Conversa com Nélson Meirelles (1)
Seguindo a tradição bissexta do SOBREMUSICA de fazer entrevista com nomes fundamentais da música brasileira que, por alguma razão, não são muito procurados pela dita “grande mídia”, conversamos numa tarde de sexta-feira, no fundamental restaurante Aurora, em Botafogo, com Mr.Reggae. O sujeito "só" é um dos principais pilares do gênero no país. Precursor na tarefa de transformar esse som de gueto em algo acessível a qualquer um, ele visitou Brixton e Trenchtown entre 1983 e 1985, fez um dos primeiros programas de reggae no dial brasileiro (o “Batmacumba", na finada Rádio Fluminense), um dos primeiros eventos para bandas de reggae (o Reggae-NEC, no fim dos anos 80), foi o produtor responsável por estourar pela primeira vez uma banda de reggae nas rádios do país (o Cidade Negra), montou a banda que melhor usou o raggamufin’ a serviço da música pop brasileira (O Rappa) e hoje comanda a primeira equipe de som carioca especializada em dub, reggae e dancehall, tentando transformar a cidade num poderoso soundsystem à beira mar (o Digital Dubs). Foram quase 4 horas de um papo sensacional. Por isso, não podia me poupar e privá-los do máximo possível. Assim, a conversa virá em 3 (ou 4) partes. Senhoras e senhores, Nélson Meirelles. (por Bruno Maia)
foto: Bruno Maia
(conversa já rolava, quando ligo o gravador...) Nélson Meirelles: Tem um disco do Rás Bernardo que a gente começou a fazer em 1997. Era pra ser o segundo disco solo dele. O primeiro saiu pela Top Tape, em 1995. Aí começou parou, teve uma reencarnação. Parou, outra encarnação. E nessas paradas, ele ia falando para as pessoas, divulgando um disco que não tinha saído. Por isso, há músicas dali que as pessoas conhecem no norte, no nordeste, no sul, mas que nunca saíram... Então agora nós estamos na pilha de lançar. Depois que o Rás gravou com a gente (Digital Dubs), o Marcos Paulo conheceu ele e tá na pilha de terminar esse disco. O Rás agora tá firmando geral, tem um show que a gente faz que é Digital, ele e o BNegão.
sobremusica: BNegão não responde um e-mail que eu enviei pra ele
NM: Cara, BNegão é o multi-homem. Ele tá hoje n Alemanha, amanhã tá em Minas, depois tá em Barcelona, em cada lugar fazendo uma coisa...
sm: É, e rolou essa discussão dele com o D2... Mas ele está fazendo coisas lá fora há muito mais tempo que o D2, né...
NM: Esse negócio de briga entre pessoas, eu nunca me meto por que na verdade...
sm: Não, imagina, era só um comentário...
NM: é... na verdade tem sempre um background ali, que explica os faniquitos de ambas as partes. Que nem homem e mulher. Quem olha de fora, não entende. Inclusive com o Cidade Negra, há histórias que eu vivi dentro e depois também vi de fora. Hoje em dia eu olho e penso: “Pô, como é que pode?”. Mas... fico na minha. Pode perguntar, cara. Comanda aí porque se me deixar...
sm: Então, vamo lá... Antes de começar a grava, a gente estava falando do Bidu Cordeiro, que foi entrevistado no sobremusica. Ele é um cara que veio do clássico para o popular gradativamente, até chegar na banda que talvez seja a mais pop do Brasil...
NM: Hoje o Zé Fortes (nota do editor: José Fortes, empresário dOs Paralamas do Sucesso) olha pra ele... (risos) Outro dia , ele falou pra mim: “olha só no que vocês transformaram o Bidu... Ele não era assim...” (risos). O cara ficou cheio de dread, parece a reencarnação do Damião Experiência. Tá até cantando, né... Presença marcante. Não sei se ele comentou, ou se vocês repararam, ele tem uma coisa dentro dele de não se sentir artista, de ser músico. Ele diz que “não, não sou artista. Eu não canto, não sou artista”. Qué isso, rapaz! Subiu no palco, fez malabarismo na feira com limão já é artista. Eu tenho esse conceito de arte que é bastante abrangente. E ele, como vem da escola formal, se sente um profissional da música, como se ‘artista’ fosse outra coisa. Eu vejo isso várias vezes no Reggae B, porque ali ele tem que dar entrevista, fica no camarim 1, não no 2... Existem essas diferenças, sabe? De Os Paralamas viajarem de primeira classe e os músicos não... Tem essas diferenças, no hotel, no transporte, no camarim... Isso vai lembrando sempre o cara que... cá entre nós eu já vi show do “%#@&*!?#$$!@#&” com camarim só pro vocalista. Tudo bem, um camarim só pra banda, porque de repente quer receber um convidado, não sei o quê, mas um só pro vocalista?! Fiquei chocado. Eu não entendo isso.
sm: Pois é. Queria que você falasse sobre a sua formação, antes de chegar na sua banda Rapazes de Vida Fácil... Tipo um “Quem é Nelson Meirelles?”...
NM: Desde o começo? Eu sempre tive a música perto de mim, em casa. Meu irmão tocava violão, tinha vários irmãos, todos mais velhos, e eu ia de carona em cada época. Eu, como todo garoto dos anos 60, pirei com Beatles. Eu estava até pensando, e falando com uma amiga da escola outro dia, dos discos que marcaram as minhas décadas. A de 1960, foi o “Help!”. Quando eu tinha uns 5 anos, uma irmã mais velha pegou o disco emprestado com uma amiga e ficou ouvindo em casa. Só que eu adotei o disco. Ficava ouvindo aquilo...Foi no segundo semestre, daí quando chegou no fim do ano, ela devolveu o disco. Cara, eu fiquei numa síndrome de abstinência de Beatles... Eu sabia o disco inteiro. Até hoje, cara, quando termina uma música do “Help!”, eu já sei qual é a próxima, de tanto que eu ouvi aquilo... Sabe a gravação do Raul Seixas pequenininho cantando Elvis? Tem uma minha cantando “Help”, muito boa! Naquele inglês, né... imagina.... Na época era um mundo audiovisual muito mais tosco, numa de olhar a capa, olhar a capa, olhar a capa... aí você vira e olha a contracapa, olha a contracapa, olha a contracapa, sacou? Você ficava ouvindo a música e conhecendo cada detalhe... Tanto é que quando eu fiz 6 anos, eu ganhei de aniversário o “Help!”. Fevereiro de 69. Então, eu passei o segundo semestre de 68 ouvindo direto. Fiquei na síndrome naquela virada de ano, e ganhei o meu em fevereiro. Tenho ele até hoje assinado com a minha letra de 6 anos. Aquele disco foi muito foda pra mim.
sm: Você foi ouvir o “Help!” quando eles já estavam no Abbey Road...
NM: É, eles estavam quase acabando. Mas pra mim.... E passava ”Yellow submarine” no cinema... Então, Beatles foi a primeira coisa que me deixou maluco. E sempre fui ouvindo muita música brasileira.. Aí da década seguinte, o que me chapou, já com 10, 11, foi o “The dark side of the moon”. Pirei com aquilo. O disco do prisma. Era assim, Pink Floyd, Pink Floyd, Pink Floyd, Pink Floyd... Detalhe: eu não sabia quem eram as pessoas. Eu só via aquele prisma. Às vezes eu faço o esforço de tentar voltar nessa época, quando você não conhecia as pessoas, os artistas. Você conhecia o álbum. E ficava olhando, olhando... lia a letra, ouvia, sentia o cheiro... LP tem cheiro! Cada um tem um cheiro! Era uma loucura e eu pirei com aquele disco. Aí no fim da década de 70, com 14 anos, eu comecei a tocar violão. Eu falo isso até com a minha analista. A minha mãe entrou numa de que eu tinha que aprender música e resolveu me dar um violão. Eu me lembro, eu dormindo em casa de tarde – eu estudava no colégio de manhã e dormir de tarde era uma coisa que eu raramente fazia. Não esqueço: meu pai abrindo a porta do quarto, tudo escuro, a luz por trás – imagina a cena –, ele entrando com um violão assim: “Oh o violão aí”. Sabe aquela coisa de moleque que você não entende direito, ouve falar, mas... Ahn? Tá... Daí eu fico pensando que se ele não tivesse tomado aquela atitude, eu sou tão pastel que talvez eu nem tivesse virado músico. Ia ficar só gostando de música. Precisou meu pai abrir a porta e me dar o violão. Daí, eu comecei a tocar. Foi uma coisa super natural, de tanto que eu via meu irmão tocando... Eu comecei a brincar com música, fazer... E nesse final de anos 70, eu era totalmente música brasileira. Pra mim era: Alceu Valença e Zé Ramalho. Primeiro show que eu vi na vida foi do Zé Ramalho, no Teatro Ipanema, lançando o “Avôhai”. E foi uma experiência... sensorial também... Eu tive o prazer de encontrá-lo uma vez na Sony e falei isso pra ele. Comecei a perguntar cadê o músico tal, e o outro, e ele amarradão porque, na época, eu trabalhava com o Cidade Negra, e os filhos dele se amarravam no Cidade. Foda. Adorei, cara. Aí eu entrei totalmente nesse viés. O rock pra mim teve Beatles e Pink Floyd.
sm: E o que você foi tocar nesse violão quando você ganhou?
NM: Quando eu fui tocar... era MPB, que era algo quase didático, tocava Chico.. o Chico é muito foda. Eu toquei muito Chico, tocava bossa nova, que era um super desafio, comprava as revistinhas, os manuais. Eu tive um pouco de aula, mas eu acabei indo direto. Porém o que mais me identificava era essa loucura de Alceu Valença e Zé Ramalho. Lembro que no “Coração bobo”, que era de 1980, vi o show no Teatro Ipanema e pirei. Eu morava no Leblon e o Teatro Ipanema era um lance que... Pô, eu ainda quero tocar lá. Vi grandes shows ali. Era um lugar de música. Era o Teatro Odisséia da época e em Ipanema. Pegava o busum, ia a pé, chegava rapidinho, via os artistas de perto. Eu vi Djavan, cara! Imagina Djavan cabendo ali! Vi Mautner, Alceu várias vezes, vi o primeiro show do Oswaldo Montenegro, até os Leopoldos, que era o primeiro show do Casseta e Planeta, eu vi lá. Era como se os caras estivessem tocando na sua casa.
sm: E hoje você consegue entender por que bateu tanto essa identificação com os pernambucanos?
NM: Talvez essa coisa fervilhante que o Mangue Bit trouxe, e que hoje tem representação para um circuito universitário, tudo isso o Alceu já tinha com a minha galera universitária. Eu entrei na universidade em 1981 e o Alceu era o doidão, o maluco, que falava altas paradas... Tinha a MPB mais sofisticadas, mas Zé Ramalho e Alceu eram os caras identificados com essa galera. Eu acho do caralho como Pernambuco deu esse ciclo de 20 anos e plow! Pegou de novo! Incrível. Agora, quando se vai a Recife, Olinda, você entende que não é por acaso. O estado tem uma história artística riquíssima. Uma vez eu passei um carnaval em Olinda, no Quatro Cantos. Você vai andando em Olinda e as casas do pessoal, todas, têm quadros na parede. Isso é cultura. O cara é pobre, mas ele chega a ponto de botar um quadro na parede porque ali ele tem uma onda com aquele visual, aquilo significa algo pra ele. De repente, você vai numa favela do Rio e não vai ter isso. Lá existe um gosto, uma cultura, um hábito por trás disso. O Chacrinha era pernambucano. Também era legal de tocar no violão. Jackson do Pandeiro era Deus. Logicamente Gil, Caetano também, mas... Eu lembro que a primeira vez que eu vi o Alceu, foi quando ele chegou aqui no Rio, num festival da Globo, chamado Festival Abertura, que foi muito interessante. Teve o Alceu, o Raul (Seixas) com “Mosca na sopa”... Várias coisas malucas. O Jorge Mautner e o Macalé também participaram...
sm: E a sua primeira banda?
NM: A primeira vez que eu subi num palco foi num festival de colégio. Eu estudava no Santo Inácio, mas participei de um festival no Bahiense, que a final foi no Teatro Carlos Gomes. E eu emplaquei duas composições na final! Eu tinha tocado no sarau do Santo Inácio, numa banda pras meninas da turma, aquela onda, né... mas nessa banda eu tocava percussão. Quando rolou o festival no Bahiense, eu inscrevi uma música minha que era totalmente Zé Ramalho... Quando eu entrei na final, eu chamei aquela rapaziada da minha banda pra me acompanhar, né... Já foi um upgrade, saí da percussão pra frente do palco (risos). Aquele lance de entrar e cantar! Foi a única vez que eu fiz aquilo e foi logo tocando no Carlos Gomes! Naquele clima de entra banda, sai banda, acabou que eu não levei nada. Mas foi a maior onda, subir no palco, tocar com a minha galera... Quem ganhou o festival foi um chorinho, e quem tocava o pandeiro era o Marcos Suzano. Eu o reconheci no ano seguinte na faculdade e nós ficamos amigos dali. Quando eu entrei na universidade, eu dei aquela desbundada clássica da faculdade, fiquei de cabelo comprido, viajei pro nordeste, daí todo o currículo necessário, né... tomar chá de cogumelo, viajar pro nordeste... Era uma época muito foda, o Gil lançando o Realce, no Canecão. E na faculdade eu tive a sorte... Porque tiveram umas pessoas na minha vida que me ajudaram a formatar o meu gosto musical e já que estamos falando de formação musical, é bom lembrar. Um deles eu conheci na faculdade, o Sérgio Mekler, que hoje é do que hoje é do Chalpa Ferro e é editor de cinema, de imagens, ganhou vários prêmios da MTV. E ele era “O” expert, “O” colecionador... Então convivendo com ele, todo dia na faculdade, ele me abriu mundos... Rock era uma coisa que eu não ligava muito, tinha um certo preconceito que vinha, talvez, do lance da discothéque. Toda a fase disco eu acompanhei de longe. Pra mim, aquilo era música pra ir na festa e azarar mulher, mas não pra levar a sério. E acho que o rock ficou nessa pra mim, era música de playboy. Os playboys gostavam de Queen, essas coisas... Pra mim era o Pink Floyd, MPB e esses MPB-malucos Alceu Valença e Zé Ramalho. Mas com o Mekler, eu comecei a ouvir outras coisas, tipo Robert Fripp, Jaco Pastorious, passei a prestar atenção em toda essa coisa da música inglesa, do punk e do pós punk, bem anos 80. E isso me leva ao terceiro disco da minha vida que é o The Police, com o “Ghost in the machine”. Tinha um programa da TVE que chamava Superonda. Teve o Superonda 81, depois o 82, 83... como tem o TVZ no Multishow. Daí um dia eu vi um clipe do Police, o “De Do Do Do, De Da Da Da"” e depois saiu o “Ghost in the machine”. Eu pirei com aquele disco. Pirei pra caralho! E acompanhando todo esse desdobramento do punk, o The Clash foi super importante, assim como tudo que estava vindo de lá. E eu pirei. Daí, no segundo ano da faculdade, eu viajei pra Inglaterra. Pra Europa, na verdade, mas quando eu cheguei na Inglaterra é que foi “A” parada. Pancou pra caralho. Vi vários shows, vi o “Out Deh!”, do Gregory Isaac, fiquei um tempo em Brixton... Foram umas duas ou três semanas na Inglaterra. Vi o Birthday Party que foi a antiga banda do Nick Cave, antes de ele ter aquela outra banda que fez sucesso (ne: Bad Seeds)... Eu emergi totalmente no mundo inglês do pós punk e do reggae. Em Brixton, via os rastas na rua, fui nos shows de reggae. Eu já estava pirado com o baixo. O Mekler tinha sido um cara que tinha me mostrado isso, na época do Weather Report, do Jaco Pastorius, que era um deus. Ele tinha tocado aqui no Brasil. Foi o Mekler que me mostrou que o baixo era o grande instrumento. Pra mim era só violão. Não tinha pilha nem de tocar guitarra. Na época, todos os shows, TODOS, tinham aquele momento, em que a banda saía e ficava só o cantor, que tocava só com o violão. Isso era o filé mignon da apresentação! O Gil ali no Canecão, conversando, aí lembrava uma história, tocava uma música... Cultuava-se esse estilo. Meu sonho era ter o violão Ovation igual ao do Zé Ramalho. Até que um dia deu o click, e o Mekler tem parcela nisso, de que era o baixo. Eu comecei a prestar atenção em todas as músicas que eu gostava. O minimal do Roger Waters, no Pink Floyd...
Na década de 80, eu tenho que dar crédito para dois discos. Logo depois do “Ghost in the machine” teve o “Babylon by bus”, do Bob Marley. Esse foi o treme terra mesmo. Eu estava na casa de um amigo meu da faculdade, fumando um, e, até então, eu não conhecia Bob Marley direito. Foi quando ele me mostrou: “cara, ouve esse disco. Meu irmão ouve direto, mas eu não sei qual é a dele”. Primeira música: pá! Segunda música: pow! O “Heathen” foi a música que me ensinou o reggae, tipo quando você anda de bicicleta, saca? Pirei. Comecei a fazer o link na minha cabeça. Pink Floyd , baixo. Police, baixo. Daí Bob Marley... Na Inglaterra eu comprei meu baixo. Só que imagina, eu voltei pra cá com o baixo e foi como chegar com a bola no lugar que não tem nem campo, nem estádio e nêgo não sabia a regra. Charles Miller total. Não tinha interlocutor. Então, o Paralamas sintetizou perfeitamente esse momento dessa geração. Eles têm uma importância muito grande. Foram percussores em muitas coisas e sintetizaram bem uma coisa que, pra mim, era.. porra... Eu morria de inveja do Bi, cara. Tocando baixo, naquela onda meio reggae, meio rock... Era tudo que eu queria. Daí eu cheguei com o baixo em março, estava lendo o (jornal carioca de classificados) Balcão e vi “precisa-se de baixista”. Pensei: “ôpa. É nós”. Lá em Olaria. Cheguei e era a banda do Alvin (Alvin L.), o Rapazes de Vida Fácil.
sm: E quais foram as referências que te fizeram ir tocar lá? Era mais por desespero ou rolava alguma sintonia?
NM: Era new wave. Sei lá, tipo “quem gosta de Blondie, The Clash?”, coisas assim. Eram coisas que eu vinha ouvindo na faculdade. Daí eu voltei da Inglaterra com o cabelo cortado, meio nessa onda de new wave, pós punk. Só não tinha interlocutor...
sm: Fala um pouco da banda... É uma banda que até é possível se achar o verbete nos dicionários de música, mas pouca gente...
NM: É, pouca gente conhece. Não teve muita repercussão. Pra mim foi fundamental. Eu entrei em 1983 e saí no ano seguinte. Mas pra mim foi tudo, porque foi ali que eu virei músico profissional, foi a primeira vez que eu ganhei dinheiro. Antes, a última experiência que eu tinha tido foi no tal festival do Bahiense. A gente começou a ensaiar um repertório, a formatar num estilo, conversar ‘pô, vamos fazer dessa maneira’, e o Alvin, como até hoje é, era um cara super stylish. Sabe muito bem o que quer. Ele me pilhou pra começar a ouvir David Bowie... Foi o exercício de me profissionalizar. Daí, dois meses depois, a gente tocou no Morro da Urca com o Serguei! “Rapazes de Vida Fácil e Serguei”. Num palco a vera, com amplificador, um técnico de som, repertório escrito... aquilo pra mim foi o máximo. Viajamos pra São Paulo... Na época - 83, 84 - rolavam as danceterias. Eram várias na cidade, Metrópolis, Mamute, que ficava na Tijuca... E outra coisa interessante que foi o Cochrane’s Club, na Rua das Palmeiras. Era um bar de uns amigos meus ingleses, que tinham tido um restaurante na Inglaterra, em frente à loja do Malcom McLaren! Uma creperia. Então, eles viram o nascimento DE FATO do punk. Os caras saiam da loja, cheios de alfinetes e vinham comer o quê? Crepe, baratinho, do outro lado da rua. Isso em 76, 77, 78. Em 1981, esse cara veio pro Brasil. Entrou num barco, com a mulher grávida e veio. Alguns meses depois, eles abriram esse pub. Toda a galera moderna ia ali. Vários contratos aconteceram ali. E o som que tocava lá, só tinha lá. O cara veio cheio de cassetes do The Clash, The Damned e de reggae também. Quando eu voltei da Inglaterra, eu estava nessa pilha. E foi lá que a gente conseguiu nosso primeiro contrato. Um dia, pintou o produtor da Polygram por lá. Ele perguntou se a gente não era daquela banda de rock e mandou a gente aparecer na gravadora no dia seguinte. Fomos, Alvin e eu, e fechamos o contrato. Gravamos um compacto, “Adriana na piscina”, uma música que eu fiz com o Sérgio Mekler, e que, depois, o Alvin fez um anexo, forçou a barra de uma parceria, e tudo bem, a gente deixou. Pra mim, essa banda foi tudo. Tanto é que, até hoje, estou casado com uma amiga que o Alvin me apresentou. Pô, gravei com o Ari Carvalhaes, técnico de som lendário. Segundo eu soube, foi ele quem introduziu o baixo elétrico no Brasil. Se você pegar os discos clássicos da Polygram e da Philips, dos anos 60 e 70, tá lá o nome dele.
sm: Mas e aí, quando você saiu, a banda acabou? Por que você saiu?
NM: Não, a banda continuou. Eu comecei a achar que aquilo não estava fazendo a minha cabeça. Eu tinha a coisa do reggae que tinha ficado na minha cabeça, tanto que as minhas linhas de baixo são bem minimal.. Acabei me enchendo o saco. Também não aconteceu nada com esse compacto. No fundo, foi isso. Fizemos vários shows, porque naquela época fazia-se muitos shows. Tocamos no Rose Bom Bom, em São Paulo, que às cinco da manhã servia um café da manhã sensacional. Tocamos também no Rádio Club, Radar Tantã... as casas bacanas de São Paulo. Tocamos em Campinas...
sm: Mas quando você saiu, você limou de vez a idéia de tocar em banda ou ainda continuava com ela? Porque logo depois você começou a fazer o festival Reggae-NEC, não foi?
NM: Não, eu saí dali porque estava achando que não estava fazendo a minha cabeça e porque eu achava que não ia dar em nada. Eu intui. Saí em 84, eles foram até 85 e não aconteceu nada. Gravaram demos, demos e demos, e nada. Eu senti que a missão do Rapazes já tinha sido cumprida na face da terra. Então, pedi minhas contas e fui embora. Daí eu parei de tocar. Como baixista – e eu já me sentia 100% baixista –, você tem que tocar com alguém, né. É diferente de um compositor. Eu nunca fui um... Ao longo do tempo, fui abandonando essa idéia que eu tinha quando era garoto, de virar um compositor, ser um novo Gil, um novo Chico... Mais tarde, de novo com o Sérgio Mekler, ele fez aquele curso de teatro, que veio do Asdrúbal Trouxe o Trombone. Quando o Asdrúbal se separou, cada um montou o seu grupo de teatro, o Cazuza e a Bebel Gilberto eram do da Patrícia Travassos. O Sérgio foi fazer o grupo do Hamilton Vaz Pereira, junto com o Fausto Fawcett e o (Carlos) Laufer. Quando isso deixou de ser um grupo, eles fizeram o lance de performances do Fausto Fawcett. Nessa, eu entrei na parte musical. Então, quando chegou 1986, eu já estava nessa, tocando com o Robôs Efêmeros, que foi uma outra experiência do caralho. Era um lance de performances, que se apresentava em locais que misturavam música com artes plásticas, artes cênicas... Eram verdadeiras óperas... não era uma ópera-rock porque não tínhamos bateria, só eventualmente umas programações que o Laufer fazia. O Laufer tocava guitarra, o Mekler arranhava um Casiotone que ele tinha, e o Fausto delirando na frente. A gente fazia uns grooves de meia-hora. “Kátia Flávia” originalmente era uma música de 30 minutos, com movimentos. Aí ela entrava no 433, a gente entrava num groove, pum! Daí, ela saía do 433 em Copacabana, pum! Entrava na loja Só a Rigor, de aluguel de smoking, outro groove. Então, era uma peça. A gente se apresentou no Mistura Fina, quando ficava na Garcia D’Ávila (em Ipanema), fizemos em São Paulo, fizemos a (casa noturna, famosa no Rio na década de 1980) Crepúsculo de Cubatão, em Copacabana, que foi do caralho... Daí de novo eu voltei a tocar...
sm: Mas e o lance do festival que você organizava...
NM: Pois é, teve outra coisa também... o que aconteceu foi que em 85, eu fui no Sunsplash. Tinha parado com o Rapazes e fiquei com o lance do reggae na cabeça: “Pô, trouxe a bola e até hoje não joguei com ninguém”. Eu costumo dizer que pra fazer reggae no Brasil, eu tive que projetar um estádio, ajudar a construir, ajudar a fazer a grama, a fincar as traves, botar as redes, pintar as linhas, explicar como é que é o jogo, pra aí começar a ter pelada, entendeu? Naquela época reggae, também teve a galera da Lira Paulistana, que eu adorava... Arrigo, Itamar... Itamar, eu adorava. Lembro que, numas férias de julho da faculdade, não tinha nada pra fazer, fui passar um tempo na casa do meu irmão que morava em São Paulo. Na época, conheci o Centro Cultural Vergueiro, que tinha recém inaugurado. Lá, você escolhia o disco tal, sentava numa cadeira, espetava o headphone e ficava escutando aquilo. Lembro de escolher o “Uprising”, que foi o último do Bob Marley. Era difícil de achar. Daí eu fiquei lá. Deu um tempo, chegou um neguinho, pediu pra espetar o headphone dele... Beleza, ficamos lá ouvindo... Dali, saímos juntos pra tomar uma cerveja e conversar... Naquela época, achar uma pessoa que gostasse de reggae, era tipo achar alguém que gostasse de esperanto. De você começar a falar esperanto com a pessoa e a participar, sei lá, de alguma seita bizarra... Tipo: “Você gosta de reggae também? Você conhece Burning Spears? Caralho!!! É mermo? Vamos falar!” Daí trocava telefone... Na época tinha os bottons de reggae, tinha o da folhinha de maconha,... era um lance guerrilheiro, tipo maçom. Reggae era isso. Daí, eu era sozinho. Esse meu amigo inglês, dono do bar, me disse que eu tinha que ver o (filme) “Countryman”. E existia um bar, em Botafogo, que passava vídeos de todo tipo, desde filme cult até ópera, mas principalmente muita música. Um dia o cara lá programou esse filme e eu fui com a galera do núcleo que eu tinha desenvolvido na faculdade, a galera que curtia reggae, para ver. Até hoje esses caras são amarradões em reggae. (risos)
sm: Você estudou o quê?
NM: Economia na UFRJ. Meus companheiros de economia eram esses: Sérgio Mekler, Marcos Suzano...
sm: Tudo economista, né? (risos)
NM: É, é...tudo economista. Tinha mais uns outros malucos também. Nos formamos todos juntos... Todo mundo descobriu reggae junto, fumando maconha junto. A mãe de um viajava, pedia pra trazer tal disco... Ali era o núcleo dos ‘reggueiros’. Quando eu vi o “Countryman”, eu pirei. Daí esse meu amigo inglês, que era meu patrão, me disse: “Pô, você tem que ir à Jamaica. Tem que ir, tem que ir...”
sm: Teu patrão por que?
NM: Ué, porque eu trabalhava no bar... Ih é, não falei. Quando eu sai do Rapazes, eu comecei a trabalhar no Cochrane’s, o pub. Eu era gerente lá. Tinha ficado amigão dele, daí ele me contratou. Foi o primeiro emprego que eu tive. Eu estava terminando a faculdade, saí da banda, fiz até um curso de mercado de capitais, mas estava meio num limbo, daí fui trabalhar lá. Mas esse inglês tinha sido criado em Trinidad e Tobago, amarradão nessa onda caribenha e botou pilha que eu tinha que ir pra Jamaica. Falou que me liberava do trabalho e, em 85, eu fui. Fui pra Jamaica e vi, cara... Pô, vi tudo aquilo acontecendo!! (risos) Na minha frente! Pirei, bicho. Voltei pirado!!! Mas, de novo, não tinha o estádio, não tinha como ter uma banda de reggae em 85, 86. Por isso fiquei tocando com o Fausto, que é um cara demais! Sou fã dele até hoje. Mas no ano de 1986, o Maurício Valladares tinha, digamos assim, se incompatibilizado com a (Rádio) Fluminense e saiu de lá. Levou tudo que ele tinha, e ele era o responsável por toda essa onda black. Uma das locutoras da rádio Fluminense era garçonete desse pub onde eu trabalhava. Na época, ela sabia que eu tinha voltado da Jamaica cheio de disco, e me convidou pra fazer o programa. Foi aí que eu comecei o “Batmacumba”, em 1986, todo sábado. Isso mudou minha vida de novo. Depois do “Babylon by Bus”, foi esse o outro momento. Porque aí formou um tripé que era o programa que eu fiz de 86 a 87, o NEC, que era o Núcleo Experimental de Cultura, no Catete...
sm: É dele que eu estava falando. O que era o NEC?
NM: Era uma programação que toda semana tinha show de reggae.
sm: Mas era numa casa? O que era?
NM: Era um lugar da UNE, no Catete, que liberava um pedaço para o Mauro Leme, um maluco, que fazia a programação. E o Mauro, não sei como, pegou o viés da negritude da galera. E o que tinha de super-ultra novidade com o lance do movimento negro, do IPCN, do Januário Garcia, era o reggae. O terceiro vértice do tripé era o lugar pra shows decentes. Eram em salas de aula, tipo de universidade, toda destruída, o Dom Luiz Rasta montava um PAzinho lá e rolavam os shows pra umas 30 pessoas.
sm: E o nome do festival era Reggae-NEC, certo?
NM: Não era um festival. Esse era o nome do grupo, era uma vibe, uma onda, um centro... O NEC tinha várias coisas, tinha até aula de árabe, mas a facção que bombou lá foi a galera do reggae, o Reggae-NEC. Todo fim de semana tinha programação com shows de bandas lá da Baixada, que eu nem sabia da existência. Lumiar, KMD-5, que depois virou Negril. Então, eu tinha visto todos os grandes artistas na Jamaica em 85 e no ano seguinte estava vendo aqueles malucos aqui do Rio, que eu nem sabia que existiam. Nunca tinha ido à Baixada. Além disso, tinha a possibilidade de fazer os shows no Circo Voador, que eram, de fato, beeem democráticos, diferentemente de hoje em dia. Como as bandas ficavam fazendo os shows/ensaios no Reggae-NEC, depois de um tempo elas começaram a ter condição de fazer um show melhorzinho. E o caminho natural era o Circo. Todo mundo tocou lá, de ruim a ótimo. Era tudo mais tosco. Pra fazer a divulgação, eu rabiscava um negócio, xerocava, ia à redação do Globo, do JB, falava com os jornalistas e na semana seguinte saía lá, bacana, a foto falando do show de reggae. Hoje a gente tem todo esse aparato tecnológico, mais possibilidades de divulgar, ao mesmo tempo que parece que está tudo mais restrito. O Reggae-NEC que era “A” cena, onde você ia, fumava um, passava o dia conversando e, mesmo que não tivesse show, estava todo mundo reunido.
(daqui uns dias, vem a parte 2!)
sm: E quais foram as referências que te fizeram ir tocar lá? Era mais por desespero ou rolava alguma sintonia?
NM: Era new wave. Sei lá, tipo “quem gosta de Blondie, The Clash?”, coisas assim. Eram coisas que eu vinha ouvindo na faculdade. Daí eu voltei da Inglaterra com o cabelo cortado, meio nessa onda de new wave, pós punk. Só não tinha interlocutor...
sm: Fala um pouco da banda... É uma banda que até é possível se achar o verbete nos dicionários de música, mas pouca gente...
NM: É, pouca gente conhece. Não teve muita repercussão. Pra mim foi fundamental. Eu entrei em 1983 e saí no ano seguinte. Mas pra mim foi tudo, porque foi ali que eu virei músico profissional, foi a primeira vez que eu ganhei dinheiro. Antes, a última experiência que eu tinha tido foi no tal festival do Bahiense. A gente começou a ensaiar um repertório, a formatar num estilo, conversar ‘pô, vamos fazer dessa maneira’, e o Alvin, como até hoje é, era um cara super stylish. Sabe muito bem o que quer. Ele me pilhou pra começar a ouvir David Bowie... Foi o exercício de me profissionalizar. Daí, dois meses depois, a gente tocou no Morro da Urca com o Serguei! “Rapazes de Vida Fácil e Serguei”. Num palco a vera, com amplificador, um técnico de som, repertório escrito... aquilo pra mim foi o máximo. Viajamos pra São Paulo... Na época - 83, 84 - rolavam as danceterias. Eram várias na cidade, Metrópolis, Mamute, que ficava na Tijuca... E outra coisa interessante que foi o Cochrane’s Club, na Rua das Palmeiras. Era um bar de uns amigos meus ingleses, que tinham tido um restaurante na Inglaterra, em frente à loja do Malcom McLaren! Uma creperia. Então, eles viram o nascimento DE FATO do punk. Os caras saiam da loja, cheios de alfinetes e vinham comer o quê? Crepe, baratinho, do outro lado da rua. Isso em 76, 77, 78. Em 1981, esse cara veio pro Brasil. Entrou num barco, com a mulher grávida e veio. Alguns meses depois, eles abriram esse pub. Toda a galera moderna ia ali. Vários contratos aconteceram ali. E o som que tocava lá, só tinha lá. O cara veio cheio de cassetes do The Clash, The Damned e de reggae também. Quando eu voltei da Inglaterra, eu estava nessa pilha. E foi lá que a gente conseguiu nosso primeiro contrato. Um dia, pintou o produtor da Polygram por lá. Ele perguntou se a gente não era daquela banda de rock e mandou a gente aparecer na gravadora no dia seguinte. Fomos, Alvin e eu, e fechamos o contrato. Gravamos um compacto, “Adriana na piscina”, uma música que eu fiz com o Sérgio Mekler, e que, depois, o Alvin fez um anexo, forçou a barra de uma parceria, e tudo bem, a gente deixou. Pra mim, essa banda foi tudo. Tanto é que, até hoje, estou casado com uma amiga que o Alvin me apresentou. Pô, gravei com o Ari Carvalhaes, técnico de som lendário. Segundo eu soube, foi ele quem introduziu o baixo elétrico no Brasil. Se você pegar os discos clássicos da Polygram e da Philips, dos anos 60 e 70, tá lá o nome dele.
sm: Mas e aí, quando você saiu, a banda acabou? Por que você saiu?
NM: Não, a banda continuou. Eu comecei a achar que aquilo não estava fazendo a minha cabeça. Eu tinha a coisa do reggae que tinha ficado na minha cabeça, tanto que as minhas linhas de baixo são bem minimal.. Acabei me enchendo o saco. Também não aconteceu nada com esse compacto. No fundo, foi isso. Fizemos vários shows, porque naquela época fazia-se muitos shows. Tocamos no Rose Bom Bom, em São Paulo, que às cinco da manhã servia um café da manhã sensacional. Tocamos também no Rádio Club, Radar Tantã... as casas bacanas de São Paulo. Tocamos em Campinas...
sm: Mas quando você saiu, você limou de vez a idéia de tocar em banda ou ainda continuava com ela? Porque logo depois você começou a fazer o festival Reggae-NEC, não foi?
NM: Não, eu saí dali porque estava achando que não estava fazendo a minha cabeça e porque eu achava que não ia dar em nada. Eu intui. Saí em 84, eles foram até 85 e não aconteceu nada. Gravaram demos, demos e demos, e nada. Eu senti que a missão do Rapazes já tinha sido cumprida na face da terra. Então, pedi minhas contas e fui embora. Daí eu parei de tocar. Como baixista – e eu já me sentia 100% baixista –, você tem que tocar com alguém, né. É diferente de um compositor. Eu nunca fui um... Ao longo do tempo, fui abandonando essa idéia que eu tinha quando era garoto, de virar um compositor, ser um novo Gil, um novo Chico... Mais tarde, de novo com o Sérgio Mekler, ele fez aquele curso de teatro, que veio do Asdrúbal Trouxe o Trombone. Quando o Asdrúbal se separou, cada um montou o seu grupo de teatro, o Cazuza e a Bebel Gilberto eram do da Patrícia Travassos. O Sérgio foi fazer o grupo do Hamilton Vaz Pereira, junto com o Fausto Fawcett e o (Carlos) Laufer. Quando isso deixou de ser um grupo, eles fizeram o lance de performances do Fausto Fawcett. Nessa, eu entrei na parte musical. Então, quando chegou 1986, eu já estava nessa, tocando com o Robôs Efêmeros, que foi uma outra experiência do caralho. Era um lance de performances, que se apresentava em locais que misturavam música com artes plásticas, artes cênicas... Eram verdadeiras óperas... não era uma ópera-rock porque não tínhamos bateria, só eventualmente umas programações que o Laufer fazia. O Laufer tocava guitarra, o Mekler arranhava um Casiotone que ele tinha, e o Fausto delirando na frente. A gente fazia uns grooves de meia-hora. “Kátia Flávia” originalmente era uma música de 30 minutos, com movimentos. Aí ela entrava no 433, a gente entrava num groove, pum! Daí, ela saía do 433 em Copacabana, pum! Entrava na loja Só a Rigor, de aluguel de smoking, outro groove. Então, era uma peça. A gente se apresentou no Mistura Fina, quando ficava na Garcia D’Ávila (em Ipanema), fizemos em São Paulo, fizemos a (casa noturna, famosa no Rio na década de 1980) Crepúsculo de Cubatão, em Copacabana, que foi do caralho... Daí de novo eu voltei a tocar...
sm: Mas e o lance do festival que você organizava...
NM: Pois é, teve outra coisa também... o que aconteceu foi que em 85, eu fui no Sunsplash. Tinha parado com o Rapazes e fiquei com o lance do reggae na cabeça: “Pô, trouxe a bola e até hoje não joguei com ninguém”. Eu costumo dizer que pra fazer reggae no Brasil, eu tive que projetar um estádio, ajudar a construir, ajudar a fazer a grama, a fincar as traves, botar as redes, pintar as linhas, explicar como é que é o jogo, pra aí começar a ter pelada, entendeu? Naquela época reggae, também teve a galera da Lira Paulistana, que eu adorava... Arrigo, Itamar... Itamar, eu adorava. Lembro que, numas férias de julho da faculdade, não tinha nada pra fazer, fui passar um tempo na casa do meu irmão que morava em São Paulo. Na época, conheci o Centro Cultural Vergueiro, que tinha recém inaugurado. Lá, você escolhia o disco tal, sentava numa cadeira, espetava o headphone e ficava escutando aquilo. Lembro de escolher o “Uprising”, que foi o último do Bob Marley. Era difícil de achar. Daí eu fiquei lá. Deu um tempo, chegou um neguinho, pediu pra espetar o headphone dele... Beleza, ficamos lá ouvindo... Dali, saímos juntos pra tomar uma cerveja e conversar... Naquela época, achar uma pessoa que gostasse de reggae, era tipo achar alguém que gostasse de esperanto. De você começar a falar esperanto com a pessoa e a participar, sei lá, de alguma seita bizarra... Tipo: “Você gosta de reggae também? Você conhece Burning Spears? Caralho!!! É mermo? Vamos falar!” Daí trocava telefone... Na época tinha os bottons de reggae, tinha o da folhinha de maconha,... era um lance guerrilheiro, tipo maçom. Reggae era isso. Daí, eu era sozinho. Esse meu amigo inglês, dono do bar, me disse que eu tinha que ver o (filme) “Countryman”. E existia um bar, em Botafogo, que passava vídeos de todo tipo, desde filme cult até ópera, mas principalmente muita música. Um dia o cara lá programou esse filme e eu fui com a galera do núcleo que eu tinha desenvolvido na faculdade, a galera que curtia reggae, para ver. Até hoje esses caras são amarradões em reggae. (risos)
sm: Você estudou o quê?
NM: Economia na UFRJ. Meus companheiros de economia eram esses: Sérgio Mekler, Marcos Suzano...
sm: Tudo economista, né? (risos)
NM: É, é...tudo economista. Tinha mais uns outros malucos também. Nos formamos todos juntos... Todo mundo descobriu reggae junto, fumando maconha junto. A mãe de um viajava, pedia pra trazer tal disco... Ali era o núcleo dos ‘reggueiros’. Quando eu vi o “Countryman”, eu pirei. Daí esse meu amigo inglês, que era meu patrão, me disse: “Pô, você tem que ir à Jamaica. Tem que ir, tem que ir...”
sm: Teu patrão por que?
NM: Ué, porque eu trabalhava no bar... Ih é, não falei. Quando eu sai do Rapazes, eu comecei a trabalhar no Cochrane’s, o pub. Eu era gerente lá. Tinha ficado amigão dele, daí ele me contratou. Foi o primeiro emprego que eu tive. Eu estava terminando a faculdade, saí da banda, fiz até um curso de mercado de capitais, mas estava meio num limbo, daí fui trabalhar lá. Mas esse inglês tinha sido criado em Trinidad e Tobago, amarradão nessa onda caribenha e botou pilha que eu tinha que ir pra Jamaica. Falou que me liberava do trabalho e, em 85, eu fui. Fui pra Jamaica e vi, cara... Pô, vi tudo aquilo acontecendo!! (risos) Na minha frente! Pirei, bicho. Voltei pirado!!! Mas, de novo, não tinha o estádio, não tinha como ter uma banda de reggae em 85, 86. Por isso fiquei tocando com o Fausto, que é um cara demais! Sou fã dele até hoje. Mas no ano de 1986, o Maurício Valladares tinha, digamos assim, se incompatibilizado com a (Rádio) Fluminense e saiu de lá. Levou tudo que ele tinha, e ele era o responsável por toda essa onda black. Uma das locutoras da rádio Fluminense era garçonete desse pub onde eu trabalhava. Na época, ela sabia que eu tinha voltado da Jamaica cheio de disco, e me convidou pra fazer o programa. Foi aí que eu comecei o “Batmacumba”, em 1986, todo sábado. Isso mudou minha vida de novo. Depois do “Babylon by Bus”, foi esse o outro momento. Porque aí formou um tripé que era o programa que eu fiz de 86 a 87, o NEC, que era o Núcleo Experimental de Cultura, no Catete...
sm: É dele que eu estava falando. O que era o NEC?
NM: Era uma programação que toda semana tinha show de reggae.
sm: Mas era numa casa? O que era?
NM: Era um lugar da UNE, no Catete, que liberava um pedaço para o Mauro Leme, um maluco, que fazia a programação. E o Mauro, não sei como, pegou o viés da negritude da galera. E o que tinha de super-ultra novidade com o lance do movimento negro, do IPCN, do Januário Garcia, era o reggae. O terceiro vértice do tripé era o lugar pra shows decentes. Eram em salas de aula, tipo de universidade, toda destruída, o Dom Luiz Rasta montava um PAzinho lá e rolavam os shows pra umas 30 pessoas.
sm: E o nome do festival era Reggae-NEC, certo?
NM: Não era um festival. Esse era o nome do grupo, era uma vibe, uma onda, um centro... O NEC tinha várias coisas, tinha até aula de árabe, mas a facção que bombou lá foi a galera do reggae, o Reggae-NEC. Todo fim de semana tinha programação com shows de bandas lá da Baixada, que eu nem sabia da existência. Lumiar, KMD-5, que depois virou Negril. Então, eu tinha visto todos os grandes artistas na Jamaica em 85 e no ano seguinte estava vendo aqueles malucos aqui do Rio, que eu nem sabia que existiam. Nunca tinha ido à Baixada. Além disso, tinha a possibilidade de fazer os shows no Circo Voador, que eram, de fato, beeem democráticos, diferentemente de hoje em dia. Como as bandas ficavam fazendo os shows/ensaios no Reggae-NEC, depois de um tempo elas começaram a ter condição de fazer um show melhorzinho. E o caminho natural era o Circo. Todo mundo tocou lá, de ruim a ótimo. Era tudo mais tosco. Pra fazer a divulgação, eu rabiscava um negócio, xerocava, ia à redação do Globo, do JB, falava com os jornalistas e na semana seguinte saía lá, bacana, a foto falando do show de reggae. Hoje a gente tem todo esse aparato tecnológico, mais possibilidades de divulgar, ao mesmo tempo que parece que está tudo mais restrito. O Reggae-NEC que era “A” cena, onde você ia, fumava um, passava o dia conversando e, mesmo que não tivesse show, estava todo mundo reunido.
(daqui uns dias, vem a parte 2!)
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Outras entrevistas do sobremusica:
_Gram
_Renato Martins (Canastra)
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Divirta-se e parabéns se você chegou até aqui!
4 Opine:
Parte 2, já!
Realmente,
Pessoas que agem não são devidamente reconhecidas pela mídia.
Quem conhece a história do Nelson sabe o quanto ele já fez e faz pela nossa música.
Nota dez pela entrevista
Ouvi o nome do Nelson Meirelles um dia desses e vim vasculhar sobre ele... como o próprio diz... "pirei"...
correndo pra 2ª parte.
Nao sabia que o cara eh tao importante assim... Parabens pra ele! "pirei" (2)
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