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10.11.06

Seminário "O processo da música" // Entrevista: Ronaldo Lemos

O dia foi longo. A iniciativa era louvável. Resultados, não muitos. Mas em meio à escuridão, juntar lanternas é uma boa coisa.

O Seminário "O processo da música", realizado ontem na FGV, pelo departamento de Direito, tentou abrir um espaço democrático em resposta ao arbitrário encontro dos principais representantes da indústria fonográfica, há duas semanas, nos salões do Copacabana Palace. As diferenças entre os dois 'eventos' já demonstram quem é quem. Um é em ambiente acadêmico. O outro é nos salões ostensivos da nobreza. Um é aberto ao público. O outro é fechado ao mundo. Sem querer ser maniqueísta, depois ainda acham injusto quando as pessoas vêm um lado como bonzinho e o outro como mau.

Contudo, a intenção de promover um fluxo de idéias maior esbarrou num formato por demais acadêmico. A questão em voga exigia um debate mais amplo. Os convidados, representando os vários lados, se suscediam em falas de 15 a 20 minutos, sendo que o BNegão falou quase 40 e encurtou o almoço da galera. Depois que todos os integrantes das mesas monologavam, era aberto o tempo para perguntas e colocações. Porém, como observou um de nossos leitores, o cronograma do evento previa mais tempo de coffee break do que de debates, que ainda foram encurtados ainda mais pelo atraso dos trabalhos. 10 minutos de debate depois de 1h30 de "palestras" foi pouco. É lógico que o respeito ao tempo determinado pelo mediador era fundamental, mas talvez tivesse sido mais profícuo diminuir o número de integrantes em cada mesa para valorizar a troca de idéias ao fim de cada uma.

Por outro lado, nas próprias mesas de palestrantes isso poderia ter sido resolvido. Tem o ditado que diz que 'quando um não quer, dois não brigam'. Tem também um outro - que eu inventei agora, por conta dessa situação - que diz que 'quando um não quer, dois não podem achar soluções'. O diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade, Escola de Direito FGV, e diretor do Creative Commons no Brasil, Ronaldo Lemos, foi ao microfone algumas vezes explicar que vários nomes da indústria fonográfica e da música "estabelecida" foram convidados e não quiseram ir. Assim fica difícil mesmo. E, segundo Ronaldo Lemos, todos responderam com negativas, em cima da hora, sob a mesma justificativa de que tinham "compromissos previamente agendados" para aquele momento.

Logo no início dos trabalhos, o simpático Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da FGV, contou que os professores da FGV tinham sido barrados na porta do evento no Copacabana Palace. Isso é um descalabro. O secretário-executivo do Conselho Nacional de Pirataria, André Barcellos, revelou que nem sequer o Ministro da Justiça foi chamado para o encontro no qual se anunciava o início de ações judiciais contra quem disponibiliza músicas na internet. Vai um golinho de democracia aí? A indústria fonográfica quer se impor a quem? O mundo mudou, baby. A música é arte. Arte exige interlocutor. Quem não dialoga nunca vai conseguir trabalhar e negociar arte.

Alguns conceitos importantes foram levantados. O principal deles foi levantado, logo no início do dia, pelo Dr. Joaquim Falcão. Ele falou que a ilegalidade de "baixar música", no mundo real, não é uma ilegalidade individual, como as ações judiciais contra os usuários atuam. O "baixar música" se tornou uma atividade coletiva, reconhecida na prática cotidiana como usual. A sociedade já reconheceu isso como um padrão de comportamento. Apesar de isso poder ser observado como uma ação coletiva no mundo real, as ações propostas são contra os indivíduos e isso gera uma contradição. Dentro desse raciocínio, Falcão questionou o que é melhor para o progresso: mudar a lei antiga ou tentar praticá-la já fora de seu tempo?

Por outro lado, houve deslizes importantes na condução dos trabalhos. A ausência dos representantes da indústria fonográfica fez com que se criasse um clima "eles não vieram", como se os que estavam lá fossem todos de um mesmo partido, estivessem todos de um mesmo lado. Nesse polígono, cada um tem o seu lado. Não existem apenas dois. Como disse o músico Marcelo Yuka, não importava o papel que cada um estava desempenhando ali e, sim, que agir na discussão dessas mudanças é se valer da sua própria cidadania. Os interesses são diversos, mas podem e devem convergir. Algumas piadas e trocadilhos soavam infantis e não condiziam com a seriedade proposta. O convite à dialética passa por esse respeito. A bandeira do Creative Commons também ficou mais tempo estendida do que o devido. Talvez não por conta dos organizadores, mas provavelmente porque o público presente sabia quem eram esses organizadores.

Nos intervalos durante as palestras, no horário de almoço e depois de encerrado o dia, a constatação foi de uma insatisfação com o resultado alcançado depois de quase 10 horas. Não sei bem se um evento como esse tem que gerar algum resultado específico, cartesianamente tangível. Acho que não. E foi exatamente aí que percebi uma frustração. A troca de idéias poderia ter sido mais ampla. Alguns comentários chegavam a analisar o evento como "chapa branca". Discordo, pois acho que a oportunidade do diálogo foi criada e não era possível carregar ninguém a contragosto para o evento. Deixemos as atitudes arbitrárias para a porta do Copacabana Palace. Contudo, o posicionamento e as opiniões dos organizadores sobre os temas propostas já são de conhecimento público. Algumas argumentações rísiveis deram margem a este tipo de opinião. Houve, por exemplo, a apresentação de dados de 1999 como forma de se provar uma tese para o mercado atual. Várias perguntas ficaram sem respostas e outras tantas perderam a chance de serem exteriorizadas. De certa forma, o seminário pareceu ser para iniciados no assunto, pois abandonou a didática em várias formas. Ouvi mais de uma pessoa perguntar o que era DRM, dispositivo várias vezes mencionados nas palestras. Não houve nenhum esboço de resposta ao longo do dia.

Outro problema foi a ausência de músicos. Dos freqüentadores do ambiente "mainstream" - o mais afetado por essa crise toda - só o baixista Dé Palmeira (atualmente tocando e produzindo com Adriana Calcanhotto) deu as caras. Diga-se de passagem, a única pergunta que ele fez também não foi respondida. BNegão, Lucas Santanna, Marcelo Camelo e Marcelo Yuka participaram das mesas de palestrantes, mas só o ex-vocalista do Planet (e atual Seletor de Freqüência) ficou na platéia para acompanhar outros debates. Esse tipo de postura é complicada, pois deixa a "classe" que eles representam numa situação ridícula. Como é que vão exigir a preservação de seus interesses se, quando há espaço para se posicionarem, eles se omitem?

Entre os representantes dos órgãos públicos, o que se notou foi uma certa distância da realidade do cenário musical. A discussão sobre patentes e direitos de marca são importantes, sim, mas ali o foco estava em cima de se discutir soluções para o novo processo da música. Dentre os participantes, destacaria a colocação do Desembargador André Fontes, que condenou os processos contra quem troca arquivos na internet.

O balanço final do dia, pra mim, foi positivo. O que fica mais claro nessa história toda é que está faltando ser criado um território neutro onde todos os lados do polígono se sintam à vontade para se expor, se defender e dialogar. A vontade para dialogar também é importante. Por mais que as medidas dos representantes da indústria fonográfica indiquem uma postura arbitrária, quero crer que eles também entendem a necessidade do diálogo. Ninguém quer tomar o espaço de ninguém.

Já diria Renato Manfredini Jr., "Em música, a briga não deve ser pelo espaço e sim por espaço. Cabe todo mundo".

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Como balanço do evento, cinco perguntas para Ronaldo Lemos (via e-mail).

sobremusica: Ronaldo, quais foram suas impressões finais sobre o evento?

Ronaldo Lemos: O seminário trouxe acontecimentos importantes, vou citar alguns. O primeiro deles foi a presença de empresas de mídia como a Trama e o IG que já pensam seus modelos de negócio de maneira participativa e considerando que a informação tem facilidade de ser transmitida hoje. Outro fato muito importante foi a presença do IDEC, Instituto de Defesa do Consumidor. De acordo com eles, a questão do acesso ao conhecimento e da propriedade intelectual é agora um dos temas mais importantes para a defesa do consumidor, pois envolve a questão das travas digitais aplicadas sobre a música (DRM´s), interoperabilidade e outras questões. A evolução da questão, de acordo com o IDEC, foi natural: do trabalho deles com telefonia, passaram a trabalhar com telecomunicações e agora chegam à internet.

Outro fato importante foi a presença do Desembargador André Fontes, mencionando que considera equivocada a posição da indústria de processar indivíduos pelo compartilhamento de arquivos e que “os direitos sobre a música estão se tornando mais importantes do que a música”. Destaco ainda as declarações do Secretário-Executivo do CNCP (Conselho Nacional de Combate à Pirataria), que mencionou que sequer o Ministério da Justiça foi convidado a participar do evento na qual a IFPI anunciou os processos judiciais e que oficialmente o CNCP defende a educação para a questão dos usuários da internet e não a repressão. A posição do Itamaraty também foi muito interessante, ao mencionarem que a propriedade intelectual não pode ser um fim em si mesma, mas sim uma ferramenta para o desenvolvimento dos povos.

Por fim, mas não menos importante, destaco a manifestação dos artistas presentes, que compartilharam experiências sobre como lidar com essa nova situação.

sm: Houve algumas críticas sobre a real produtividade do encontro. Você faria alguma autocrítica em relação ao evento? Há novos eventos planejados?

RL: Foi uma pena que os convidados representantes da indústria musical que estão envolvidos com as ações judiciais recusaram o convite para participar do mesmo, alegando compromissos anteriormente assumidos, além de não indicarem ninguém em substituição aos mesmos. Isso prejudicou a conversa no seminário. Há vários outros eventos planejados. Em primeira mão já anuncio que no começo do ano que vem o CTS/FGV fará um evento com a entidade norte-americana “Future of Music Coalition”, trazendo para o Brasil diversos artistas e representantes da indústria dos EUA para debater com artistas e sociedade civil brasileira. Vamos ver se dessa vez o pessoal da indústria aceita o convite.

sm: Houve até mesmo quem usasse o termo "chapa branca" para questionar o evento e a postura de alguns membros da mesa. Você acha que a questão do novo processo da música pode cair numa dicotomia maniqueista de que um lado está certo e o outro está errado?

RL: É isso que estamos tentando evitar, o maniqueísmo. O Desembargador André Fontes mencionou ontem sobre a estratégia da “satanização” adotada pela indústria musical. Não podemos cair no mesmo erro. A indústria possui erros e acertos. Temos de promover um debate plural, que fuja simplesmente da repetição de que questão a pirataria está destruindo a indústria e de que usuários da internet são ladrões. Isso obscurece o debate. Nesse sentido, o seminário ontem foi um passo importante ao trazer para a mesma mesa artistas, advogados, juízes, professores, gente da indústria, órgãos de defesa do consumidor, representantes governamentais e outros.

sm: É possivel, num modelo novo de distribuição musical, a antiga configuração da indústria musical coexistir lucrativamente com os novos agentes?

RL: Essa é a pergunta que estamos todos buscando responder. Quanto mais debate houver sobre isso, melhor.

sm: Você não acha que o fato de você ser diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas e, ao mesmo tempo, diretor do Creative Commons (CC) no Brasil pode fazer com que, aos olhos do público, alguns conceitos se misturem? Pergunto isso porque, como você mesmo disse, se o CC ficou em pauta durante tanto tempo ontem, não foram vocês, os organizadores, que o colocaram. Mas ainda que vocês digam que o assunto foi surgindo porque os próprios artistas ali presentes quiseram falar sobre ele, a verdade é que esse assunto permeou muito tempo da discussão. Você não acha que o fato de vocês representarem esses dois orgãos diferentes pode acabar gerando essa confusão?

RL: O CTS coordena no Brasil o projeto CC. Esse é um dos nossos projetos, na verdade há vários outros. Exemplos são o Cultura Livre, uma parceria entre Brasil e África do Sul para pensar mídia e propriedade intelectual com vistas ao desenvolvimento e o A2K (Direito de Acesso), sob o qual o seminário de ontem foi realizado. O A2K, por exemplo, tem o seu foco na legislação. Uma das tarefas do projeto é monitorar a Organização Mundial da Propriedade Intelectual em Genebra, onde o CTS ocupa a posição como observador permanente. Todas as reuniões da OMPI por lá contam com a presença de ao menos um professor nosso. Há ainda os projetos de educação, como cursos online, curso de pós-graduação e aulas na graduação (tanto de propriedade intelectual como outros temas). Enfim, tudo é explicado no site www.direitorio.fgv.br/cts.

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Definição de DRM, segundo o Wikipedia:

"A Gestão de direitos digitais ou GDD (em inglês Digital Rights Management ou DRM) consiste em permitir a restrição da difusão por cópia de conteúdos digitais ao mesmo tempo em que se assegura e administra os direitos autorais e suas marcas registradas. O objetivo da GDD é poder parametrar e controlar um determinado conteúdo de maneira mais restrita. Atualmente é possível personalisar o varejo da difusão de um determinado arquivo comercializado, como por exemplo o número de vezes em que esse arquivo pode ser aberto ou a duração da validade desse arquivo".


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