Era uma vez...
A indústria fonográfica não é a indústria da música. A primeira está moribunda, a segunda está no auge.
Num livro em 2067...
A indústria fonográfica foi um fenômeno da indústria da cultura do século XX. Desde que o homem dominou a capacidade de guardas os sons, técnicas de melhora na qualidade da armazenagem e na fidelidade de áudio foram desenvolvidas. O fonograma foi criado e foi a mola propulsora de um novo formato de comercialização de obras musicais. Graças ao poder da própria música, a indústria de fonogramas cresceu vertiginosamente, sobretudo na década de 1950, quando as principais empresas desse setor começaram a investir em um formato similar ao que o cinema vinha praticando, o chamado “star system”, investindo na imagem de alguns artistas, de forma a torná-los celebridades a serem consumidas. Iniciou-se um processo de massificação. Algumas vezes, alguns artistas eram escolhidos como “a bola da vez”. Em outros momentos, era determinado gênero musical que se instalava nos ouvidos das pessoas como se nada além daquilo pudesse ser interessante. E assim foi até 1997. Até o Shawn Fanning iniciar o século XXI, com a criação do Napster, primeiro programa de compartilhamento de músicas via Internet.
Isso é um ensaio, exercício de previsão, do que vai ser encontrado em livros sobre música daqui a umas décadas... Assim como o Chico Buarque diz que a canção pode estar morta, ouso botar a indústria fonográfica na mesma reta. Depois da criação do Napster, a morte lenta e agonizante está sendo vista aos olhos de quem quiser. Em tempo real, mensagens instantâneas, msns, orkuts, youtube, fotologs, soulseeks, chats, e pow! Já era. Bem-vindo, novo tempo!
No relatório anual de 2004, o último publicado pela ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos), a proporção já era de um em cada três discos vendidos no mundo advém do mercado paralelo, batizado de “pirata”. O desespero dessa gente é cada vez maior. Vocês lembram da história que transformou o Los Hermanos no primeiro herói do rock brasileiro no século XXI? Aquele papo de ter ‘peitado’ a gravadora Abril e se recusado a regravar o “Bloco do Eu Sozinho”... Pois é. Lembra que logo depois a Abril quebrou, né? Então...
Lembra que a EMI era a principal gravadora de rock do Brasil nos anos 80, depois dividiu mercado com a Sony nos 90, e abriu mão de quase todos os nomes do gênero nesta 'década de 100'? Coincidência ou não, a única banda que eles mantiveram foi o Charlie Brown Jr. Os Paralamas não contam, pois já estavam num patamar diferente.
Pois é. Isso tudo foi obra de um “dinossauro” da indústria fonográfica que atende pelo nome de Marcos Maynard. Esse senhor, defensor da moral e dos bons costumes – desde que isso signifique profits para as empresas que comanda – é o principal executivo da EMI nessas terras onde o que mais tem é sabiá a cantar. O ‘time’ que ele comanda foi responsabilizado pelo escândalo que derrubou em 8,8% as ações da EMI na bolsa de Londres. ‘Só’ 8,8%. A principal razão é uma fraude gigantesca que inflou o número real das vendas da empresa no país. Ele lança discos "novos" da Legião como quem tira leite de vaca todo dia de manhã. Quando chegou na EMI, uma de suas primeiras medidas foi dispensar o Pato Fu, por exemplo, antes mesmo do grupo lançar um disco. Com ele, até Felipe Dylon rompeu em nome de ter mais "independência artística". Sua importância nessa área é tanta que há quem diga que esse formato de gerência é chamado na indústia de "modelo Maynard".
Em 25 de julho de 2001, ainda à frente da Abril, ele se juntou com alguns ‘colegas’, também presidentes de gravadoras, para dar uma entrevista a Pedro Alexandre Sanches (PAS), na época, na Folha de S. Paulo. Na matéria intitulada “Indústria fonográfica reclama da pirataria e prevê extinção do mercado”, o senhor Maynard – que ontem não foi encontrado para se pronunciar – soltou algumas pérolas que revelam bem a cara dessa gente.
“As classes A e B estão indo para outros caminhos. Estão indo para a internet, para outros tipos de diversão. Por que todo mundo diz que a TV brasileira está pior, pior, pior? As classes C e D estão na TV aberta, e as classes A e B estão na TV a cabo. Muda o perfil, o jeito de fazer TV no Brasil. O mesmo acontece com o jeito de fazer música. A música sofisticada vende menos, por quê? Toca menos por quê? A rádio não quer tocar essa música porque o público que escuta, não está consumindo aquela música. Você não vai escutar Ivan Lins lá”.
“No frigir dos ovos, não é falar de qualidade ou não-qualidade, música boa ou ruim. Estamos falando, no fundo, de música brasileira. É o que estamos tentando defender. É ela que vai sofrer”.
“(Adquirir sucesso gradualmente, ao longo de vários anos e discos) era romântico. Na época do romantismo tudo é possível. O mundo teve várias eras românticas, esta de agora não é. As multinacionais ganhavam tanto dinheiro lá fora que podiam perder dinheiro aqui. Perderam todo dinheiro que queriam aqui, jogaram dinheiro fora. Aí acabou a era bonita, fecharam a torneira. Dos 70 para os 80 disseram: "Agora vocês têm que ganhar dinheiro, parem de perder dinheiro". A crise foi mundial, tudo foi aumentando. Vai fazer o quê? Lança menos artistas, menos marketing, menos tudo, para dar conta do óbvio. (...) Nunca mais viveremos a bossa nova nem a jovem guarda. Não há jeito de viver de novo. Temos que entender que o mundo vai para a frente e não tem jeito de voltar. As músicas podem se tornar mais simples numa época e mais complicadas em outra, vai depender muito do que o público esteja ansioso por ter”.
“O mundo romântico do jabá acabou. (...) É promoção. Antes você ia e pagava um cara para tocar sua música no rádio. Hoje acabou isso. Você faz promoção com a rádio, faz comerciais, tudo legal”.
E quando o PAS perguntou se era possível algum nível de autocrítica, já que os presidentes de gravadoras, em todos os problemas levantados sobre a sua indústria, nunca assumiam as responsabilidades como suas (grande PAS!!!), olha o que o grandmaster disparou indignado:
"O problema é impunidade, ilegalidade. Toda pessoa sã sabe que pirataria é ilegal".
Esse caso dos valores inflados que derrubou a cotação das ações é só mais um exemplo do fim lamentável que está se desenhando para essa indústria, que teima em manter a sua frente nomes cheio de verdades irrefutáveis, e que insistem em praticar um formato obsoleto, catastrófico e burro. A indústria fonográfica já era, mas a indústria da música não. A dinamização da distribuição e o maior acesso aos instrumentos de produção e gravação está permitindo que se produza como nunca se fez. As novas ferramentas estão aí na área. O novo público tá ai. Alguém foi falar por cara da NewsCorp, que comprou o Myspace por mais de US$500 milhões que a música já era? Que esse negócio não dá mais dinheiro?
Como num conto de fadas, a indústria fonográfica está se pintando como a vilã que morre no final. E, pode ter certeza, a princesa (a música) e o mocinho (o público) se casam e vivem felizes para sempre.
4 Opine:
Mas a indústria morre mesmo ou só muda de mãos? Ou de meio?
Se o Google comprou o Youtube é pq algo vale a pena lá, tem alguém ganhando um $$ nessa parada. Ou melhor, antevendo uma maneira de se ganhar unzinho no futuro (próximo).
O que parece ser a melhor parte é q nós, consumidores, pelo menos por enquanto, podemos consumir sem gastar! (exceção ao disco do Binário por "5 conto" ontem e do Moptop há umas três semanas, mas aí é pra dar força pra galera, vale a pena)
Os avanços tecnológicos permitem que hoje em dia, muito facilmente, se grave um CD. Mixagens e masterizações também são coisas razoavelmente baratas hoje em dia, ainda mais quando a Internet disponibiliza softwares tão fundamentais de graça (para quem sabe procurar). O processo de produção está, de fato, muito mais acessível para os não tão endinheirados.
Mas a distribuição continua sendo um problema grave. Tanto a comercialização quanto a produção de concertos. A internet é, ainda, de uso quase restrito das classes mais altas. Produzir concertos continua sendo uma atividade relativamente cara, ainda mais se levarmos em conta o deslocamento dos músicos, as viagens longas, estadias, salários, etc. Quem dera a Internet possa se capilarizar na sociedade a ponto de suprir parte dessa demanda. O que a Internet nunca vai conseguir fazer, entretanto, é levar as pessoas, de carne, osso e genitais, para concertos, de Porto Alegre a Roraima, salvo se algum cyberteletransporte for criado. Assim vemos o quanto de questões políticas estão em jogo. Ó, o Deus-Mercado!
A indústria dos fonogramas está agonizando? Tudo indica que sim. Isso é bom ou ruim? A princípio, assino embaixo, é ótimo. Mas estamos num momento-chave, no qual ninguém sabe direito pra onde se vai. Se não houver uma luta efetiva para garantir que esse espaço de distribuição na Internet seja mantido nos atuais moldes (e aí o próximo passo é democratizar o acesso nas camadas pobres), tudo pode ir por água abaixo. É certo que a Internet é um espaço onde os mecanismos de burlagem ao controle dos BigBrothers do capital ainda são fartos, mas também é fato que tem havido um investimento cada vez mais pesado para que esse controle privado se consolide em sua hegemonia.
Grande abraço,
André Mendonça
(ainda aguardando algo mais esmiuçante sobre direito autoral e direito de venda de cópias)
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Opa! Apenas uma última observação. Eu não havia lido o último parágrafo, do casamento da 'princesa' com o 'mocinho'. Que parada brega. A vida, infelizmente, não é um conto de fadas. Relembrando que o fim de um segmento industrial pode simplesmente alavancar o erguimento de outro ainda mais poderoso, controlador, conservador, opressor. Idealizar essa derrocada pode ser um grave erro da avaliação tática...
Ah, e parabéns pela entrevista com Nelson Meireles, que tá ótima. Bonito dar voz a pessoas dos bastidores, muitas vezes tão importantes. Cidade Negra, um dia, foi uma banda de reagge, eu tinha até me esquecido disso...
André
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