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Bernardo Mortimer
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Bruno Maia
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5.11.06

Conversa com Nélson Meirelles (3)

(Para ler o que rolou antes: Parte 1; Parte 2)

sobremusica: E como foi esse “lendário” primeiro ensaio dO Rappa?

Nélson Meirelles: Foi aqui na Real Grandeza, em Botafogo, no Eco Sound. “Quais as músicas de referência?” Era “Selvagem”, dos Paralamas. Ligou todo o tipo de gente. Branco, preto, novo, velho, gordo, magro, tudo... Era o telefone da minha casa. Nêgo ia ligando e eu ia marcando. Eu conversava, sacava as referências do cara, falava de algumas tipo Public Enemy, Burning Spears ou Black Uhuru, e uma outra coisa lá...


sm: Chili Peppers?

NM: É, talvez. Já pra radicalizar! Pro cara já vir meio torto! (risos) E aí rolou.

sm: E vcs sacaram logo que o Falcão era o cara?

NM: Pô, foi. Ele era o último, cara! A minha mulher conheceu ele antes, porque ela estava no corredor, esperando pra terminar, antes de irmos embora. Ela que conta que o Falcão tava nervosão, ouvindo a música, decorando, andando de lá pra cá, cantarolando. Ela falava: “Calma, garoto. Vai dar tudo certo...” e eles brincam até hoje com isso. É o “T-zero”, o instante antes de encontrar a gente.

sm: E ele sabia quem era o Nélson Meirelles?

NM: Acho que no anúncio do RioFanzine tinha lá que era o Nélson Meirelles, ex-Rapazes de Vida Fácil, produtor do Cidade Negra... Mas ele não sabia quem eu era.

sm: Mas ele sabia que era uma chance bacana pra ele.

NM: Sim, sim. Eu falei com ele por telefone. Isso foi em 93. O Rappa foi meteórico. O anúncio saiu em abril, ficamos em maio e junho formatando, e fomos fazer shows. Fizemos o Torre de Babel, que era onde hoje fica o restaurante Yemanjá, em Ipanema. Fizemos Jazzmania, que foi arrasador. O primeiro foi na UERJ, com uma galera bizarra, do naipe de metais, uns amigos que o Yuka arrumou...

sm: Funcionou?

NM: Não. (risos). Mas foi o show em que eu vi o Falcão se transformando no palco. Perdeu o sapato, pulou na platéia. Pensei: “Isso é bom”. Mas os caras dos metais...pfff.. Eu falei com o Yuka, eu vinha com a faca do produtor. “Já passei por muita coisa, não tô aqui pra perder tempo, ficar aqui de ‘u-huu, maneiro’... Não. Tô aqui a vera, esses caras não vão tocar comigo.. Lima esses caras”. Nêgo se encachaçando antes do show. E eu e o Lobatinho éramos os mais caxias, nesse sentido. Trabalhar, ganhar dinheiro com música. O Lobatinho já vivia de música e até por isso eu confiava nele pra segurar o rojão, ele não tava de brincadeira. O Yuka sempre foi malucão e a gente tinha que ajudar a acalmar aquela mente dele. Sempre foi super criativo. Eu falei do Sérgio Mekler, mas o Yuka é outra grande referência na minha vida. Pelo talento, o tesão por música... nos conhecemos na Baixada. Eu já falei isso inclusive pro Marcos Paulo, do Digital, que ele me lembra muito o Yuka. Um cara que não fazia concessão e foda-se. Então em 93, nós fizemos uns 6 shows que bombaram loucamente. Veio todo mundo atrás da gente, todas as gravadoras. Alguns já me conheciam e pensavam: “Pô, se ele tá lá é porque deve ser algo direito”. Chegava lá, neguinho pirava, bicho! Era muito outra coisa. Era muito diferente.

sm: E o nome veio de onde?

NM: O primeiro show que a gente fez, no Circo...

sm: O primeiro foi no Circo ou na UERJ?

NM: É, não... O show zero foi na UERJ, o primeiro mesmo foi, depois, no Circo. No ‘zero’, a gente chamava ainda meio que “Conexão Xangô”. Mas no show “um”, já no Circo, tinham três nomes: um na filipeta, um no cartaz e um no jornal. Era Conexão Xangô, Batmacumba e O Rappa. Cão careca também foi uma das possibilidades. Foi o show “um”, com o Rás Bernardo, que estava lançando o disco dele.

sm: Foi no SuperDemo?

NM: Não, mas depois a gente fez o SuperDemo. Eu estava até brincando que rolou o SuperDemo Digital, há uns dois anos, e eu participei de novo. Hahah! Não é pra qualquer um, participar de dois SuperDemo! A gente gravou o disco em 94, durante a Copa do Mundo, mixamos na Inglaterra.

sm: Você foi pra lá mixar? Você ficou até quando na banda?

NM: Cara, foi tudo feito para eu ir. O Paulo Junqueiro, da gravadora, me ligou falando que tinha arrumado duas passagens... Porque eu era o grande interlocutor da banda com as gravadoras. Nós tínhamos feito uma demo pra Sony. A Alice Pellegatti, mulher do Roberto Frejat, era diretora do selo Chaos, onde estavam o Skank, o Gabriel Pensador... Ela queria colocar O Rappa no Chaos e o Cidade Negra estava no Epic, que era o outro selo lá dentro da Sony. A Alice é muito minha amiga, mulher do Frejat, que é primo da minha mulher... Ela pilhava que eu tinha que ir pra lá, que tinha que fazer... Ela convenceu o Ronaldo Viana, que era o assistente do Zé-Mané, do... do... como é que era o nome dele... era...

sm: Era o Éboli?

NM: Não, esse aí é o Ultra Zé-Mané!!! O Zé-Mané que funciona um pouquinho melhor que esse.... era o... Babá... o... Jorge Davidson! Babá era o apelido dele! É um prego do caralho! Só atrasou a vida do Rappa!

sm: Posso escrever isso tudo?

NM: Pode, pode... Eu acho ele um Zé-Mané mesmo. O Ronaldo Viana tinha um caixa pra trazer algumas coisas. E ele resolveu bancar, já que a Alice estava impregnando. Nós fizemos, gravamos três músicas que ficaram fodas. Gravamos “Não vão me matar”, “Take it easy, my brother Charles”... todas entraram no disco. O Rappa foi fulminante! Foi todo mundo pirando, mas a Sony chegou na frente. Nesse ínterim, aquela gravadora do Niemeyer... a... a...

sm: Do Luiz Oscar Niemeyer? BMG.

NM: É, isso aí. Essa era a brega da época, mas ele me conhecia porque ele tinha a produtora que trazia os shows, ele trouxe o Aswad, que o Cidade abriu, e tal.. Ele me disse que soube da minha banda, me chamou lá e me deu o contrato, bicho! Fomos lá conversar e “fulana, bate o contrato pra eles...” Assim! Saímos de lá com o contrato. Mas aí, na saída, ele virou pra mim e falou assim: “Beleza, mas... Pô, esse lance que vocês estão falando de drogas, vamos tirar isso, né...” Daí a galera se olhou assim... (risos) Eu lembro que aí no nosso ensaio lá no Emílio, eu falei: “Galera, deixa comigo. Eu vou lá falar com ele, ver qual é... não tem como rolar isso”. Na época, o Maurício Valladares tinha um selo na BMG, o Plug!, e ficava no mesmo prédio da Sony! Eu disse pro pessoal: “Deixa que eu vou lá, tenho um certo contato com o Niemeyer, e vou falar com ele. Vou falar duas coisas: Número um – eu não quero ficar sob a égide do Miguel Plopschi, que era da BMG careta. Número dois – que eu gostaria de ir para o Plug!, ficar com o MalVal e a gente faz o nosso disco beleza lá”. Pronto. Fui eu. Ele tinha sido ótimo, mostrou as dependências da gravadora pra gente, deu o contrato em branco pra gente ler, mas no final, tinha mandado aquela. Aí eu fui lá e marquei. Quando eu entro na sala com ele, presidente da gravadora, ele fala: “Perái que eu vou chamar aqui o Miguel Plopschi pra participar aqui da nossa reunião...” Pôw! Meu primeiro item da reunião já caiu! Eu ia falar justamente que não queria falar com aquele cara! E acabou que a reunião foi eu e Plopschi, aquele monstro. O Luiz Oscar só olhado pro chão.

sm: E rolou o quê? Só stress?

NM: Não, rolou tipo, “Quem é Gabriel Pensador... Isso não é nada! Eu queria inclusive te mostrar uma referência de reggae interessante...” e pegou o disco do Papa Winnie!!!! Eu falei, “pô, bicho...” Cara, tem hora que dá até trabalho você explicar. Ele estava tão fora do... o que ele veio me trazer de referência era um cara que eu já tinha estourado aqui! Aí eu fui até um certo ponto... Eu falava com a minha experiência, que eu tinha tido como produtor. Eu falava que eu queria ter um orçamento de não sei quanto, queria tantas horas de estúdio... Aí vinha “Não, pra que tantas horas de estúdio?” e tal... Chegou no meio da reunião, me deu um fastio, e ficava só “é”, “isso aê”, “lógico”, “certíssimo”... No final, ele saiu amarradão, achando que tinha fechado o contrato! “Estou vendo que você é um cara que sabe ouvir, sabe entender, não-sei-o-quê,...” e eu só “É! Isso aê! Valeu, um abraço! A gente se fala, héin! Luiz Oscar, lindo! Tamô nessa!” Voltei e falei pros caras da banda “Bicho, esquece essa gente!”. Uma semana depois o Luiz Oscar liga perguntando cadê o contrato. Eu falei; “Luiz Oscar, fico envaidecido de você ter me chamado. Sei que você fez isso porque confia no meu trabalho, mas olha, nada a ver”. Com isso, pintou a idéia da Sony de bancar. Isso foi na mesma época e daí a gente se animou. A Alice estava lá no contexto, diretora do selo, conhecia a gente, pensamos “Pô, vai rolar”. E o Ronaldo adorou a fita também. Ficaram o Ronaldo e a Alice impregnando o Jorge Davidson, o pessoal do Cidade Negra também... E o Jorge Davidson dizendo que “não, já temos duas bandas de reggae na companhia, não precisamos de mais uma” (nota do editor: as duas bandas em questão eram Cidade Negra e Skank). Ele só conseguiu enxergar no Rappa “mais uma banda de reggae”. Talvez por eu estar lá. Não sei. O primeiro disco até é mais reggae do que os outros. Virou o ano, embasou... Pô, a gente com uma demo bancada pelos caras, o assistente do diretor e a diretora do selo querendo... pô, a gente achou que já estava lá. O Jorge Davidson não, não, não... Aí depois do carnaval de 94, o Paulo Junqueiro, que era parceirão do Frejat, foi técnico de som do Barão durante anos e eram cumpadres de Alice e Frejat. Ele ligou pra mim e disse: “Olha, sei de tudo que está rolando, sei que a Alice bancou a fita, eu esperei, esperei, esperei e não está rolando nada. Então agora eu estou te ligando como diretor de companhia. Vamos pra Warner?” Eu falei na hora. “É agora. É nós”. Paulo Junqueiro fortaleceu pra caralho o grupo numa hora, entre o primeiro e o segundo disco, que o Rappa ficou bem bola murcha. Chamaram o Junqueiro e disseram que iam dispensar o Rappa. Ele disse: “se dispensar o Rappa, eu vou junto!”. Cara, isso aí... pô... Eu já tinha até saído da banda, mas...

sm: Você saiu quando? Chegou a fazer turnê com eles?

NM: Fiz. Fizemos o primeiro Sunsplash que teve aqui no Brasil, com Barrington Levy , Damian Marley! O, hoje, grande Damian Marley era um molecote que veio com a mãe... Veio o Third World, veio o Steel Pulse e o Rappa foi o único artista brasileiro. Não foi nem o Cidade Negra!

sm: Bancado pela gravadora?

NM: É. Eles bancaram a infra, mas a gente não ganhou nada pra tocar. Tocamos em cinco ou seis capitais, Rio, São Paulo, Floripa, Porto Alegre e Curitiba. Curitiba foi sensacional!

sm: De novo, né...

NM: Em Curitiba eu tenho uma história sensacional! Só vi casa cheia.

sm: E você saiu quando da banda?

NM: O disco completou um ciclo, final de 94, eu estava meio enrolado com questões familiares, o meu filho nasceu. Ele nasceu durante a mixagem do disco, por isso que eu não fui pra Inglaterra e era isso que eu estava falando. O Paulo Jnqueiro ligou pra mim e falou “Arrumei de você ir pra Inglaterra mixar o disco”. E falei, pô não posso ir agora, meu filho tá pequeninho, não posso largar minha mulher aqui três semanas. “Pô, não acredito que você não quer ir” Querer eu queria, mas como que eu vou? Acho que ele não entendeu. Daí ele arrumou mais uma passagem e foram o Lobato e o Yuka. Foram lá mixar com o (Dennis) Bovell. Chegaram algumas questões minhas mesmo. Eu tinha voltado trabalhar no município, eu sou funcionário da prefeitura... Eu tinha ficado de licença um tempão por causa do Cidade e dO Rappa...

sm: Licença grande, hein.. heheh!

NM: Foi um ano e pouco, nessa mudada de Cidade-Papa Winnie-O Rappa.

sm: Você faz o que no município?

NM: Sou fiscal de renda.

sm: Então você foi o fiscal de renda do Cidade Negra...

NM: É, o meu primeiro ano como fiscal, em 87, eu praticamente não trabalhei com eles. Tinha acabado o meu programa de rádio e eu pedi meu boné no Fausto (Fawcett). Fiquei sem nada pra fazer, muito duro. Sem gig, sem trabalho, recém casado, daí tô andando na rua e vejo: Folha Dirigida – Saiu concurso pro ISS. Pronto. É isso! Desde 88! Foi isso que me bancou pra fazer tudo isso. E isso me trouxe a condição de só fazer coisas com música que eu gosto, acredito e que me dão tesão. Eu nunca precisei ficar no desespero, de fazer meio qualquer coisa...

sm: Mas eu não entendi direto por que você saiu dO Rappa, se é que é algo que você possa falar...

NM: É, nem eu... nem eu entendi direito porque eu saí. Saí porque eu achei que ia demorar um tempo até aquele negócio bombar, eu não estava voltando de uma licença, não ia ter condição de arrumar outra pra ficar meses na estrada, ralando...

sm: Você não estava acreditando muito, na real...

NM: (hesitante) Não... Meu filho tinha acabado de nascer, eu senti que se eu insistisse nessas turnês, nesse pique “on the road”, eu ia acabar me separando de novo da minha mulher... Eu tinha me separado dela e tinha voltado. Nasceu meu filho e começou a me vir um flashback de coisas que eu tinha vivido anos antes e eu fiquei sem força pra continuar naquele pique.

sm: Mas ela nunca te cobrou isso...

NM: É, não... Era uma coisa minha mesmo. Eu saquei que ali não era a minha história.

sm: Chegou a se arrepender?

NM: Não... Hoje eu olho e vejo que foi uma grande sacação minha ter saído dali. Talvez, o que eu imagino, é que se a gente tivesse entrado pela Sony, o Rappa tivesse bombado de cara, como o Skank bombou, como o Gabriel bombou, o Planet... Lógico que dentro da sua dinâmica, do seu ritmo, mas a gente teria tido um arranque muito melhor do que o que nós tivemos na Warner. O arranque foi muito ruim. Porque eu estava num lance meio de grana. Se eu saísse, eu ia ficar sem grana total. Eu estava com uma casa, com um filho pequeno... me deu uma certa... sei lá...

sm: Mas se tivesse dado grana logo de cara, você teria ficado...

NM: Talvez. Talvez... Eu tinha certeza que o Rappa ia rolar, mas eu achava que era um projeto ali pra mais dois anos e foi o que de fato ocorreu. Só no meio do segundo disco é que o grupo... pum! Em 96...

sm: E você nem chegou a participar desse disco, né...

NM: É, nada. E eu nem gosto desse disco. A produção do Liminha salvou o Rappa dentro da gravadora, que tinha tido o lance do Paulo Junqueiro falar “se sair, saio junto”. Ali chamaram o Liminha para apagar o incêndio, assim como chamaram ele para apagar o incêndio do Cidade Negra depois do segundo disco. Na verdade, eu fiquei pensando (rindo), ‘pô, bicho, eu é que sou pé frio e levo as bandas pro buraco. Porque quando eu estava no Cidade, o grupo foi pro buraco. Quando eu estava com o Rappa, também’. Nêgo vira pra mim e fala que eu sou o cara que estourou o Rappa, estourou o Cidade Negra... Eu falo que não, pelo contrário, eu quase botei a perder os dois, porque quando eu estava lá, eu só vi a coisa se fechando, se fechando... E o Liminha veio pra tapar o buraco.

sm: Essa pressão da gravadora sobre o Rappa começou a se dar quando e de que forma?

NM: Eles ficaram meio bolados. Todo mundo que via gostava. Músico que via gostava. Jornalista adorava. O primeiro disco do Rappa teve umas letras fodas e a banda sempre teve isso....

sm: Uma verve lírica, né...

NM: Uma verve... é... os jornalistas fecharam com a gente. Galera de banda, idem. O pessoal da gravadora também... Só não tocava na rádio e não fazia sucesso. O Rappa tocava pouquíssimo. Talvez nós tenhamos tocado mais naquele momento pré-gravadora do que depois que assinou. Aí, cara, a coisa foi indo, foi, foi... Começaram a bancar jabá, fazer remixes... fizeram um remix de “Coincidências e paixões”...Aí começou a bater um certo desespero e eu meio que pulei fora. Eu senti que pra continuar ali, eu teria que vestir totalmente as cores e camisas do Rappa e alguma coisa me fez achar que aquilo era mais uma onda própria do Yuka e que talvez não fosse a tradução total do que eu quisesse. Ainda bem, que se não fosse isso, o Digital Dubs não teria acontecido.

sm: Você participou do processo de escolha do Lauro?

NM: Participei, ele ia lá em casa, eu passava as linhas todas pra ele. O Yuka falou “estou a fim de chamar o Lauro”, eu falei, “beleza, manda ele lá em casa que eu dou toda a pala pra ele”. Ele ficou com meu amplificador, vendi meu baixo, as coisas...

sm: E você resolveu sair da música de vez, de novo...

NM: É, ‘chega, não quero mais música, acabou isso na minha vida, agora sou um homem casado, tenho filho, tenho emprego, chega!’ Aí passei tudo: “Laurinho, música tal é assim...” E ele (ne: imitando uma voz mais aguda): “Pô, Meirelles... tá indo embora mesmo, Meirelles?” (risos) Laurinho é uma peça!

sm: E aí voltastes pra música quando?

NM: Passou um tempo... 95, 96, 97... quando é que eu voltei pra música?

sm: 98, 99...

NM: O Digital começou em 2001... Acho que fiquei esse tempo todo sem fazer nada, sendo ex-músico. Ah!! Eu fui convidado pra ser diretor artístico da Warner, cara... (risos)

sm: Ah, foi? (risos)

NM: Fui. Quando o Paulo Junqueiro foi embora pra Portugal, ele me ligou – isso foi antes do Tom Capone entrar, como eu recusei, foi ele. Deve ter sido em 1997. Estou eu comendo sozinho em casa, sem nada pra fazer de tarde, toca o telefone: “Peraí que o Sérgio Affonso quer falar contigo” Sérgio Affonso era o diretor, abaixo do presidente...

sm: Não tinha o Beto Boaventura ainda não?

NM: Pô... Ouve só. “ô Nelson, você pode vir aqui na companhia?” E eu já pensando “O que que eu fiz, cara? Qual foi a merda que eu deixei que eu não to entendendo?” E ele: “Não, porque a gente quer bater um papo contigo. Vamos ser eu, o Beto Boaventura e o Midani” . Eu pensei “Caralho, que porra é essa?!” Daí eu fui lá, não posso dizer “não” por telefone, que é feio, né... Fui lá, sentei na frente do Midani, que é a lenda e você tem que realmente tirar o chapéu pra ele. Sérgio Affonso e o Beto Boaventura, que esse eu só conhecia de... O Beto é demais, porque ele só morou um ano na Inglaterra e fala português com sotaque até hoje. (risos) O Midani pediu pra contar a minha história, e isso que eu levei duas horas pra te falar, eu falei em vinte minutos. (risos)

sm: E daí você perguntou pra ele ‘por que dessa entrevista?’ ‘vocês tem um site chamado sobremusica?’ (risos)...

NM: Nessa época nem existia nada de Internet, né... O Paulo Junqueiro estava querendo voltar pra Portugal. Ele é português e a mulher também, queriam voltar e ele foi convidado para ser presidente da EMI lá. “Ele disse que você é o cara e a gente queria propor a você ser o nosso diretor artístico”. Aí eu falei que era fiscal de renda e quando eu disse isso o Midani pirou: “Pô, então até ler balanço você vai poder!!”. Ficou certo que eu era o cara. E ele falou um lance que me balançou, cara. Ele, na sua inteligência, falou: “Chega uma hora na vida de uma pessoa, que você tem que saber fazer decisões. Você, de repente, está com tudo para entrar num outro patamar da sua vida e fazer uma outra coisa que você não esperava fazer”. Que é um comentário maravilhoso... Ali, naquele momento, a bola estava quicando assim, tá tá tá...

sm: Quicando e sem goleiro.

NM: Sem goleiro! Eu saí meio catatônico da reunião. Aí o Sérgio Affonso, que era meu presidente até outro dia, falou: “Já sei, o Meirelles não está querendo ter reunião de business, ter aquelas conversas chatas, que você sabe que tem... Mas, olha, isso é uma parcela ínfima do negócio”. Eu saí no corredor e o Paulo Junqueiro já veio, “Olha, minha sala é essa aqui, o banheiro é aqui, você é o cara, você tem visão global, já foi empresário, já foi músico, já trabalhou em gravadora, produziu, subiu num palco...”

sm: Ele tinha razão, né...

NM: A razão era perfeita. O argumento era irrecusável. “Você vai ganhar tanto”. Eu ia ganhar muito mais do que ganhava como fiscal. Você vai ter plano de saúde, carro... Mas eu mandei uma pro Midani, que assim como ele me mandou essa, eu mandei uma foda (risos de comemoração, com os punhos erguidos!) que ele deve ter tremido também: “Midani, eu não tenho dúvidas de que eu posso ser um ótimo diretor artístico. Eu só não tenho certeza se eu seria um diretor artístico feliz”. Hahaha! Aí você leva essa viadagem pro meio da reunião... hahah! Foi nessa que o Sérgio Affonso tentou apagar o incêndio: “Não, lógico. Estou entendendo o que você está falando. Não precisa responder agora... Terça-feira a gente se fala” Isso era uma quinta. Ele sentiu que ia ter que fazer um trabalho de convencimento. O Paulo Junqueiro me apresentou até a Fátima, a secretária dele “oh, vai trabalhar contigo...”, eu já conheci ela... “Bicho, não dá pra perder! Quem é que vai negar”.... Um puta salário, puta posição soci... digamos, na cadeia alimentar da indústria fonográfica. Você está embaixo do leão, tu é a onça. Aí eu chego em casa e neguinho já tá ligando. Marcos Suzano liga: “Aê Nélsão, é nós agora, hein!”. O Frejat liga: “Aê, porra! Caralho! Você é o cara!!”

sm: E o Frejat era da Warner...

NM: É, pois é... Você se vê numa situação de “pô, eu vou ficar controlando o disco do Rappa? Agulhando o produtor por causa do orçamento?” Eu comecei a ver por esses lados práticos que eu sei que existem. Me ligou o Chico Neves dando parabéns, me ligou o Laurinho, da estrada, falando “Aê Meirelles, estou sabendo.. Fala com o Yuka...” Pôs o Yuka pra falar... Eles sentiram que eu saí da reunião meio catatônico, balançado e devem ter dito: “Galera, vamos lá, fala com o cara”. Aí o Frejat, a galera do Rappa, o Suzano, todos que estavam em volta das coisas da Warner... E a minha mulher estava na Argentina. Ela ligou pra mim e eu falei “Fui convidado pra ser diretor artístico da Warner”. E ela “o que você falou?!?!?”. Eu disse que achava que não, mas fiquei de dar uma resposta... “Não fala nada. Espera eu chegar”.. Ela ficou nervosa. Porque era um lance, né...

sm: É, muda a vida, né...

NM: Muda a vida, mas eu não sei se pra pior...

sm: Claro, eu digo que muda a vida em todos os sentidos porque tu mudar até de profissão. Você sai de uma parada e começa outra totalmente...

NM: É, mas ali eu vi que eu ia deixar de ser músico pra sempre, entendeu? Eu já tinha feito um esforço meu de deixar de ser empresário para voltar a ser músico. E eu tinha um lance pra mim de ter me prometido que eu nunca ia virar executivo, que eu nunca ia trabalhar em gravadora. Apesar de hoje ter uma gravadora com o Digital (risos). Mas eu pensei que não dava pra deixar de ser pessoa física pra virar pessoa jurídica. Você tem que ver e ouvir com os olhos de uma gravadora, não com os seus. Eu me lembrei de uma história clássica que eu vi dentro da Sony na época que surgiu aquela bichinha, o... Édson Cordeiro. Surgiu como o cara que canta de ópera a blues e Janis Joplin. Pra mim aquilo sempre foi a mulher barbada do circo, pirotecnia. O diretor da CBS/Sony, o Sérgio Lopes, falou pro assistente dele, na época, o Cláudio Campos, ir ver o show dele com a autorização de se for bom, contratar. O Sérgio Lopes foi o diretor artístico que me contratou. O cara foi lá e falou: “Sérgio Lopes, esquece, é uma merda”. O que aconteceu? Foi outra gravadora lá, contratou e estourou o cara. Ele fez um ou dois discos que chamaram a atenção, mas daí nêgo viu que não saía mais nada dali. Enfim, mas qual o ensinamento que se tira? O cara foi lá, viu, e falou “isso é ridículo, vaza”. Foi lá a outra gravadora, assinou e ganhou o dinheiro. Quem tá certo? Quem tá errado? O que se diz disso? Eu tenho claramente que esse é o papel de um diretor artístico. Ele é pessoa jurídica. Pode detestar aquele pagode, mas se o troço tá vendendo, ele tem a obrigação de contratar. Eu não quis fazer esse papel.

sm: E acabou que o Tom Capone fez esse papel com muito êxito, né...

NM: É, só que ele arrumou uma fórmula de fazer, que eu nunca tinha visto ninguém fazer e acho que ninguém mais vai fazer. Ele nem ia à gravadora. Inclusive ele produzia discos para outras gravadoras e a Warner arrumou um desespero.

sm: É. Parece que o último que ele ia fazer nesse esquema era o Cosmotron, do Skank, mas logo depois, ele acabou morrendo.

NM: Ele estourou vários artistas fora, deu munição pra várias concorrentes. É incrível. Eu nunca vi isso como uma missão possível. E ele era um gênio. Workaholic, um talento do caralho, eu nunca faria um décimo do que ele fez. Então achei que, mais uma vez, eu acertei tanto pra mim, quanto pra gravadora. Foi isso que eu fiz, entre o Rappa e o Digital, meu grande momento foi... Daí eu passei dias andando na rua assim, né (risos, cara de orgulhoso)... Pô, o salário era equivalente a uns 15, 20 mil. Eu não quis nem saber! Terça-feira era o prazo. Na segunda à noite, eu não agüentava mais. Minha mulher já tinha chegado e eu não agüentava mais dormir com isso. Liguei pro celular do Sérgio Affonso, ele estava no carro junto com o Yuka. “E aê Meirelles! Beleza...” Eu disse: “olha cara, porque a gente tinha combinado de se encontrar amanhã, mas eu não quero nem chegar até lá. Quero parar por aqui mesmo. Não quero, não vai dar”. Ele virou e mandou “Qué isso? Peraí.. mas você não quer nem saber quanto é que é? Não se falou de dinheiro nunca! Mas eu soube depois..

sm: Mas você tinha idéia, né...

NM: Tinha idéia de que era uns 10 paus, mas salário indireto, uns 15 e nêgo achou que eu estava fazendo um doce e que casavam até uns 20 paus pra eu ganhar. Isso final dos anos 90! Imagina a grana que era.

sm: Porra, 1997 era quase 20 mil dólares, né...

NM: Big shot! Somando tudo, com carro, gasolina, somava um pacote que podia chegar quase em 20 mil. Ele falou meio sem entender: “Mas você não quer nem ouvir a proposta?” Eu disse, “cara, eu não quero nem ouvir, porque senão eu vou aceitar e eu não quero aceitar” (risos). Ele não acreditou, cara. O Yuka estava do lado. Eu fiquei como o grande maluco. Mas eu tenho certo orgulho de ter recusado. Aí abandonei de novo a música.


***********************
Acreditem se quiser, mas ainda não acabou! Semana que vem, a última parte da conversa com essa lenda.

9 Opine:

At 16:47, Anonymous Anônimo said...

Parte 4, cadê?!?!?

 
At 12:12, Blogger André Monnerat said...

Muito boa a entrevista, hein?

 
At 12:12, Blogger marco homobono said...

bruno e bernardo. tô sem palavras.
caralho! essa é uma das melhores entrevistas que eu li na minha vida.
parece até um livro do paulo coelho. não se consegue parar de ler.
maldade foi dividir em 4 partes, hein?
transcrever isso também não deve ser moleza!
abraços sinceros.

 
At 20:49, Blogger Bruno Maia said...

Homobono e Monnerat,

eu que agradeço a visita e os elogios. Agradeço mais ainda os frequentes comentários que você deixa aqui...

A entrevista foi ótima realmente e decupar essas horas todas de entrevista me deu muito trabalho. Só que, sem péla-saquice, a história é demais. Assim como vc tá lendo e nao queria parar, quando eu decupava também não queria parar... O Nélson é uma lenda viva, é um absurdo que se procure na internet e não se ache nenhuma entrevista com ele! É muito bom entrevistar gente que tem o que dizer e embarca na idéia de conversar. Foi uma das melhores entrevistas que eu fiz, sem sombra de dúvidas.

Agradeço os elogios, mas repasso todo o mérito disso para o Nélson!

A última parte entra no ar ainda essa semana! Preparem-se, heheh! É uma das minhas favoritas...

 
At 13:00, Blogger Joca said...

tb estou ansisoso... heheh

abraços,

Joca.

 
At 16:33, Blogger marco homobono said...

brunão, só o fato de você ter tido o insight dessa entrevista já revela que vocês têm um bom faro. eu não tinha me tocado de que o nélson não tinha uma entrevista rolando por aí. isso é uma injustiça, né?
parabéns de novo.

 
At 19:02, Anonymous Anônimo said...

ADMIRO MUITO ESSE CARA,
UMA EXPERIÊNCIA VIVA DE QUE SÓ SOMOS FELIZES NAQUILO QUE GOSTAMOS DE FAZER.
ELE É UM EXEMPLO DE PAI E MARIDO...
SEM DÚVIDA UM BOA PRAÇA...
E É SIMPLES PRA CARAMBA!!!

 
At 19:58, Blogger Bruno Maia said...

Acho que esse fim-de-semana ainda eu coloco a parte 4. Já tá prontinha, heheh! É a última...

 
At 16:33, Anonymous Anônimo said...

tb quero a parte 4

 

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