Show: Móveis Coloniais de Acaju
A Panela Sempre Pode EstourarEra uma quarta-feira, quase natal, e o clube de futebol society, Arena, estava ficando lotado. Um palco armado perto da cantina de algo parecido com um shopping de campos de futebol com grama sintética não parecia atrair tanta gente quanto apareceria dali em diante. A festa de fim de ano do Móveis Coloniais de Acaju estava pra começar. No estacionamento, um caminhão da tv Record com link para entrar ao vivo no jornal local, no celular do produtor/assessor Ofuji a equipe do Fantástico adiava em algumas horas a gravação de uma matéria para ir ao ar em março.
Assim estava armado o circo para celebrar o 2005 da banda brasiliense, que passou por um Porão do Rock, um Curitiba Rock Festival, entre vários festivais, lotou casas/bares e garagens onde tocou no Rio de Janeiro, em novembro, e conseguiu algum destaque em prêmios como o do site tramavirtual, na categoria instrumental. Ao lado do Móveis - e o porque de um nome não se pergunta, é a primeira lição do repórter anti-burocracia –, dois convidados: o instrumental sujo de areia dos brasilienses super stereo surfes, e o rude carnaval sem fim dos ébrios coquetéis acapulcos, do Rio de Janeiro.
Pois bem, quando finalmente chegou a equipe do Fantástico, muita gente já estava ali, a maioria de fãs fiéis, com a letra nos ouvidos e os olhos fechados. À frente, André (voz), Esdras (sax barítono), Paulo (sax tenor), Borém (gaita, escaleta), Beto (flauta, air guitar), Xande (trombone), Léo (guitarra, apostilas de Harvard) e Renato (bateria). Fingia-se um show à vera, tocando à vera, sem playback. Mal sabiam que antes de assistir àquelas imagens na tv, seriam metade de uma matéria de 4 minutos no Jornal da Globo da última sexta, o que é um outro assunto. Voltando. Claro, todos os fãs respondendo e se divertindo de verdade. À vera. Fizeram roda, bateram palma, assumiram os vocais, encheram as câmeras de imagens que vão fazer bonito na edição, se a equipe de Brasília souber vender o peixe para os editores-chefe do Fant, Geneton e Álvaro.
Gravada a obrigação, começava a diversão. Quem abriu os trabalhos foi a Super Stereo Surf, sem letras e com uma guitarra descendo uma onda muito maior do que as do lago Paranoá cantadas por outra banda de Brasília. O power trio prendeu a atenção de um público já grande. Em seguida ska, álcool, um filho de Chico Buarque, um descendente pélvico do Rei do Rock e problemas no som não foram o suficiente para controlar os pulos incessantes da garotada que já se apertava na frente do palco e foi surpreendida com um bailão. Mais ensaio e mais estrada seriam legais para a banda que comemorava um mês da primeira apresentação, mas há algo ali, e quem tiver imparcialidade que faça o próprio julgamento.
Finalmente, os móveis coloniais, e a platéia lotada, a cerveja quase acabando, acabando, e acabou. Um cenário que poderia remeter a fim-de-festa, mas não. Como o filme ‘Underworld’, do diretor bósnio (de Sarajevo) Emir Kusturica, que faz uma parábola da guerra entre irmãos com muita música, delírio e festa; ou como em sambas carnavalescos, que choram a tristeza pulando, se entorpecendo, exorcizando o amor que deu errado até a quarta-feira de cinzas. Ou, para o sorridente flautista e segunda-voz, Beto, sarcasmo e ironia mais do que tristeza e desilusão. Ou “a idéia sempre foi mostrar uma outra forma de ver as coisas, principalmente da vida cotidiana. Assim, o humor e o sarcasmo sempre foram parte da construção estética (tanto visual como sonora) dos Móveis”, para o quicante baixista Fábio.
O show começa com uma música para os mais fãs, presente na demo e fora do cd. Na segunda música, a fumaça da panela ska de feijoada búlgara já impregnou os quadris, corações e mentes do lugar, e daí em diante, com direito a cover do Ultraje a Rigor, a convidada Ivete Sangalo em papelão e desejos ésdrios, e amigos da trajetória como o baterista do Bois de Gerião, Coaracy, tudo só aumentou a pressão. Em dado momento, um solo de trombone nos braços da platéia. É, não é todo dia...
Entre escalas e timbres muito próximos ao Leste europeu, há metais altamente coesos e precisos. E um trio de baixo-guitarra-bateria altamente voltado para o ritmo de contra-tempos de uma quarta geração de um ska já distante da Jamaica em que o rude boy Robert Nesta pediu em canto ‘Simmer Down’ no Studio One, em 63. Era o início da trajetória de Bob Marley, e com ele a entrada do terceiro mundo no pop. Hoje, mais do que Madness, Toasters, Maytalls, Hepcat ou Rancid, quem se aproxima mais é a Tókyo Ska Paradise Orchestra – pra falar na mais engraçada e, deixe o preconceito de lado, boa pra caralho. Isso, sem falar na Non-Smoking Band, de volta ao nosso prezado Kusturica, lá do sexto parágrafo.
Nas tais letras de desilusão ou sarcasmo (Cego: “será mesmo, realmente amarelo o sol, e azul o céu/ por que não ser lilás, vermelho/ ou quem sabe seja apenas som”), há de chutes na rotina (Perca Peso Agora: “Não esqueça a data de vencimento/ não esqueça o dia do casamento/ Não esqueça o presente de sua cunhada, aiá/ E perca peso agora”) a sambões pseudo-cartólicos (Seria o Rolex?: “Minha doce dor se esconde/ Por trás de um sorriso/ Comprado, corrompido”). E, claro, doideira universitária, no que talvez seja o hit instantâneo da banda: “Fellini, Buñuel, Pasolini e Fidel/ Numa roda de samba em Havana/ Poderia ter sido interessante” (Receio do Remorso).
Até pouco tempo atrás, pouco significando menos tempo do que a vida da banda, eram todos alunos da UnB. Para Beto, “o ambiente universitário é fértil e diverso o bastante para influenciar nas nossas composições. Na banda temos um antropólogo, três designers, dois biólogos, dois músicos profissionais e dois economistas...” E Fábio, concordando, abre o jogo e explica melhor: “mas os economistas não cuidam do dinheiro da banda!”. Um dos designers não chegou a se formar e estuda Belas Artes.
Quanto à cena da cidade, a opinião é uma torcida: “Tomara que o momento de bandas da Brasília dos anos 2000 esteja chegando. A gente sempre esteve muito próximo ao Bois. Somos fãs de carteirinha.” Esse é Beto. Fábio é este: “Durante os anos 90, as bandas tocavam juntas independentemente do estilo musical, acho que bandas como os Bois, Móveis, Sapatos (Bicolores) e várias outras surgiram nesse meio. Tocamos em vários lugares, os mais diversos possíveis.”
Dali a alguns dias, quase um mês, o Móveis estaria participando da turnê da banda americana Slackers, em um show de São Paulo, o mesmo que faria o Coquetel Acapulco, no Rio. Uma irmandade de ska nascente, que pode vir a ser alguma coisa. Ou não. Vá saber.
Bernardo viajou a convite do Móveis para Brasília,
e participou do show do Coquetel Acapulco de cima do palco,
simplesmente porque essa é sua banda.
2 Opine:
Pois é, aos poucos vou voltando à atividade por aqui. As férias sobremusicas foram forçadas por muitos trabalhos sobreoutrascoisas. Vou chegando de regresso, como avisaram a Dona Ivone Lara, pra "pisar nesse chão devagarinho".
O assunto precisa entrar em dia, vamos nessa.
Quem é vivo (quase) sempre aparece...
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