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Bernardo Mortimer
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19.11.06

O Que Será Do Amanhã

Fijazzofia





       Tava passeando pelo trabalho sujo, quando parei nisso aí, e fui dar uma olhada. Desmascarados, os franceses do Daft Punk, há dez anos, fazem improvisos com bases eletrônicas que provocam – e eu não sou de hipérboles – histeria nos americanos de Wisconsin. Há dez anos.
      Fiquei pensando em um papo que voltei a ter com o Bruno, outro dia, sobre a música eletrônica não bater nele, e da dependência (eita palavrinha ruim) do uso de drogas para a percepção da onda de um tipo de música, essas coisas. Não vou entrar no assunto, cada um já sabe o que pensa hoje, e só vai saber amanhã o que pensar amanhã.
       O lance é que me vieram à mente os solos do bebop, gravados sessenta anos atrás. E eu fiquei viajando se a resposta do público seria a mesma naquela época. Daft Punk seria um equivalente à Dizzy Gillespie, na procura por novas fronteiras. Outros tempos, outras platéias, mas um passarinho Charlie Parker me contou que anfetamina não faltou na década de 40.


       Isso tudo porque, na verdade, o que me tem ocupado a cabeça é o trailer do “Before the music dies”, que eu vi no urbe. Fora the Roots e Erikah Badu, tinha o Branford Marsalis questionando a Internet para a música. É um trailer, não é o filme, mas ele diz lá: “today Ray Charles wouldn’t get signed, today Stevie Wonder wouldn’t get signed: they’re blind”. (Hoje, nem Ray Charles, nem Stevie Wonder: eles são cegos.) O sentido, que quem dá é a edição, que fique claro, é o de que em uma nova lógica que privilegia o formato canção (e o hit, por conseguinte) não haveria mais espaço para experimentar, sair da moda, questionar, seguir a própria viagem, subverter ou ignorar o hype. Cegos, mesmo que geniais, estariam fora do novo sistema. Questão boa para discussão.

       Branford é um saxofonista de linhagem nobre no jazz, filho do pianista Ellis, irmão de Delfeayo, e – o centro da questão – irmão de Wynton Marsalis. Para quem não conhece, Wynton foi o trompetista prodígio que liderou o surgimento dos chamados young lions, jovens recém saídos das universidades, de olho em décadas anteriores, 50 e 60 em especial. Courtney Pine, Roy Hargrove, Joshua Redman, Nicholas Payton, David Sanchez, Cyrus Chestnut, você já pode ter ouvido falar. Eram vistos como a garantia de um futuro para o jazz, pensavam as mentes conservadoras. Disciplinador e radical, Wynton foi adotado pela imprensa especializada. Era um contraponto às experimentações de Herbie Hancock e Miles Davis, na época.
       O sucesso em uma onda de repopularização do jazz credenciou o trompetista a defender o lema de que o jazz é a música clássica da América, um mérito que hoje recebe críticas por uma possível “academicização” do improviso, e por um injusto assassinato da diversão no gênero. O fato é que com a popularização do acid jazz, em meados de 90, os principais talentos dos young lions partiram para experiências com bases eletrônicas, djs, levadas de reggae, samples, e tudo o mais. Fora discos individuais, dá para citar os encontros organizados pelo rapper Guru no projeto de trás álbuns Jazzmatazz, ou mesmo o Bukshot LeFonque, de Branford Marsalis.
       Pois bem, o ponto aqui é a briga, de 85, quando Wynton não aceita a ida de Branford para a banda de Sting. Era uma concessão grande demais para o pop, blablablá. Branford foi adiante: faz filmes com Spike Lee e Danny De Vito. Vira celebridade em 92, ao assumir a banda do Late Show do Jay Leno, um dos maiores talk shows americanos. Um ano antes, Wynton assumia a Lincoln Jazz Orchestra. E dois anos depois, Branford conduzia a experiência de uma banda de música – assim, sem ser de jazz ou de hip hop ou de reggae.

       Isso tudo para deixar claro: Branford não é bobo, nem tem a cabeça fechada. Se está preocupado, certamente pensou muito no assunto. E pensou do ponto de vista de um músico, não de uma estrela da indústria, ou de alguém que planeja ocupar esse posto. No jazz, os discos são gravados com mais facilidade (falo de processo burocrático/relação com a empresa), não é incomum que em um ano um cara tenha três discos lançados. No jazz, o mesmo artista quase sempre atua em diversas frentes: trabalho solo, trios, quartetos, orquestras, próprios ou de outros.
       Ou seja, no jazz, o álbum tem outro peso. Um disco não significa uma turnê que vai durar até as férias antes da gravação do próximo. Se as novas tecnologias facilitam na confecção de produtos fonográficos, a impossibilidade de comercialização desses produtos é uma crise que, em alguma medida, atinge o músico. A gravadora, dá para ficar sem. Ele, não. E os shows de jazz não são para platéias de mil ou duas mil pessoas, no mínimo, como no rock. Para não falar na música eletrônica, de um dj e uma mesa e pronto, custo quase zero.
       A grande pergunta é que nova rotina jazzística pode salvar o gênero diante do impulso de mudança (irreversível, né?) do mp3. Se a Internet funcionar como divulgadora e veículo para acordos com fãs, produtores, agitadores; as apresentações ao vivo ainda ficam com um peso na balança que pode ser maior do que a realidade. Se o Branford Marsalis – de duas décadas de carreira e sobrenome – se preocupa, porque sabe que vai continuar tocando para platéias de uma ou duas centenas, qual será o futuro do pianista promissor que ainda precisa te explicar qual é o nome dele? O jazz é o cego da nova música?
       Essa resposta o google não tem.

1 Opine:

At 19:50, Blogger O Anão Corcunda said...

Não sei se entendi direito onde você queria chegar, mas vou dar alguns pitacos.
Parece-me que o Branford cai em grande equívoco. Música é um atividade primordialmente auditiva, e não visual - que pode ser prescindível em grande variedade de casos. O computador tem um fortíssimo componente visual, mas não exclui totalmente quem não consegue enxergar - mesmo porque pode ser que não demore a aparecer uma tecnologia que incorpore os deficientes visuais de forma mais intensa.
Não vai haver nenhum outro Stevie Wonder ou Ray Charles pelo simples fato deles dois terem sido únicos na história da música. Isso ajuda a frase do Branford a ter um efeito enganador.
A Internet tem cada vez mais espaço na vida não só da música, mas em diversas atividades humanas. Mas isso não quer dizer que ela vai incorporar tudo, que quem não estiver "totalmente conectado" estará fora do mundo. É de se esperar que, nesses momentos históricos da grande proliferação do instrumento Internet, alguns neoprofetas passem a vaticinar o fim de outras técnincas/tecnologias, mas a história demonstra que elas, grande parte das vezes, continuam firmes e fortes, às vezes assumindo outros papéis, ocupando novas lacunas. Teatro existe há mais dois milênios. É de se deduzir que, na época do advento do cinema, um monte de "intelectual" deve ter ido a público falar que o teatro morreu...
Da mesma forma, ninguém pode nos garantir que a humanidade não vai, daqui a dez anos, desistir desse negócio de música. Entretanto, não é o que parece.
Espaço para a inovação sempre haverá, a não ser que as coletividades desistam da atividade - ou simplesmente, não consigam levá-la adiante. E acho que isso serve para os gêneros musicais. Pode ser que os gêneros passem por momentos de esgotamento criativo, que podem até mesmo decretar sua morte - definitiva ou temporária. E isso, a priori, não é bom ou ruim. Certo é que não se trata de nenhum planejamento individual, e é difícil perceber enquanto está acontecendo.
Acho que é a primeira vez que ouvi o tal do Daft Punk. Achei chato pra caralho, pretendo nunca mais ouvir de novo :) Sei lá, me parece uma onda musical muito individualista. Mas é fato que nem todos os do segmento pop-eletrônico são assim...
Qto às "substâncias". O assunto me interessa.
Tem gêneros musicais que são, de fato, associados a certas substâncias de forma mais íntima. Dance-music/ecstasy, reagge/maconha, samba/cerveja, jovem-guarda/rede-globo, musica-da-tribo-kaiowa/chá-de-erva-que-só-tem-na-amazônia, e por aí vai. Os caras do jazz eram muito doidões: Parker, Miles, Coltrane... mas, até onde eu, sei, o jazz não tem lá sua "substância predileta"...
Mas isso pode desvirtuar a questão. A música não seria uma substância, na medida em que pode ser uma atividade substancial para determinado sujeito? Já conheci muito músico totalmente VICIADO em música, o que pode fazer um estrago na vida de uma pessoa. Muitas vezes, depois de um concerto, um músico pode ficar amplamente mexido emocionalmente...
Chega, já escrevi muito.
Até.

 

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