CEP 20.000 :: Chelpa Ferro, Os Outros, Gabriel Muzak, etc
Seria cretino não admitir que foi a minha primeira vez no tradicionalíssimo CEP 20.000. Foi e foi sem querer. Na verdade, eu nem sabia que o show do Chelpa Ferro aconteceria dentro do CEP (Centro de Experimentação Poética). Só sabia que ia acontecer no Sérgio Porto. Fiquei surpreso e feliz ao abrir a porta e dar de cara com aquele cartaz amarelo, de letras vermelhas que indicavam o nome do evento. Era como se eu tivesse pagando uma velha dívida comigo mesmo. Na verdade, não sei nem bem a(s) razão(ões) que ao longo do tempo me fizeram nunca ter ido dar um confere no famoso evento organizado pelo poeta Chacal. Na verdade, uma vez eu até tinha chegado a ir, mas por alguma razão acabei não entrando. Nunca ter ido ao CEP era um lance meio pra se esconder. Trabalhando nessa área de música, cultura independente, isso é tão vergonhoso quanto admitir que nunca beijou ninguém aos 16 anos. Quem passou (passa ou passar) por isso me entende(rá).
Mas enfim, uma vez lá, feliz fiquei. Em quem chega desavisado, rapidamente se instala a sensação de ter voltado uns 30, 40 anos no tempo, dentro daquela nostalgia do que não se viveu. Pra quem tem menos de 30 primaveras, as décadas de 1960 e 1970 são uma quimera estranhamente excitante. O clima do CEP 20000 me lembrava tudo o que não vivi naquelas reuniões subversivas, de artistas marginais, muitos malucos, pouco sentido, algumas surpresas, algumas promessas. Arte em estado bruto. Já cheguei ouvindo uma discussão sobre psicodelia e lucidez. O que era mais profícuo? O papo corria como se uma decisão maniqueísta, sobre qual dos dois estados espirituais/mentais era melhor, fosse solucionar os problemas do mundo. “Será que o Chelpa já tinha tocado?”, pensava eu. Não conhecia ninguém ali. Não sabia pra quem perguntar. "E com vocês, Os Outros!”, bradou Chacal. A banda disse que ainda não dava pra começar e continuou arrumando o som por mais alguns minutos. Enquanto isso, microfone aberto, idéias rolando. Deu uns minutinhos e o show começou.
Os Outros é a banda do jovem-chato do programa Comentário Geral, da TVE, o tal do Vítor Paiva. Não conheço o rapaz, pode até ser que ele seja gente-boa, mas as intervenções que ele faz na tv, com seus pensamentos rasos, são pra lá de entediantes. Ao lado de cabeças-pensantes bacanas, Vítor tece comentários inteligentes, mais tristes que os de uma puta no Barbarella às sete. E já que citei Cazuza, vale dizer que ele está de volta. Depois do Rockz (que eu vi no mesmo Sérgio Porto, há algumas semanas), Os Outros também trazem uma onda meio assim. As letras vão pela onda dos exageros do amor e do cinismo. As interpretações vocais também têm umas deixas meio cazuzianas, mas falta paixão ao contido crooner. Se ele se jogar mais inteiro no rock’n roll - sobretudo no aspecto cênico - a banda tende a ganhar. As letras são legais, melhores do que o que Vítor fala na tv. De repente, as letras até são dele e, se for, vai nessa garoto! A banda é legal, divertida e todos se saem relativamente bem, com destaque para Papel, o guitarrista advindo do Fazenda Modelo.
Não queria falar de novo do Vítor Paiva, porque vai começar a parecer perseguição e eu não tenho nada contra o coitado. Juro! Só não gosto do que ele fala na tv. Mas a camisa dele com as inscrições “Eu sou Clichê” é das coisas mais babacas e pernósticas que se pode ver por aí. A preocupação em defender o clichê é o tipo da coisa malandrita (e malandrita é aquela coisa que, não só é metida a malandrinha, a espertinha, mas ainda junta a característica da escrotidão à sua definição), de querer ser diferente, numa onda que eu não sei explicar, mas que é chata. O clichê é bacana quando ele é sincero. E a sinceridade não precisa de defesa. Usar o clichê porque se defende a bandeira do clichê é tão chato quanto fugir do clichê, só porque não se quer parecer comum. Os sentimentos e percepções devem passar além desse parâmetro. A palavra clichê só serve para se colocar a forma à frente do conteúdo. É a forma pela forma. É não se preocupar com a medida real das coisas em troca de parecer com algo ou não. É uma inversão estúpida de pensamento. O clichê não está aí para ser defendido e, sim, para ser praticado, se for o caso. Aquela camisa falava direto com o Vítor que se apresenta na televisão. Mas a julgar pela banda dele, creio que ele pode se soltar de certos equívocos e corrigir o rumo da nau. Abração, Vítor! De coração, tudo de bom!
Nos intervalos dos shows, rolavam aquelas intervenções poéticas bacanas. Teve um rapaz com esses bigodinhos (ridículos) que andam por aí ameaçando-nos a todo momento de virarem moda, com um triângulo na mão, repentiando bem. O cara era bom, engraçado. Acho que o nome dele era Daniel, mas peço desculpa se não acerto por ora. Cara talentoso, divertido, cênico e com um bom texto. Foi o destaque poético da noite. Não vou me alongar nessa seara, pois não me sinto hábil. Vou continuar na tal da música, onde escorrego menos, ok?
Depois dOs Outros, rolou o Gabriel Muzak. Com a banda voadora composta pelo (excelente) baterista Lourenço Almeida (da banda do D2) e o baixista-dread Guila (Lenine), o pau comeu. A outra grande estrela da apresentação foi Yan. Um campeão que foi o centro de palco (como mostra a foto), tocou guitarra, bagunçou o coreto. Boa apresentação, porém curta. Podia ter rolado mais uma ou duas músicas.
Por fim, o coletivo Chelpa Ferro. A minha vontade de vê-los ressurgiu na conversa com Nélson Meirelles. Ele falou tanto do Sérgio Meckler, que deixou uma puta vontade de saber quem era esse sujeito. Quando o show começou, descobri o pior: eu já conhecia o cara. Explico-me: eu vi quem era o tal do “Serginho”, quando Chacal assim o chamou, enquanto fazia o discurso que anunciaria a banda. Então lembrei que há três ou quatro semanas, depois do show do Arto Lindsay, saí para um rápido jantar com a trupe comandada por Hermano Vianna. Sentado ao lado do gênio Ronaldo Lemos, conversávamos com o rapaz que estava à sua frente. Era o tal do Sérgio Meckler. Papo de bar, daqueles que você conversa, mas nem se liga de perguntar o nome da pessoa que está ali, servindo de interlocutor. Acho que o Sérgio não lembra de mim, pois passou algumas vezes ao meu lado e não esboçou reação. Normal. Na verdade, eu lembrava dele mais pelo fato de tê-lo achado parecidíssimo com o Cacá Diegues. Nossa conversa foi curta. Papo de bar. No palco, ao lado de Sérgio, outro camarada com quem também troquei poucas palavras, também há cerca de um mês, também na mesa de um bar da Gávea. Barrão, artista plástico, homem das capas de alguns disco dos Paralamas, amigo do amigo Raul Mourão, também artista-plástico paralâmico. Somava-se aos dois o também artista plástico Luiz Zerbini. Chico Neves, outro membro do Chelpa não compareceu. A apresentação foi feita junto com o duo Duplexx (Rodrigo Bartolo e Léo Monteiro).
Antes da apresentação, Chacal citou a observação de Chico Buarque que parece ter sido tomada como profecia, de que a canção pode estar acabando e vá ficar na história como formato tradicional da música no século XX. Vejo muitos dons e talentos em Chico, mas não acho que ele encarne o Nostradamus, nem se pretenda como tal. Os ruídos do Chelpa Ferro não me levaram a lugar nenhum. Assim como muitos pintores aclamados pela crítica pintam quadros em que minha rasa percepção não enxerga nada além de uma bagunça de pinceladas sem rumo, o som do Chelpa não repercutia em mim. Certa vez, o Marcelo Camelo disse (ainda que talvez ele tenha ‘roubado’ a idéia de alguém) que a arte só faz sentido quando ela serve de gatilho para algo que já estava dentro de quem a recebe. Eu concordo e acho que eu não tenho em mim algumas coisas que artistas elogiadíssimos esperam que eu tenha. A arte deles não encontra correspondência dentro de mim e permanece estéril. Fiquei até o fim da apresentação do Chelpa, que acabou pouco depois das 22hs, a espera do disparo do gatilho. Não rolou. Como no Sérgio Porto, o som tem que parar às 22hs, Chacal avisou que era a hora e, então, o grupo parou. Se tivesse parado cinco minutos antes ou cinco depois, acho que ninguém teria sentido a diferença. O grande Antonio Abib, meu amigo, não aprofundado em música, ainda que fã do gênio Almir Guineto, chegou só para o show do Chelpa Ferro e, ao final, disse-me que já tinha visto um show "daquele tipo", mas que "lá (na outra apresentação), eles usavam uns barulhos mais interessantes, diferentes”. E completou perguntando “Aqui foi meio óbvio, né?”. É? Talvez. Sei lá. Pra mim era aquilo... ruído, barulhos de fábricas, noise torto, péin-póin... Eu só não gostei. Mas acredito se alguém me disser que aquilo é bacana.
No fim, o CEP 20000 já me parecia um velho amigo. Qualquer hora a gente se esbarra de novo.
****************
Hoje à noite, eu volto lá no Sérgio Porto. Câmera ligada nesses rapazes que estão aqui, no post de baixo.
1 Opine:
Eu não gosto de Os Outros, mas adorei a camisa. É provocação, e boa. Questiona a originalidade gratuita, sem apuro ou preocupação. Faz pensar, sei lá. É até engraçado que tenha sido usada no mesmo show do Chelpa Ferro, não?
Ah, e cuidado para não transformar o MopTop no sobremusica em CSS no Lúcio Ribeiro. Embora eu torça para que eles façam as mesmas turnês, rerrê.
(É uma vergonha mesmo nunca ter ido ao CEP...)
Postar um comentário
<< Home