Internet: Napster + AOL = ?
Napster Pode Voltar a Ser Sinônimo de Música de Graça?
O Napster está à venda desde setembro, e ninguém quer comprar. Até agora. E o serviço de músicas online não está parado na vitrine. Na sexta-feira da semana passada, foi anunciada a compra do serviço da AOL, Music Now, por US$ 15 milhões. O comprador é a ferramenta que já foi de Shawn Fanning, a quem eu deveria chamar de moleque, não fosse ele da minha idade. O Napster, com ações na bolsa desde que foi adquirido pela empresa de softwares então chamada Roxio, tem 570 mil assinantes, e é avaliado em US$ 186 milhões.
Ao se transformar no serviço de música online exclusivo de um dos maiores portais e provedores de acesso da Internet americana, o Napster se torna um produto mais atrativo na prateleira da loja? A líder no mercado de música online, ITunes, tem motivos para se preocupar em manter a faixa de 80% das transações comerciais do setor?
A professora de Mestrado da ESPM-SP, Gisela Castro, acha que o ITunes, por enquanto, não está no foco dos olhos do ETzinho do Napster. “O grande competidor dele é o Rhapsody, atual segundo colocado. O lançamento do Zune da Microsoft também pode ser perigoso nessa disputa”.
O diretor e professor do Instituto Infnet, Eduardo Ramos, usa o termo do mercado financeiro “natural owner” para analisar a notícia. Ou seja, um grande portal de Internet seria um dos compradores mais naturais para qualquer serviço online, assim como a Coca-Cola ou a Pepsi seriam os “natural owners” de qualquer marca menor de refrigerante que fosse posta à venda. Nas palavras dele: “Possivelmente a AOL acredita que conseguirá uma maior fidelidade dos seus assinantes agregando de alguma maneira o serviço do Napster aos seus. O jogo, entretanto, é difícil, com o iPod dominando tanto o mercado e sendo [o Napster] incompatível com o iPod”.
Ou seja, tem muita coisa na roda, ao se entrar no assunto. Primeiro, é que quando se diz que o ITunes tem 80% do mercado de venda online de música, duas formas diferentes de comércio estão postas juntas, sem distinção. O serviço da Apple vende música por unidade. Escolheu a que quer, dá o número do cartão, está autorizado o download. Funciona assim com o Zune da Microsoft também. O Napster, a Music Now e o Rhapsody funcionam de outro jeito: por assinaturas. Por algo em torno de dez dólares mensais, o cadastrado baixa o que e quanto quer dos arquivos de música digital de cada serviço. Se deixar de pagar um mês, as músicas deixam de tocar no computador.
Embora pareça mais vantajoso para quem ouve muita música, o que em tempos de mp3 é quase todo mundo abaixo daquela faixa que as pesquisas de mercado escolheram ser de 35 anos, o sistema de pagamentos mensais dá menos certo por um simples motivo chamado Ipod. Gisela Castro: “Uma das coisas é que o Ipod só fala com o Itunes, é um padrão exclusivo da Apple. É uma das grandes sacadas: funciona como a Barbie, tem que ter acessório. E os acessórios são exclusivos da Apple”. Eduardo Ramos completa: “Na área de Tecnologia de Informação, o dono do padrão mais usado tem vantagens. E além do mais, o Ipod é chique, é cool”. Intrigante, né? A gente volta a falar desse assunto mais à frente.
A compra do Music Now pelo Napster é interessante para o AOL, e isso explica em parte o preço não ter sido lá tão alto. O New York Times fez uma conta simples, dividindo o número estimado de assinantes de cada serviço pelo valor avaliado de mercado. O preço da Music Now é de US$ 43 por assinante. O Napster está à venda por US$ 328 o assinante.
Além de ser interessante para a AOL, a aquisição volta a colocar o Napster em uma linha de frente da Internet. Gisela Castro explica: “O primeiro Napster [antes do processo movido pelas gravadoras] foi o primeiro a ser usado pelo cara comum, não só pelos nerds e pelos geeks. Tinha uma base de músicas muito grande, mostrou-se que havia demanda”. É o que pensa também Eduardo Ramos: “O Napster tinha um atrativo [também antes do processo de direitos autorais ] que era a base de usuários. Ao ser trucidado, ele perdeu isso”.
A questão que os dois levantam é a mesma: depois de se tornar o boi de piranha das trocas de arquivo do tipo mp3, consideradas ilegais no julgamento da ação movida pela RIAA (Associação Americana da Indústria Fonográfica) em 2001, a idéia genial de Shawn Fanning ficou para trás. Gisela resume bem: “O Napster comercial nunca foi um sucesso, e tem uma história [de perdas na Justiça] por trás”.
Para quem tem ações na bolsa e está à venda, não é o melhor dos perfis. Eduardo endossa o pensamento: “Nessa questão da comercialização de música pela Internet, o Napster pode ter ficado como um patinho feio da história”.
Há menos de seis meses da compra do YouTube pela Google por US$ 1,65 bilhão – processos legais incluídos no pacote – não é fácil se lembrar de outra ferramenta virtual conhecida por qualquer um ficar tanto tempo encalhada. Só que também não é fácil arriscar previsões no chão que se pisa da Internet.
A famosa derrota do Napster na Justiça fez muitos preverem que as gravadoras tinham ganhado a guerra contra o tal mp3. Assim como no Vietnã da década de 70, a resposta foi de guerrilha. Surgiram várias novas ferramentas de troca de arquivos: Kazaa, Soulseek, eMule, é só escolher o seu predileto. Passou-se um tempo, e surgiu o Bit Torrent, que pode ser considerado uma segunda geração de peer-to-peer, bem mais rápido. E o You Tube. Qualquer um posta qualquer coisa, todos os ideais prometidos de tv digital estão entregues ali. Você pode ver qualquer programa de tv, ou filme de cinema, na tela do computador, na hora em que quiser. Basta um search e um play. Serve para o clipe novo do artista da moda, para a apresentação ao vivo do artista esquecido e fora de moda, para o seriado que só estreou lá fora, para o erro da apresentadora de telejornal na hora de chamar a próxima atração, para o curta-metragem dos estudantes de cinema, para a informação vazada, é só escolher. Ou inventar. Os celulares, câmeras digitais e links para crackear criptografias estão por aí.
Mas isso você já sabia. O que teve a mesma importância e aconteceu ao mesmo tempo foi um movimento do ITunes, uma jogada pioneira, sem o mesmo alarde. Se eles não vão poder te vencer sempre, faça-os juntar-se a você. É Gisela quem explica: “A partir do sucesso do Napster [pré-processo] as gravadoras começaram a buscar formas – cada uma a sua – para desenvolver um formato de distribuição próprio, onde o mp3 não fosse usado, porque sobre ele não dava para ter controle”. Nada de importante surgiu, a não ser aqueles cds dor-de-cabeça (principalmente da EMI, no Brasil) que não tocam no cd player do carro, que demoram a carregar no computador, etc. “O ITunes foi o primeiro a organizar um esquema de venda on-line que funcionasse, barato, noventa e nove centavos, e com a participação das gravadoras”.
A explicação de Gisela continua. “Foi o ITunes que forçou uma associação das gravadoras com um raio de distribuição alheio. Mas isso só depois que o bloco tava na rua. Foi correndo atrás do prejuízo. Aliás, foi parecido com o disco, quando houve um tempo de disputa por qual seria o melhor formato. Até que se decidisse pelo long play ter 45 rotações e os compactos 33 1/3, demorou”.
A tecnologia finalmente era enquadrada em um esquema de comercialização aceito como legal pelas grandes corporações. Disso para a venda do YouTube, acordos com quatro majors incluídos, e já estamos em um novo momento da Internet.
Voltemos ao Eduardo. “O YouTube é tão forte que as gravadoras e estúdios de cinema preferem não brigar. Preferem a associação. No fundo, os estúdios querem é ganhar dinheiro. O olhar deixa de ser o de ‘cuidado, pirataria’ para ser o de procurar uma forma estratégica. Quanto à música, a menos que se criem formas de criptografia não-crackeáveis, o que eu não acredito, é muito difícil que se volte atrás desse momento de livre troca de arquivos. O estrago já está feito”.
E à Gisela. “Quando chegou o YouTube, meu palpite é que as gravadoras quiseram evitar o fora que tinham dado com o Napster. Perderam popularidade, os artistas que eram contra ficaram mal com o público. Há uma nova mentalidade de que o troca-troca é lícito, não é pirataria. Você dá de graça, como forma de divulgação”.
“Você dá de graça como forma de divulgação”. Gostei disso, me lembrei de uma ou outra coisa(s) que já escrevi aqui. Pergunto sobre o Gnarls Barkley e a música Crazy, o primeiro caso de uma música lançada só na Internet a entrar em listas de mais vendidos no hypeado mercado britânico. O início de uma história de muitas capas de revista e turnês com casas lotadas.
A dupla Cee-Lo e Danger Mouse até gravou o disco independente, mas já foi lançada com um esquema ligado à gravadora grande. Um esquema que incluía MySpace, YouTube, e tudo o mais do tal marketing viral. “O Gnarls Barkley é o caso do aproveitamento da forma como estratégia. Não tem mais cabimento gritar contra, dizer que é pirataria. As gravadoras já trabalham de outra forma”, diz Gisela.
A equação do ‘você dá de graça’ ainda tem que andar muito, é verdade, e o lançamento do IPhone (junto com o deslumbramento de todos nós) é um dado que entra de alguma forma nessa matemática de infinitas variáveis. Na mesma reportagem do New York Times que eu citei lá em cima, afirma-se que a AOL optou por investir nos serviços gratuitos, pagos por publicidade. É um caminho oposto ao da Apple. Hoje, ainda tem muita gente achando difícil, mas a chegada de um novo momento da Internet – afinal já foram tantos – pode estar logo ali. É ou não é, Gisela? “O ITunes lidera o mercado de música à la carte, que por hora tem muito mais adeptos do que os serviços de assinaturas, mas tudo isso pode mudar. Acho interessante comentar a AOL se desfazer do seu serviço de venda de música e se concentrar só nos downloads gratuitos. Isso pra mim é bastante relevante indicando que serviços de downloads gratuitos de música podem ser lucrativos também; corroborando um comportamento do consumidor que parece que veio pra ficar”.
Você já deve estar cansado de saber, mas eu posso voltar a dizer. Que Apple, Microsoft, AOL, Google, Sequoia Capital, BitTorrent, Rupert Murdoch, que nada. No fim das contas, depende mesmo é de você. Tem noção?
2 Opine:
Ótimo texto!
A professora Gisela Castro pediu para que fosse feito um esclarecimento sobre a comparação que fez entre os formatos de mídia para arquivos de música, hoje, e os discos do século passado:
"Na briga de formatos da era do disco o lance era entre o LP, o compacto simples e compacto duplo. Havia ainda a disputa acerca da rotação (45 ou 331/3). Por essa razão boa parte das vitrolas da época vinham equipadas para tocar todos os formatos de disco e com manivela de ajuste de rotação (havia ainda a antiga rotação 78, daqueles bolachões antigos q muitos consumidores ainda tinham em casa, até porque eles não acabavam nunca!)."
Até,
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