reconhecida de Phil Selway, toda quebrada, até está cheia de delays e harmônicos puxados digitalmente, mas é tocada com duas baquetas. A voz que entra sobre as batidas, antes de qualquer outro instrumento reforça a certeza. O disco anterior, Hail To The Thief, era mesmo o fim de um ciclo de muitas experiências. Agora, a hora é de apreender as lições e fazer boa música. Não é contraditório, é um passo à frente.
       Apesar de Thom Yorke ter dito, na época, que Kid A/Amnesiac (vou considerar os dois um disco duplo, tá?) era apenas a continuação de OK Computer, essa fase foi sim de guinadas. Primeiro, um dos melhores discos da década de 90, quando o Radiohead larga as guitarras meio nirvânicas para extrair melancolia de uma (não-)alma digital. Banda de estudantes de Artes e profundos leitores, o Radiohead mergulhou nas dúvidas existenciais da ficção científica de Douglas Adams (O Guia do Mochileiro das Galáxias) e Philip K Dick (Blade Runner) à procura de respostas que não fossem religiosas. A banda virou fenômeno e respondeu apertando a boca e desviando o olhar.
       Kid A foi a primeira metade de uma radicalização ainda maior no percurso. O que era melancolia virou angústia, e o mais difícil, sem guitarras, sem voz humana, sem notas propriamente escutáveis, tudo hiper-desconstruído mas extremamente melódico. Como se aquela equaçãozinha Europa-melodia/África-ritmo/Índia-textura ganhasse um novo elemento de maquinaria. Ou melhor, um novo elemento de "edição". Tudo que poderia soar natural é super mexido e hiper-cortado para compor o produto final, mas com um toque que faz toda a diferença. Nigel Godrich, produtor da banda em toda essa fase pós-The Bends, acredita que deve-se evitar a adição de efeitos sobre os instrumentos depois de tocados. Ou seja, eles devem ser tocados com um fone que dê o retorno ao vivo de como estão soando os filtros usados. É uma maneira de tornar o instrumentista/vocalista também parte do resultado final.
       Pois bem, a voz deixou de ser tão processada a ponto de transmitir uma espécie de mensagem sem autor: não era uma pessoa falando, mas sons artificiais com significados conhecidos por todos. In Rainbows é mais do mesmo, mas de volta à simplicidade. E à humanidade. Claro, uma simplicidade e uma humanidade de padrão Radiohead.
       Um fator fundamental para essa volta turbinada às origens (e o álbum soa a anos 90 em vários momentos) foi o lançamento do disco-solo de Thom Yorke, vocalista e cabeça eletrônica da banda, quase ao mesmo tempo em que Jonny Greenwood, guitarrista e cabeça de orquestra contemporânea da banda, lançava o dele. Canalizados os impulsos criativos dos dois mais inquietos artistas do quarteto, abriu-se espaço para uma aproximação com o público que cresceu e recuou um pouco enquanto, disco após disco, ia ficando maior o desafio de entender o Radiohead, daí boa parte da graça quando acertaram, daí boa parte do tédio quando ficaram auto-centrados demais.
       E esse movimento de se concentrar na beleza da composição com menos elementos de distração (daria para repetir o paralelo dos anos com o Nirvana, mas agora o do Acústico MTV) trouxe também a volta da expectativa por um disco, a chegada dele inteiro em uma data certa, e outros charmes que o cd foi deixando de ter nos últimos dez anos. Principalmente o de ouvir, simplesmente. Primeiro, ele não foi baixado enquanto se navega na Internet, com o MSN aberto e não-sei-mais-o-que. Só isso, uma diferença boba, já provocou em cada ouvinte uma parada. A falta de encarte, capa, ou qualquer material gráfico de informação também tirou as distrações do caminho. Até agora, In Rainbows foi só ouvido. E ouvido só. No máximo, deu pra ler uma ou outra resenha, quase sempre tão apressada quanto essa de agora.
       Mais uma vez, voltando para a história da leitura: o Radiohead pensa muito antes de dar um passo. Portanto, não há de se acreditar no “por acaso”. A banda se alinha à política de um novo anarquismo que começa (simbolicamente) com as manifestações anti-multilateralismo de Seattle (99), em que mais do que optar por uma esquerda em oposição à direita, vale buscar a liberdade de não servir a nenhum interesse privado, seja qual for. Daí as questões da tecnologia e da alienação, da crítica à impassividade voltada para dentro. E daí o combate de estética pós-guerrilheira a marcas pré-estabelecidas (entre elas o rock, daí matá-lo musicalmente, industrialmente, simbolicamente, repetidamente, etc.) Agora, a diferença é a entrada das cores.
       Mas o que há de simples em In Rainbows, na falta de melhor palavra, na verdade tem muita complexidade. Imagine a entrega roqueira preocupada do Pearl Jam, e some a ela cordas arranjadas por Greenwood, o baterista Selway formando a cozinha ora com o baixista em um loop envenenado, ora com programações eletrônicas meio hip hop underground. E ruídos, camas de sons irreais, nenhuma grandiloquência. Está tudo lá, um pouco, com direito a várias músicas lentas, algumas até entre as mais fracas do disco. Vibra, chora, sente. É um disco muito difícil de se escrever sobre, porque uma audição muda a percepção da anterior. Mas é de se ouvir várias vezes. E só.

Boa parte desse texto brotou da leitura de ‘Radiohead’, texto de Simon Reynolds, no livro Beijar o Céu da Editora Conrad.

1 Opine:

At 13:30, Blogger Artur Miró said...

Belíssimo texgo Bernardo. Tá difícil parar de ouvir In Rainbows e Fome de Tudo. Dois discos hipnotizantes. "Bodysnatchers" é matadora e... porra é isso!

Abraços!!

 

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