Festa Ploc no Circo Voador - 27 de maio de 2005 (por João Alfredo de Castro)
Fui, enfim, a tal Festa Ploc Anos 80. Já saí de casa com a opinião formada. Acho aquilo tudo uma grande palhaçada!! {{Apesar de não acreditar na idéia de que na cultura pop, o tempo é hoje, sempre. Not always, careca, not always.}} Chegando ao Circo Voador, impressões se confirmaram, outras mudaram e é pra discorrer sobre isso que estou apertando teclas. ****Pequena explicação: A Festa Ploc começou como um encontro de pessoas cool, alternativas, que se julgam capazes de fazer coisas não-convencionais e de gostar de coisas não-convencionais simplesmente para se mostrarem não-convencionais e capazes de ir além de um suposto senso comum. São os pseudocults. Não suporto isso. O camarada passa a gostar da idéia de ser diferente e paga o preço que for por isso!!!, para, simplesmente ser diferente. A palhaçada começou a juntar gente no Catete (bairro carioca), o que fazia um certo sentido, já que as pessoas se encontravam, bebiam, se mostravam diferentes umas pras outras (regozijando seus egos) e ainda riam daquilo tudo. Ingredientes para uma boa noite de diversão em qualquer lugar do mundo. Como pano de fundo tocavam músicas do He-Man, da She-ra, dos Smurfs, e dos Smiths... Bacana enquanto piada. Devo admitir que até me interessei por aquela piada. O problema é que neguinho passou a acreditar demais na tal da piada e, pior, acreditar que aquilo tudo era super bacana, um tesouro perdido nos armários velhos e redescoberto por eles, os pseudos-cults. A coisa foi crescendo, e além de Smurfs e dos Smiths, começaram a voltar à tona Sidney Magal, Gretchen, Dominó, Rosana, Balão Mágico, Herva Doce, Metrô, Magazine, Léo Jaime, Ritchie, e outras cositas mais... **** Bem... continuando: O rebuliço em torno disso tudo foi aumentando, a festa passou a botar 3000 pessoas todo mês no Circo Voador e ontem eu estava lá, meio a contragosto. Ao contrário do que possa parecer, eu gosto de muita coisa dos anos 80, principalmente de Chaves e das músicas da época. O problema daquela festa é que as músicas "carro-chefe" são as que simbolizam o lado negro da força, o lado negro da década. Até um ano, um ano e meio atrás, 90% das pessoas que estavam lotando as filas de compra antecipada de ingresso concordariam comigo. Aquilo é tudo é muito ruim e se não resistiu ao crivo inequívoco do tempo é porque é ruim! Quem é bom, sobrevive, não precisa de resgate. Ponto. Sob o pretexto de estar na moda, porcarias acabam sendo legitimadas, como se as pessoas passassem a ter um salvo-conduto para gostar do que é ruim. Isso, quando levado a grandes proporções, acaba virando um circo dos horrores como os programas de televisão tão detonados pela crítica e, conseqüentemente, também pelos pseudocults. Imagina se um pseudocult admite que gosta de João Kleber, Ratinho, Galisteu, Gilberto Barros, etc, etc... É ruim, hein! Rosana é ruim, Gretchen é péssimo. É mais do que isso. É triste. No sentido mais intenso da palavra. A prova de que o circo dos horrores estava armado foi a correria que a entrada dela, Gretchen, no palco do Circo Voador causou. Era gente se estapeando, se empurrando, se pisando, para gritar "Gostosa" (?!) para Gretchen (e sua barriga Pitanguy) e para cantar "Konga, konga, kôônga", "freak lê boom boom". Será que neguinho não vê que Gretchen estava ali atrás da mesma coisa que ela busca quando expõe seus fracassos amorosos ou que apanha do marido nos programa vespertinos? Ela quer atenção, precisa ganhar um trocado qualquer para sobreviver. Será que nego não vê isso? Ou será que vê e gosta da idéia?! Não sei. Neguinho ri daquilo tudo, e depois diz que João Kleber é baixo nível... Se fuder!!! João Kleber é baixo nível e aquilo também é! A cena era triste. Uma mulher exposta ao ridículo, fazendo play-back na frente de 3000 playboys cariocas rindo daquilo tudo, (quase) todos pseudos-cults. Há tragédia por trás da cena. Gretchen fez questão de confessar ter 46 anos, só pra me deixar mais constrangido de imaginar que aquela senhora poderia ser minha mãe (e me obrigar a imaginar minha mãe cantando "Konga la konga"). Muito triste. Tanto é que, depois de três músicas, a piada (de mau gosto) perdeu a graça e neguinho voltou pra comprar mais uma cerveja. Tudo parecia confirmar a opinião que tinha antes de sair de casa. Voltei a ficar chocado depois do show, quando reconheci o DJ. O cara era um baterista que tinha tocado uma vez comigo, e que, na época, se amarrava em grunge (movimento do início dos anos 90, que era negação total da música dos anos 80. Que coincidência!). Esse camarada foi a confirmação e a negação de tudo o que eu pensava sobre o " Movimento Ploc" e é a partir daqui que este texto vai ficar bom!!! Hahahaha! Gretchen saiu do palco e o baterista-DJ começou a tocar o set. A pista voltou a encher. De repente, às 3h20 da madruga, o camarada mandou quatro petardos, na ordem: Superfantástico (Balão Mágico), O carimbador maluco (vulgo Pluct-Plact-Zum, com Raul Seixas), Ilariê (Xuxa) e Uni duni duni tê (Trem da Alegria). Caralho, o que foi aquilo?!?... Neguinho surtou demais!!! Lose the line total !!! Epifania, religião, catarse... Olhei ao meu redor e comecei a me dar conta de que 80% da platéia deveria ter no máximo 25 anos. Essa galera nasceu nos anos 80, foi criança nessa época. O tal set resgatava o lado infantil, era a verdadeira memória afetiva daquela galera. Era a época em que as relações com música estavam diretamente ligadas ao lúdico. Aparecia, enfim, um sentimento coletivo verdadeiro. Sonho encantado, onde está você?, perguntava o Trem da Alegria e aquela era a pergunta mais verdadeira e genuína que a geração que tem 25 anos hoje pode se fazer. A Festa Ploc legitimava enfim, algo bom. Legitimava os sonhos, aquilo tudo que, para pessoas de 25 anos, fica ocultado no dia-a-dia. Fica escondido pela necessidade de se mostrar forte e adulto num mundo que ainda está se abrindo e que exige isso. A nossa geração, e eu (22 anos) me incluo nela, ainda não saiu da casa dos pais. Há uma desilusão com a expectativa sobre as quais fomos forjados, de que aos 18 anos seríamos maiores de idade, e conseqüentemente donos de nossos narizes. Não o somos. Essa era uma idéia vendida aos nossos pais e que eles, na melhor das intenções, passaram adiante sem saber que rumo o mundo estava tomando. Nosso nariz é bem mais comprido e 18 anos não significa independência. Quantas pessoas de 25 anos que você conhece e que ainda moram com os pais? O mundo contemporâneo adia cada vez mais a tal independência. Hoje em dia, ter 22 anos é estar mais perto da infância do que do "¿universo adulto?", como era outrora. A música da dupla-mais-anos-oitenta-possível, Sullivan e Massadas, e que ficou eternizada pelo Trem da Alegria, foi uma fugaz e verdadeira válvula de escape de uma geração representada por aquelas quase 3000 pessoas. Um elixir. Eu quis saber da minha estrela-guia, onde andaria o meu sonho encantado. Sonho encantado, onde está você? A gente ia crescer, não ia?! Isso é o que há de verdadeiro, e por isso mesmo é o que me interessa na Festa Ploc. O resto é balela, é babaquice. A Gretchen coitada, tinha 22 anos nos anos 80. Eu tenho 22/23 anos em 2005. A Festa Ploc foi uma experiência antropológica. Pude entender mais claro quem eu sou e quem é a geração na qual estou inserido. O que será que meus filhos vão cantar na Festa Trident em 2025? Festa no apê? O Latino é a próxima Gretchen. E quem será o Trem da Alegria? Tomara que venha logo. João Alfredo é um pseudônimo que só minha mãe (que não é a Gretchen) vai entender. J.Alfredo nasceu em 1982 e discorda de quem diz que se deve evitar a repetição de palavras em um texto. Quando se repete uma palavra é com a intenção de demonstrar quão chave ela é naquele momento. J. Alfredo até gosta da Casa da Matriz mas odeia pseudocults.
O cérebro eletrônico da Bat Macumba (Revista Backstage - Junho/2006)
Etapa carioca do festival foi marcada pela diversidade nos shows. Problemas com os microfones foram o ponto fraco. A décima-segunda edição do Percpan começou no Rio de Janeiro com alguns problemas na primeira noite. O Teatro Carlos Gomes ficou cheio, mas não lotado como a anunciada venda antecipada de todos os ingressos fazia supor. Grande parte da platéia, como virou praxe nos teatros cariocas, não respeitou os três avisos sonoros e só tomou assento depois que o espetáculo já tinha começado - atitude inconveniente e desrespeitosa. Além disso, a ausência de um programa do evento também foi sentida. Poucos foram os contemplados com uma revista plasticamente bonita, mas pobre em informações. E não foi por ser tiragem pequena, pois ao fim do segundo dia, quando a platéia estava indo para casa, a equipe de promoções da TIM só faltava empurrar essas mesmas revistas à força, para quem saía do teatro.
Com 45 minutos de atraso, o mestre de cerimônias, Marcos Suzano, subiu ao palco para o primeiro show da noite. Ano passado, Suzano foi o curador do evento. Este ano, assinou a direção artística - como faz desde 2001. Ele entrou em cena acompanhado apenas do tecladista Alex Meireles, mas ainda durante a primeira música, que durou 18 minutos, a percursionista Simone Soul e o baterista Guilherme Kastrup deram o ar da graça. Simone entrou dançando, encarando a platéia. Ela se requebrava toda, cheia de acessórios pelo corpo, aumentando a massa de som. Já Kastrup, arrebentava nas baquetas. Junto com o pandeiro de Suzano, ele conduzia os andamentos, direcionava os climas e até interpretava as músicas com suas expressões faciais. Depois, Simone Soul também assumiu uma segunda bateria, mas em nenhum momento fez frente a de Kastrup. Tanto o set de bateria dela quanto o dele, misturavam tons, caixas, bumbos e pratos, com chapas de ferro e peças de metal. Simone citou o projeto paulistano Percuteria como fonte de estudo daquelas combinações. A apresentação de Suzano teve de tudo. O percussionista mesclou o set de pandeiros acústicos, ou ligados a uma série de pedais, com o eletrônico, numa sonoridade própria do seu trabalho. A diversidade sonora foi tanta que, em meio ao clima de festa rave, Cartola também passou por lá. Em sampler, surgia a voz do sambista lembrando do dia em que Mário Reis quis comprar um samba seu. Cartola respondeu "Você tá maluco rapaz? Não vou vender coisa nenhuma", antes de topar a transação por 300 mil réis e de virar sampler no show de Suzano. Um dos poucos problemas da apresentação do percussionista foi quando ele tentou cantar, mas seu microfone estava sem o volume adequado, mal dava para ouvir sua voz. Pior ainda aconteceu com Simone Soul ao tentar explicar o conceito do projeto Percuteria. Não havia microfone para ela e a platéia precisou fazer silêncio total para que a moça pudesse falar. O microfone só chegou quando a explicação tinha acabado. Talvez o fato de se tratar de um evento dedicado à percussão, tenha gerado um descuido com as equalizações para voz, que só foram corrigidas durante o show. A banda de Suzano saiu do palco bem aplaudida, mas o mestre de cerimônias continuou em cena. Enquanto os técnicos desmontavam e remontavam os sets, Suzano ficou lá, sozinho, mostrando porque é considerado um dos maiores do mundo com um pandeiro na mão. A história se repetiu entre todos os shows da noite.
A segundo show foi do duo americano On Fillmore. O baixista Darin Gray dispensou os roadies e fez questão de entrar no palco carregando o seu enorme contrabaixo acústico. Junto com ele, Glenn Kotche, o baterista da banda Wilco, comandava um vibrafone e uma série de aparelhos eletrônicos. Hermano Vianna, um dos curadores do Percpan 2005, lamentou que músicos da cena de rock indie não tenham se interessado por um show com o baterista do Wilco. A chance de vê-lo no Percpan poderia ampliar o alcance musical dessas novas bandas, que parecem só se interessar por mais do mesmo. A tendência de juntar a percussão acústica com as infinitas possibilidades de ritmos e timbres eletrônicos ficou clara no primeiro dia do PercPan. O OnFillmore construía uma trama elaborada de sons e timbres, misturando o urbano com a natureza. Era possível ouvir o som de pássaros gorjeando, misturado com o das hélices de um helicóptero. Ou de um rio correndo, com um trem passando ao fundo. A dupla parece buscar o lado idílico, onde sonho e pesadelo se misturam. Ora, a calma de uma melodia infantil no vibrafone tocado com arcos de violino, ora o transtorno dos ruídos eletrônicos com um baixo acelerado. Quando a dupla se despediu, agradecendo a chance de estar no país de Tom Jobim, Gilberto Gil e Caetano Veloso - este último sentado na segunda fila, à espera do show do filho Moreno com Adriana Calcanhotto, a platéia aplaudiu, com sincera aprovação ao show.
Coube novamente a Marcos Suzano e seu pandeiro fazerem a transição dos shows. Dessa vez ele contou com a participação do carioca Jovi Joviniano. Depois da troca do palco, Suzano apresentou, diretamente do leste da Romênia, a Fanfare Ciocarlia. Sem dúvidas, o melhor show da noite. A indicação deles para o Percpan veio do espanhol Carlos Galilea, jornalista cultural do El Pais e curador do evento, junto com Hermano Vianna. O grupo faz as bases, as harmonias e melodias sobre o arranjo dos metais. São oito integrantes na metaleira e dois numa discreta percussão, onde se viam apenas dois pequenos bongôs, uma caixa e uma zabumba. Com uma animação incrível, eles entraram no palco saudando o público em romeno, mas com tanta alegria que pareciam italianos. Ninguém entendeu nada, mas a ovação foi geral. Logo depois, um dos músicos veio para o microfone central e, enquanto a banda continuava tocando, falou longa e animadamente. Mais uma vez, a língua não foi fronteira e todo mundo aplaudiu. Duas dançarinas entravam em algumas músicas, sempre causando frisson. Não pelo corpinho sarado, nem pelo rostinho de ninfeta - características que, aliás, passavam longe delas - mas sim pela sensualidade que só a alegria e o sorriso podem causar em uma mulher. Com inúmeras vindas ao microfone, a banda parecia se saudar o tempo todo. A única palavra compreensível para ouvidos insensíveis ao idioma da Romênia era "Fanfare!!!". Ou ainda, "Fanfare Ciocarlia!!!". Saíram do palco ovacionados, com a platéia pedindo bis, mas sem ser atendida. Foi a única vez em que ver Marcos Suzano no palco teve um sabor amargo. Não por ele, que mais uma vez arrasou durante a troca de equipamentos, mas sim pela ausência da Fanfare, e pela incerteza de quando aquele grupo de origem cigana, vinda lá do leste do leste europeu, voltará a se apresentar por aqui.
A montagem do palco para o último show da noite foi a mais demorada. Quando Adriana Calcanhotto apareceu, já passavam das 23hs. Na verdade, Adriana era apenas a "líder" de uma banda que trazia ainda Moreno Veloso, Kassin, Domenico (o trio +2), Pedro Sá (que acompanha, entre outros, Caetano Veloso), Quito Ribeiro e Stephane San Juan. O show foi preparado por eles especialmente para o Percpan 2005. Stephane e Domenico dividiram uma bateria siamesa, na qual eles tocaram um de frente para o outro, com apenas um bumbo servindo aos dois. A grande característica da banda é ser mutante. Adriana se transmutou entre Calcanhotto e Partimpim (codinome que ela adotou em seu último disco, dedicado às crianças). A formação da banda também mudava a cada música. Pedro Sá, exímio guitarrista, tocou baixo enquanto Kassin, baixista na maioria de seus trabalhos, foi para a guitarra. Depois destrocaram. E retrocaram. E destrocaram... Moreno Veloso foi do violão ao pandeiro e tamborim, passando por momentos em que só cantava. Até chegar à música ¿O surfista¿, do último disco de Adriana. Nela, Moreno não toca nada e, como um ator, assume o ¿papel-título¿ da canção. Pegou o banquinho onde estava sentado e, nele, simulou uma prancha, tirando risos da platéia. Adriana também se transformou durante o show. Nas duas primeiras músicas, ambas de Quito Ribeiro e cantadas por ele, ela tocou um timbau. Ao longo da apresentação, ela passou por vários instrumentos, entre pratos (de comida!), violão, aro de surdo, pequenos instrumentos percussivos e apenas voz. Além dela, de Moreno e de Quito, Kassin e Domenico também estiveram nos vocais para cantar suas músicas. Domenico chegou a trocar de ¿função¿ com Pedro Sá, que surpreendentemente, assumiu a bateria enquanto Domenico cantou e tocou (bem!) o violão. No repertório de Kassin, destaque para "Nara", parceria entre ele e Calcanhotto, música em homenagem à filha dele que nasceu no Japão. Na única concessão aberta por Adriana a sucessos da sua carreira, ela entoou "Fico assim sem você", versão de um antigo hit de Claudinho e Buchecha. A primeira noite terminou com uma homenagem da banda ao Rio de Janeiro e a Salvador, as cidades do Percpan 2005.
Segunda noite teve mais problemas e menos eletrônica
A noite seguinte começou com problemas na passagem de som. O teatro deveria estar liberado para o público a partir das 19hs e, uma hora depois, os shows começariam. Já eram 20h10, quando a passagem de som, finalmente, terminou e foi permitido ao público tomar assento. As dificuldades, porém, não tiraram o bom humor do engenheiro de som do PA, Leco Possolo, que pelo sexto ano seguido comandava o som do Percpan. Tanto ele, quanto Ivan Marques (projeto de luz), João Ribeiro (técnico de monitor) e Adriano Silva (roadie), já trabalham juntos na equipe técnica do show de Gilberto Gil, um dos idealizadores do Percpan. O equipamento de som utilizado no Rio de Janeiro e em Salvador foi o mesmo, a diferença ficou por conta das empresas responsáveis. Para evitar a dificuldade no transporte, optou-se por trabalhar com a XEF Sound (de Léo Garrido), no Rio, e a JAS (de João Américo), em Salvador. As duas empresas foram escolhidas por trabalharem com mesas digitais, necessidade básica em função da quantidade de trocas de instrumentos e de sets no palco. A XEF Sound usou duas mesas Compacta 40, da InnovaSon, e com os monitores e PA da Norton. A Norton foi escolhida por oferecer um PA flying, pendurado, que dava conta dos três andares íngremes do teatro. Com essa opção, a falta de altas freqüências nas primeiras filas era compensada por duas pequenas caixas frontais colocadas na beirada do palco. Segundo Possolo, em Salvador o equipamento variaria pouca coisa. Uma InnovaSon SY-80, uma Yamaha DM-2000 e uma SM-16 de sidecar.
O projeto de luz de Ivan Marques - que trabalhou em 11 das 12 edições do festival - foi o mesmo tanto para o Teatro Carlos Gomes, no Rio, quanto para o Teatro Castro Alves, Salvador. Marques contou com equipamentos iguais nas duas cidades, fornecidos pela paulistana LPL. O iluminador, Bruno Lima, registrou a dificuldade de se fazer a iluminação de frente no Carlos Gomes, por causa dos dois balcões superiores. Qualquer estrutura de luz atrapalharia a visão da platéia nesses andares mais altos. A luz de frente era uma exigência básica, pois o material estava sendo gravado pela Rede Bandeirantes e transmitido em um telão instalado na Praça Tiradentes, para quem não conseguiu comprar ingressos. A impossibilidade de trabalhar com luz de chão, dada a quantidade de trocas de palco, também incomodou o iluminador. "É um efeito que fica muito bonito, principalmente quando vai ser captado pela TV". Entre os equipamentos, os moving lights Studio Color foram a alternativa para fazer a mudança de luz nos três arcos suspensos no palco, simbolizando a logo do Percpan.
Apesar da demora para liberação das cadeiras, o show não atrasou muito mais do que acontecera na véspera. Às 20h45, a apresentação de Lucas Santana começou com um canto tribal e uma forte percussão do trio Onilu, composto por batás, tambores da santeria cubana. Logo em seguida, o cantor entrou no palco e tentou falar com a platéia, mas seu microfone desligado não permitiu. O mesmo problema da primeira noite, com os microfones, se repetia, apesar da demorada passagem de som. No fim, o show do baiano, foi morno. Destaques para a música "Deixa o sol bater", que o cantor dedicou a Fela Kuti e uma versão dub para "Faixa Amarela", consagrada na voz de Zeca Pagodinho.
Nos intervalos dos shows, repetindo a dose, Marcos Suzano deu o ar da graça. Jovi Joviniano, da ala dos compositores da Imperatriz Leopoldinense, foi novamente convidado de Suzano. Na segunda noite, Jovi participou mais e chamou a atenção para suas versões funk-hiphop-repente-pandeiro para Meu guri, de Chico Buarque e Pra que discutir com madame, música de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida, consagrada no repertório de João Gilberto. Jovi trocou os versos "Vamos acabar com o samba/ Madame não gosta que ninguém sambe" por "Vamos acabar com o funk/ Madame não gosta que ninguém funk" e arrancou risos de quem ficou para assistir e não aproveitou o intervalo dos shows fazendo a social no hall de entrada do teatro.
O show do X Plastaz, grupo de hip hop da Tanzânia, envolveu o público. Mais pelo esforço de se comunicar dos integrantes do que propriamente pela música. Logo no início, eles conquistaram a solidariedade da platéia, quando o microfone de uma das vocalistas também não funcionou. Só era possível ouvi-la, porque tinha uma voz agudíssima. A técnica demorou cerca de cinco minutos até se dar conta e trocar o equipamento. Enquanto isso, a platéia gritava "Olha o microfone! O microfone!". Parecia que só os técnicos não tinham notado a séria falha. A sonoridade do "XP's" , como eles gostam de se chamar, é construída sobre bases feitas na boca e algumas batidas eletrônicas que vêm da pick-up de um DJ. Durante um dos workshops promovidos pelo festival, os integrantes da banda tiveram que se explicar para quem reclamou da falta de instrumentos percussivos na formação do grupo. Eles disseram que seu povo é nômade e por isso não pode carregar instrumentos, daí vem a tradição de fazerem percussão com boca. Quatro cantores e duas cantoras se vestiam, em parte, como americanos e, em parte, como tanzanianos. Tentando se comunicar em inglês, eles foram pedindo a participação do público, que demorou a entender o que eles queriam. No fim, todo mundo se levantou e dançou ao som do hip-hop do grupo. Um dos rappers pediu desculpas pela dificuldade com língua, mas disse que o mais importante era que a energia fosse captada pelos brasileiros.
No terceiro show da noite, foi a vez do grupo mais percussivo da etapa carioca do festival, o Konono N°1 Congotronics. A banda foi responsável por uma das maiores dificuldades da equipe de som do evento. No rider, constavam 3 likembés, instrumento desconhecido pela produção. Para os likembés foram pedidos Direct Boxes, mas a técnica do festival desconhecia a forma de microfoná-los até o dia do show. No fim, os likembés eram uma espécie de calimba com um captador em baixo. Deles, a banda fazia a base harmônica e melódica, enquanto a rítmica ficava a cargo de dois timbáus e uma bateria simples, composta por uma caixa e um prato. A música do grupo tinha poucas partes cantadas. Uma fala aqui, outra ali, e duas mulheres dançavam uma espécie de dança do acasalamento com o vocalista. Uma delas, uma negra alta de barriga (sobrando) de fora, dançava enquanto mascava um chiclete. Tanto a voz quanto o som dos likembés eram reprocessados através de dois alto-falantes, por onde saía o som da banda. O show parecia não contagiar muito, mas terminou bem aplaudido.
A etapa carioca foi encerrada com o melhor show entre todos os que subiram ao palco do Carlos Gomes: Samba de Roda do Recôncavo Baiano, Gilberto Gil e convidados. A apresentação começou com o que Gil chamou de "toque para Ogum". Em seguida, puxou-se o "toque para Iansã", emendado em "Andar com fé". Logo de cara, os baianos já tinham o público nas mãos. Ainda na segunda música, a platéia já tinha se levantado. Depois Gil chamou ao palco o samba de roda de Nicinha de Santo Amaro, um grupo de lindas senhoras vestidas de baianas, todas descalças. A esta altura, todo mundo no palco estava vestido de branco, menos Gilberto Gil, que vestido de ministro, continuou a chamar convidados. Primeiro, Beto Jamaica, ex-É o Tchan, e em seguida, Xanddy, do Harmonia do Samba. O terceiro foi Leandro Lehart, do Art Popular, representando o samba paulistano. São Paulo perdeu o Percpan para o Rio depois que as instalações no Parque do Ibirapuera não foram liberadas a tempo para o evento. Os três cantaram sambas tradicionais da Bahia, como "Samba Lelê" e "Marinheiro Só", esta de Caetano Veloso, que no início do show estava na segunda fila da platéia, mas logo em seguida, se refugiou no balcão superior para fugir dos flashes. Depois que Gil começou a encará-lo, Caetano ficou com medo de ser chamado ao palco e se mandou.
A festa continuou emocionante quando o sambista Riachão, de 83 anos, subiu ao palco para cantar dois de seus grandes sucessos, "Vá morar com o diabo" e "Cada macaco no seu galho". Em seguida, como bem anunciou Beto Jamaica, entrou a rainha. Dona Ivone Lara subiu ao palco e fez um dueto histórico só de sucessos, com Gilberto Gil, entre eles "Alguém me avisou" e "Sonho meu". Em seguida, para atingir o ápice da festa, a Velha Guarda da Portela subiu ao palco e, comandada por Monarco e Tia Surica, cantaram o hino Foi um rio que passou em minha vida, de Paulinho da Viola. Nessa hora, o cantor do Konono N°1 não resistiu e voltou ao palco para dançar ao som da Velha Guarda. Em seguida, outros integrantes da banda do Congo também se juntaram a ele. Havia mais de quarenta pessoas no palco, quando Gilberto Gil reassumiu o vocal para cantar "Aquele abraço", outra música que junta Rio e Bahia.
Parecia o final perfeito, mas depois que Gil acabou a música, Beto Jamaica tentou estragar. Numa atitude que parecia não ter sido combinada, pediu à banda que puxasse um "sol maior" e mandou Segura o tchan. Depois, como se não bastasse, emendou um medley com Vem neném, do Harmonia do Samba, que Xanddy, um pouco constrangido como todo mundo ali, continuou. Leandro Lehart não fez por menos e mandou um Agamamou, sucesso do Art Popular. Gilberto Gil se afastou um pouco nessa hora, mas logo se juntou aos três para cantar, diminuindo o incômodo.
Após a saia justa, Gil tomou o comando novamente e puxou "Maracangalha", de Dorival Caymmi. Pronto. Com o brilhantismo que sempre acompanhou sua carreira musical, o ministro-cantor salvou a noite de um final totalmente freak, e fez todo mundo voltar para casa com um enorme sorriso no rosto.
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