A batida de bateria que começa o disco abre um suspense que se resolve só depois da entrada da voz de Thom Yorke. Sim, a banda voltou a tocar como banda: a bateria incrível e proporcionalmente pouco reconhecida de Phil Selway, toda quebrada, até está cheia de delays e harmônicos puxados digitalmente, mas é tocada com duas baquetas. A voz que entra sobre as batidas, antes de qualquer outro instrumento reforça a certeza. O disco anterior, Hail To The Thief, era mesmo o fim de um ciclo de muitas experiências. Agora, a hora é de apreender as lições e fazer boa música. Não é contraditório, é um passo à frente. Apesar de Thom Yorke ter dito, na época, que Kid A/Amnesiac (vou considerar os dois um disco duplo, tá?) era apenas a continuação de OK Computer, essa fase foi sim de guinadas. Primeiro, um dos melhores discos da década de 90, quando o Radiohead larga as guitarras meio nirvânicas para extrair melancolia de uma (não-)alma digital. Banda de estudantes de Artes e profundos leitores, o Radiohead mergulhou nas dúvidas existenciais da ficção científica de Douglas Adams (O Guia do Mochileiro das Galáxias) e Philip K Dick (Blade Runner) à procura de respostas que não fossem religiosas. A banda virou fenômeno e respondeu apertando a boca e desviando o olhar. Kid A foi a primeira metade de uma radicalização ainda maior no percurso. O que era melancolia virou angústia, e o mais difícil, sem guitarras, sem voz humana, sem notas propriamente escutáveis, tudo hiper-desconstruído mas extremamente melódico. Como se aquela equaçãozinha Europa-melodia/África-ritmo/Índia-textura ganhasse um novo elemento de maquinaria. Ou melhor, um novo elemento de "edição". Tudo que poderia soar natural é super mexido e hiper-cortado para compor o produto final, mas com um toque que faz toda a diferença. Nigel Godrich, produtor da banda em toda essa fase pós-The Bends, acredita que deve-se evitar a adição de efeitos sobre os instrumentos depois de tocados. Ou seja, eles devem ser tocados com um fone que dê o retorno ao vivo de como estão soando os filtros usados. É uma maneira de tornar o instrumentista/vocalista também parte do resultado final. Pois bem, a voz deixou de ser tão processada a ponto de transmitir uma espécie de mensagem sem autor: não era uma pessoa falando, mas sons artificiais com significados conhecidos por todos. In Rainbows é mais do mesmo, mas de volta à simplicidade. E à humanidade. Claro, uma simplicidade e uma humanidade de padrão Radiohead. Um fator fundamental para essa volta turbinada às origens (e o álbum soa a anos 90 em vários momentos) foi o lançamento do disco-solo de Thom Yorke, vocalista e cabeça eletrônica da banda, quase ao mesmo tempo em que Jonny Greenwood, guitarrista e cabeça de orquestra contemporânea da banda, lançava o dele. Canalizados os impulsos criativos dos dois mais inquietos artistas do quarteto, abriu-se espaço para uma aproximação com o público que cresceu e recuou um pouco enquanto, disco após disco, ia ficando maior o desafio de entender o Radiohead, daí boa parte da graça quando acertaram, daí boa parte do tédio quando ficaram auto-centrados demais. E esse movimento de se concentrar na beleza da composição com menos elementos de distração (daria para repetir o paralelo dos anos com o Nirvana, mas agora o do Acústico MTV) trouxe também a volta da expectativa por um disco, a chegada dele inteiro em uma data certa, e outros charmes que o cd foi deixando de ter nos últimos dez anos. Principalmente o de ouvir, simplesmente. Primeiro, ele não foi baixado enquanto se navega na Internet, com o MSN aberto e não-sei-mais-o-que. Só isso, uma diferença boba, já provocou em cada ouvinte uma parada. A falta de encarte, capa, ou qualquer material gráfico de informação também tirou as distrações do caminho. Até agora, In Rainbows foi só ouvido. E ouvido só. No máximo, deu pra ler uma ou outra resenha, quase sempre tão apressada quanto essa de agora. Mais uma vez, voltando para a história da leitura: o Radiohead pensa muito antes de dar um passo. Portanto, não há de se acreditar no “por acaso”. A banda se alinha à política de um novo anarquismo que começa (simbolicamente) com as manifestações anti-multilateralismo de Seattle (99), em que mais do que optar por uma esquerda em oposição à direita, vale buscar a liberdade de não servir a nenhum interesse privado, seja qual for. Daí as questões da tecnologia e da alienação, da crítica à impassividade voltada para dentro. E daí o combate de estética pós-guerrilheira a marcas pré-estabelecidas (entre elas o rock, daí matá-lo musicalmente, industrialmente, simbolicamente, repetidamente, etc.) Agora, a diferença é a entrada das cores. Mas o que há de simples em In Rainbows, na falta de melhor palavra, na verdade tem muita complexidade. Imagine a entrega roqueira preocupada do Pearl Jam, e some a ela cordas arranjadas por Greenwood, o baterista Selway formando a cozinha ora com o baixista em um loop envenenado, ora com programações eletrônicas meio hip hop underground. E ruídos, camas de sons irreais, nenhuma grandiloquência. Está tudo lá, um pouco, com direito a várias músicas lentas, algumas até entre as mais fracas do disco. Vibra, chora, sente. É um disco muito difícil de se escrever sobre, porque uma audição muda a percepção da anterior. Mas é de se ouvir várias vezes. E só.
Boa parte desse texto brotou da leitura de ‘Radiohead’, texto de Simon Reynolds, no livro Beijar o Céu da Editora Conrad.
Matéria sobre o encontro de duas das maiores bandas brasileiras, celebrando 25 anos de carreira. Paralamas e Titãs começaram neste último fim de semana uma turnê por todo o país e esta foi a matéria que tornou pública a informação. Publicada na Rolling Stone de setembro/2007, com alguns cortes e alterações em relação ao texto original, que pode ser lido abaixo. Vale frisar que de lá para cá, algumas coisas mudaram no cronograma e, por exemplo, o show de Salvador ainda não aconteceu. Como já estamos na edição de outubro, publico o texto aqui.
Bodas de prata no rock nacional
Paralamas e Titãs voltam a excursionar junto depois de 8 anos (POR BRUNO MAIA)
Era 1999. Depois de passarem por vacas magras no início dos anos 90, as duas bandas se recuperaram no meio daquela década e viviam um auge de popularidade. Foi quando fizeram a turnê “Sempre Livre Mix”, com a qual viajaram e tocaram juntos por todo o país. Mal sabiam que o tal “auge” era a ante-sala da crise que o Napster estava instalando em toda a indústria musical naquele mesmo instante. Oito anos e muito menos discos vendidos depois, os grupos voltam a excursionar juntos, na turnê 25 anos de rock. “Quando acabou o Sempre Livre Mix, a gente queria continuar”, lembra João Barone, baterista dos Paralamas. Sérgio Britto, tecladista dos Titãs, completa: “Nos reencontramos no início desse ano e a vontade reapareceu. Conversamos com o José Fortes (empresário dos Paralamas) e jogamos a idéia. Meses depois, ele nos ligou e disse que estava viabilizando o projeto”.
A primeira vez que Paralamas e Titãs dividiram o palco foi no Hollywood Rock de 1992, quando se tornaram os primeiros artistas brasileiros a fechar uma noite daquele que era o maior festival do país. Mais do que completarem 25 anos de vida em 2007, as semelhanças entre a carreira das duas bandas se estende: ambas não eram levadas a sério nos primeiros anos; no terceiro disco, fizeram seus dois maiores álbuns (“Selvagem?” e “Cabeça Dinossauro”); despencaram no limbo a que o plano Collor condenou à cultura brasileira; voltaram com força em meados dos anos 90 e perderam público na atual década. Além disso, algumas turbulências marcam as duas trajetórias. Em 1999, Herbert ainda não havia sofrido o acidente de ultraleve que quase lhe tirou a vida, Marcelo Frommer estava vivo e Nando Reis ainda cantava “Marvin” nos shows dos Titãs. “Agora é outro momento. Nós vamos recuperar o que funcionou melhor e avançarmos para coisas novas”, diz Bi Ribeiro, baixista dos Paralamas. “A intenção não é ter apenas um set de uma banda, depois a outra, e no fim tocarmos algo juntos. Dessa vez, vamos nos misturar mais: dois de uma banda com três de outra, depois mudar os integrantes, eventualmente tocarmos todos juntos...” prevê Britto, antes de ponderar: “Mas tudo se concretizou há pouco tempo, ainda não ensaiamos”.
Nos oito anos que separam este encontro de sua encarnação anterior, a mudança da indústria da música afetou profundamente as duas bandas. A crise e as alterações que os grupos viveram os afastaram de uma parcela do público. “Especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, nós não temos mais a mesma força com os jovens, mas isso é algo que não acontece no resto do país”, avalia Bi Ribeiro. “Nós somos privilegiados porque ainda estamos em cima de um foguete que ascendeu nos anos 80. Pra quem está começando hoje é muito mais difícil”, diz Barone. Se em 1999 as bandas foram chamadas por uma grande empresa, desta vez as coisas foram muito mais difíceis. “Agora ninguém nos convidou, foi uma iniciativa própria”, confirma José Fortes. “Precisávamos correr atrás de um captador, porque hoje está tudo muito mais complicado. Resumidamente, o problema é grana. Não dava para fazer isso de peito aberto”, diz o empresário. A turnê só foi viabilizada porque conseguiu o patrocínio de um canal de TV por assinatura.
As apresentações começam em outubro, em Salvador e Belo Horizonte. Depois seguem para São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro e mais uma capital a ser escolhida. Será apenas uma noite em cada cidade e nenhuma das bandas interromperá a própria rotina de shows em função do projeto. A turnê 25 anos de rock chega à estrada dois anos depois do boom do revival dos anos 80, que valorizava sobretudo a cultura trash daquela década. “Não pensamos em responder a isso, mas talvez o nosso encontro sirva para completar um sentido para quem quer saber o que foram aqueles tempos”, avalia Britto.
Mais um ano se passa, mais leitores passam por aqui e por outros sites de música independentes, mais "novidades" entram na escalação do festival do próximo fim de semana, e mais uma vez, a cobertura de imprensa será a tradicional. Não exatamente a tradicional, mas o site do festival deve ter o próprio blog, o site do jornalão deve ter um blog só para isso, e muito provavelmente os grandes portais vão abrir blogs para a cobertura das atrações que há um ano não dariam acessos suficientes para estar ali na capa. As reivindicações do sobremusica para ir trabalhar no festival são as mesmas de anos anteriores, então não cabe aqui repetir. É um papo chaaaato, que soa a choramingo. Ainda mais quando se olha para um festival com curadoria de figuras que acompanhamos e admiramos, como Ronaldo Lemos e Hermano Vianna. Os dois certamente muito ligados ao que rola além dos tais sites de jornalões, portalões e de grandes companhias de celular. Sites que o sobremusica lê e repercute, de vez em quando, mas que não acredita serem capazes de informar por si só o leitor que gosta de se aprofundar em música, muitas vezes o principal comprador de ingressos dos shows de artistas "novidade". Mas para a cobertura do tal festival desse ano, não deve rolar cobertura além da tal grande mídia. Em uma troca de e-mails bem aberta e sincera, ficamos de levar adiante a conversa sobre o papel de sites como o sobremusica, principalmente em nichos como o para o qual o festival aponta. O assessor de imprensa do festival, Mario Canivello, nos escreveu o seguinte: "Seus argumentos são pertinentes e merecem uma discussão mais aprofundada, porém temos um problema incontornável: a limitação física de espaço. Infelizmente, nos é impossível atender a todos os pedidos de credenciamento - e este ano eles chegaram a quase dois mil, mais do que a capacidade de algumas das tendas". Pois bem, explicações dadas, pedimos desculpa a quem talvez tenha achado que leria por aqui alguma coisa da passagem pelo Brasil do Arctic Monkeys, da Bjork, do Vanguart, do Girl Talk, do Killers, do Cecil Taylor. Sentimos muito, de verdade. O que temos é tudo que já escrevemos anteriormente, por exemplo nas passagens do Bruno Maia pelo Roskilde e do Bernardo Mortimer por Nova Orleans. Que fique então para uma próxima oportunidade. E bons shows a todos!!
Em 2007, convidado pelo Kunststyrelsen, o SOBREMUSICA esteve pela segunda vez no Roskilde Festival. Além da cobertura feita aqui, escrevi linhas e linhas e linhaspara o G1 e para a Rolling Stone. Na revista, os textos foram publicados na edição de agosto. Como já sairam das bancas de jornais, reproduzo-os aqui. Já já, vêm os de setembro.
Além de muita música de qualidade, o festival dinamarquês é marcado por iniciativas humanitárias e pelo pacifismo.
Na pequena cidade de Roskilde acontece todos os anos, no início de julho, um dos principais festivais do mundo. Os principais shows da 37ª edição do Roskilde Festival, que aconteceu entre os dias 5 e 8 de julho. Ao todo, mais de 150 artistas de todo o planeta passaram por lá. Entre os que subiram ao palco principal, o Orange estão Red Hot Chili Peppers, The Who, The Killers, Björk, Arctic Monkeys e Beastie Boys.
Os artistas brasileiros já são freqüentadores de Roskilde há muito tempo. A primeira a se aventurar por lá foi a cantora Tânia Maria, ainda na década de 70. Mas a invasão canarinha começou a ficar forte a partir de 1988, quando o encontro entre Sting e Milton Nascimento foi o principal show daquela edição. Desde lá, nomes como Marcos Valle, Skank, Nação Zumbi, Lenine, BNegão, Ed Motta, entre outros, já se apresentaram no festival. Em 2007, é fácil adivinhar: os hypados CSS e Bonde do Rolê cumpriram o que se esperava deles. A surpresa foi o alagoano Sonic Jr, que chegou menos badalado e conquistou a platéia na hora. Com a chuva apertando no momento do show, o galera correu para a tenda Cosmopol e não se arrependeu. “Eu já estou há dois meses viajando por vários festivais aqui na Europa, mas, sem dúvida, o Roskilde é o ponto alto dessa turnê. Foi bom demais!”, disse o músico ao fim da apresentação.
O principal slogan do evento é o "orange feeling", derivado da cor da tenda do palco principal, que há anos é também a logomarca do evento. Segundo Tomas Jacobsen, um dos porta-vozes do festival, a lona laranja foi comprada em 1977, dos Rolling Stones. "Eles estavam numa fase muito ruim da carreira e tiveram que interromper uma turnê no meio por falta de público. A tenda laranja era o palco era daquela turnê. Alguém da produção de Roskilde soube que ela estava à venda por um preço módico e a comprou. Desde então, ela é o nosso símbolo".
O evento é famoso não só por ter a programação musical mais eclética entre todos os grandes eventos de música do planeta, como também por seu posicionamento político e humanitário. Ao longo dos anos, esta reputação foi manchada por uma tragédia durante o show do Pearl Jam, em 2000, quando nove pessoas morreram esmagadas e pisoteadas.
O trauma de sete anos atrás permanece e serve para fomentar os esforço dos organizadores em produzir um entretenimento pacífico. Desde a contratação de voluntários, passando pela reversão dos lucros para causas humanitárias internacionais, até o engajamento dos artistas que são convidados a estarem aqui, tudo é feito com este direcionamento. "Nunca houve nenhum tipo de problema por aqui. As pessoas pensam que as mortes de 2000 foram causadas pela violência, mas não é verdade. Havia chovido muito, o chão estava enlameado e a platéia começou a se mover em um grande movimento conjunto. Aqueles jovens acabaram escorregando e sendo pisoteadas. Mas não foi por conta de um ato violento, foi um acidente ", explica Jacobsen,
O festival é produzido e organizado pela Roskilde Foundation, um órgão do município que já funcionava antes da existência do evento, com finalidades assistenciais. Ao contrário da maioria dos grandes festivais, não há nenhuma empresa ou pessoa física por trás do Roskilde Festival. Todos os lucros obtidos são revertidos para as causas apoiadas pela fundação ou para a preparação do festival no ano seguinte. Das 100 mil pessoas que passam por dia na área de shows, 23 mil são voluntários que vêm de todas as partes do planeta para ajudar e para conseguir assistir de graça ao evento.
Bodil Damgaard é uma russa que vive na Dinamarca e há alguns anos trabalha como voluntária. “Faço isso com muita alegria, não para ganhar um ingresso. Sinto que, ao colaborar, estou ajudando e fazendo o bem. Todos sabem exatamente para onde vai o lucro que se gera aqui e que o nosso trabalho não está sendo capitalizado por nenhum oportunista”, diz emocionada. O brasileiro Rodrigo Cerri de Abreu já mora há 5 anos na Dinamarca e participou pela quinta vez como voluntário. “Desde 2005, eu e um grupo de amigos dinamarqueses ficamos sempre no palco Pavillion”. No dia-a-dia, ele trabalha com comércio exterior, durante o evento vira roadie. Tudo em nome do rock.
Resenha de show: ROSKILDE FESTIVAL Lama e música no verão dinamarquês
Roskilde, Dinamarca (1-8 de julho de 2007) 4 ESTRELAS As fortes chuvas marcaram a 37ª edição do Roskilde Festival. Um novo recorde pluviométrico foi estabelecido no evento, superando em mais do dobro a marca anterior. Entre muita lama, cerca de 100 mil pessoas por dia assistiram grandes nomes como The Who, Red Hot Chili Peppers, Björk e Beastie Boys, além de alguns dos mais importantes artistas da Escandinávia, como Nephew, Volbeat e Peter, Bjorn & John...
No palco principal, o Orange, Pete Townshend e Roger Daltrey desfilaram todos os sucessos que tornaram o The Who uma das maiores lendas do rock e justificaram a expectativa dos fãs por este revival. Já os californianos do Chili Peppers, na reta final da turnê de “Stadium Arcadium”, optaram por uma apresentação menos óbvia, com poucos hits e longos improvisos.
O Roskilde Festival é um dos três maiores festivais da Europa e o seu grande diferencial para os demais está na capacidade de juntar nomes do mainstream internacional com artistas de vanguarda de todos os continentes. Entre os brasileiros, CSS e Bonde do Rolê cumpriram mais uma etapa do processo de dominação européia. Mas a grande surpresa foi o alagoano Sonic Jr. Sozinho, carregando seus instrumentos pelas estradas do velho continente, ele chegou ao festival depois de dois meses excursionando por vários países e fez uma apresentação visceral e competente. Outro destaque foram os romenos da Fanfarre Ciocarlia que lotaram a tenda Astoria ao som de animadas fanfarras ciganas.
Show: Diplo e Leandro HBL no Oi Futuro (part. de Sany Pitbull)
Funk No Museu
O set foi curto, a luz sobre os djs estava apagada, e a seleção de Diplo, e de Diplo e Sany Pitbull foi bem didática. Os primeiros vinte e poucos minutos foram de Diplo só, partindo do funk para outras fronteiras de batidões escuros ou ensolarados, de periferias de terceiro mundo ou de cidade grande mal partida. Quando o carioca Pitbull foi convidado para dividir o palco na quase meia hora seguinte, entraram as marcas registradas do funk 00, as seqüências Macumbinha e Tamborzão. Foi aí que sob o sample de "Va-vai Dançar" de um certo Jack Matador as pessoas se levantaram, sacudiram travesseiros e improvisaram um baile gente bonita de imaginárias pulseiras vips. Foi bonito. Diplo e Lendro HBL eram a dupla da vez no projeto Multiplicidades, que há mais de um ano mistura tecnologicamente artistas visuais com músicos sob curadoria de Batman Zavarese. Dessa vez, mais do que um projeto de eletrônica com uma instalação que dialogasse ali, chegava a um museu brasileiro o funk carioca - ainda que sob os batidões de um gringo. Tudo certo, às vezes é de fora da moldura que se enxerga melhor o quadro. Foi assim com Chico Science, e foi um pouco assim com Jimi Hendrix e Charlie Parker tendo que atravessar o Atlântico para voltarem bem para casa (e a gente parar de achar que isso só no Brasil).
O video-artista HBL preparou um tótem de telas de plasma onde frames do corpo humano dançavam roboticamente em uma versão remixada, de colagem de pedaços artificialmente harmônicos. Era a primeira experiência de um projeto que ainda está em elaboração. E com imagens feitas na parada gay de domingo passado, na praia de Copacabana, e em casa com amigos ou contratadas, chamava bem a atenção o homem-máquina-mosaico-funkeiro. Igualmente artista de botões, teclas e circuitos, Diplo optou por uma mesa com duas picapes de vinil tradicional, e abriu a noite com um som que esquentou devagar a platéia - que não sabia se era permitido levantar e dançar. Tudo meio Mondrian: cores fortes, vibrantes, mas cortadas por retas duras do espaço. Quando Pitbull surgiu, o clima que pairava no ar era o de que não dava mais para ficar sentado. As retas sem cor de um museu confortável já não tinham o poder de segurar os quadris quietos. Para ficar na idéia música x artes plásticas, foi a vez da favela de um Oiticica se impor: cores vibrantes e sujas, retas improvisadas e desordem harmônica. Atrás do mpc, um hardware que permite a manipulação ao vivo de bases pré-gravdas, Sany é um virtuose. Ele entorta o solo de introdução de Come as You Are, do Nirvana, em cima da tal Macumbinha, ele mistura Seven Nation Army com Marlboro e Guns n' Roses, e ele mixa o funk com o que as pistas do mundo gostam. Tecnicamente muito bom, comercialmente de muita visão. Nos bailes do Rio, neguinho às vezes vem cobrar se ele não vai tocar funk. Mas é de experiências dele que, muitas vezes, surge uma novidade que vai ser repetida e remixada por bondes e mcs sem neurose. O que isso tem de novo funk é uma discussão que vai longe. Tem gente partindo para a psicodelia nos batidões, ele não. Sany Pitbull é quase novo rock, distorcido, e nisso vai um bocado de mérito. Se no museu ele fez o show básico, sem preparar nada especial, a reação indicou que foi o suficiente. Tanto que neguinho foi até o chão. Foi sim. Em conversa depois da apresentação, o produtor do evento Chico Dub me contou que foi a primeira vez no Multiplicidade que as arquibancadas terminaram vazias. Pelo menos naquela quinta à noite, a maldição do funk bem que bateu forte.
A noção de que uma banda nova tem um deadline para “estourar” permeia o inconsciente de todos que freqüentam esse tipo de shows e que observam estes grupos. São inúmeros os artistas que já perderam o timing e, a partir deste momento crucial, parecem estar definitivamente fadadas a uma espécie de limbo. Invariavelmente, as bandas não têm uma segunda chance. O Pato Fu foi a última que conseguiu, quase por milagre, sobreviver e ir construindo carreira à margem de não ser hitmaker. Ainda assim, foram pequenos sucessos (como “Sobre o Tempo) que foram criando a sensação de que, a qualquer momento, poderia sair um number-one do repertório deles.
O Djangos foi um grupo que “rolou” nos anos 90. Primeiro, em 1995, na coletânea Paredão (EMI), de onde saiu o hit “Eliane Galileu”, de Plínio Profeta. Três anos depois, abençoados por Tom Capone, João Barone e Paulo Junqueiro, lançaram o álbum “Raiva contra o oba-oba” na Warner. Não estouraram e daí viraram uma dessas bandas do limbo.
Semana passada, no show dos caras na festa Rock baile, do Teatro Odisséia, eles mostraram que o frescor continua e o grupo faz um dos shows mais bacanas que se possa ver por aí. Admito que nunca tinha assistido a uma apresentação deles e fiquei realmente bem impressionado. Tipo de show que você sai pensando: “Caralho, essa porra vai estourar”. Não vai.
Lógico que o papo sobre o tamanho do mercado atualmente, o fortalecimento da cena independente, a distribuição digital, blábláblá, não pode ser ignorado nesta equação. Talvez os caras não precisem mesmo “estourar”. Mas é que ainda assistimos a uma geração de músicos que se forjou diante do sonho de virar músicos famosos, de gravar com grandes nomes, em excelentes estúdios, com direito a um bom trabalho de divulgação, etc, etc... E, ao mesmo tempo, ainda estamos em um mercado que ainda é viciado em hits (e estes, sim, ainda dependem da tal estrutura dos sonhos).
Por isso, por pensar no mundo perfeito e viver num mundo real, fica a sensação incômoda de que os shows dos Djangos vão continuar sendo bem legais, mas que não vão ter mais infra do que uma noite de quinta-feira, com 60 pessoas no Odisséia. Eles merecem. Mas no pop brasileiro, não há “segunda chance”.
Te apetece o boato? Essa coisa aí seria a atração do reveillón da Nokia, aquele mesmo que trouxe o Black Eyed Peas para Ipanema, no ano passado. Vai imaginando...
Subvertendo qualquer sentido de estética, eis alguns dos maiores crimes cometidos na arte de se fazer capas de disco. No caso aqui, a idéia da Gigwise era elencar as 50 piores de todos os tempos. Passa-tempo para o feriadão. Via Dominódromo.
Duas frases ficam na cabeça depois de ouvir a Idealism, o primeiro disco da dupla alemã Digitalism: a afirmação We have the biggest party ever (nós temos a melhor festa de todos os tempos) e a pergunta retórica Am I not always be wanting this? (Não era isso o que eu sempre quis?). Repetidas e gritadas sobre o novo electro, elas são parte da carta de intenções de Jens Moelle e Ismail Tufekçi, e misturam um humor já visto com o LCD Soundsystem em Daft Punk Is Playing In My House à auto-suficiência do hip hop americano. Eles não devem estar falando sério, mas a brincadeira que eles escolheram foi essa, e isso explica muita coisa. Ao lado dos franceses do Justice e dos ingleses do Simian Mobile Disco, o Digitalism é a geração européia que vem depois do Daft Punk. São o novo electro, que atende sob os mais engraçados apelidos: electro rock, new rave (eu adoro esse), blog house... Ao misturar Internet, pista de dança e rock n’ roll, eles aceleram em uma estrada que tem no mesmo sentido, em direção contrária, o Franz Ferdinand, o Rapture e o Klaxons. Ainda por cima, um pouco como um Tarantino da música, os dois foram vendedores de discos em uma cidade parada e sem graça para quem ainda não tinha vinte anos, Hamburgo, e aproveitam hoje esse passado para transformar em disco os diversos pedaços de pessoas que amam. É muita referência cruzada junto, mas não dá pra se perder. Os dois são uma das pontes disponíveis entre os vampiros dos anos 80 e os robôs dos 00, e sim, a idéia aqui é the Cure e Daft Punk. O nome Digitalism é uma homenagem ao coletivo de produtores Africanism. Há algo de batidas de Happy Mondays também. E, no contemporâneo, tem hora que parece o afinal pouco humano Daft Punk, o debochado LCD Soundsystem, o festeiro Rapture (ouve só aquela Pogo), os distorcidos Justice ou os receptivos Simian.
Então, recapitulando, tem We have the biggest party ever, Am I not always be wanting this? e a história do blog house. Quando eles falam em ter a maior festa de todos os tempos, os dois estão bem perto do espírito da época dos blogs, das raves, dos mp3 e etc. Para ter um blog, há que se ter ego, e para ser dj então... Auto-afirmação e sentimento de que aquilo ali realmente importa não faltam ao disco, e é isso o que move o som nas caixas e nos fones de ouvido. A ligação da cena eletrônica européia, de onde eles surgiram, com (sub)culturas como a do rap underground e a dos hiperlinks da rede de sites independentes de música é feita assim, botando na mesa a coragem da pouca idade e esperando o troco. E daí para a terceira frase: I had the idea that you were near (Eu tinha uma idéia de que você estivesse perto). É basicamente o refrão da faixa-título, e mostra algo do isolamento artificial do blogueiro no mundo, no caso, dj-blogueiro, que justamente alimenta os sonhos de grandeza. A um clique de tudo, e o clique nunca é satisfatório. Andando pra frente com esse combustível, os sintetizadores substituem as guitarras, a edição salta à frente entrecortando palavras ao ponto de impedir qualquer compreensão semântica que não a do som sem língua, só filtros e aditivos. E, todo mundo reconhece o dono da voz na homenagem, Robert Smith do the Cure. Não é novo, mas é bem feito e marrento. E mais: esfrega na cara que é melhor você dançar, se divertir, se jogar. Deve soar assim a melhor festa desde sempre, eles repetem subliminarmente. Se dá certo? Bem, o Daft Punk é mais robótico negão, o Justice é mais distorcido, o LCD te faz rir mais... E o the Cure só é mais velho e apegado àquelas coisas elétricas de seis cordas, acho que guitarras é como se chamavam. Mas o Digitalism só começou agora. Aqui e ali surgem expedientes que já cansaram como a busca por clímax com o botão de volume (o efeito está para o house como o amen break para o drum n’ bass), por exemplo. Mas ainda assim, a marra dos alemães é excelente, principalmente nas músicas com letra. Depois de tanta volta por computadores, sons inorgânicos e outros discos, são os bons e velhos refrãos repetidos que fazem o som deles ficar pulsando na mente e no corpo. Cuidado só para não se esgotar e perder o compromisso.
Confissão I Ainda não ouvi o Radiohead. Nem sequer baixei. Se der, mais tarde eu baixo. Se não, o feriado vem aí pra isso... Sem pressa.
Confissão II No fundo, eu não acredito no hype. Pra mim, o hype é que nem chifre: não existe, é apenas uma coisa que botaram na sua cabeça.
Confissão III Eu tenho um sonho nada-a-ver, bem recorrente. Vira e mexe, sonho que o Herbert voltou a andar e que eu estou no primeiro show deles assim. E eu sempre choro nesse show. Depois, acordo e esqueço. Depois eu lembro e nunca entendo o porquê de ter sonhado com isso. Afinal, eu só conheço o Herbert de fã, pedindo autógrafos nos camarins, ainda no século passado. Vai entender...
Confissão IV O show dos Paralamas, ontem, no FM Hall foi lindo. É engraçado, porque conforme as músicas vão se sucedendo, minha vida me passa em flashback. Será que é isso que a gente vê no segundo que antecede à morte? Quem eu fui, quem eu era, quem eu quis ser e quem eu fui me forjando ao longo dos anos. Momentos pontuais aconteceram embalados pela minha relação com a obra deles. Isso vai voltando. É sempre uma catarse. Acredito que esse é um dos momentos mais sublimes que a arte pode alcançar.
Livro :: "Vamos fazer barulho - Uma radiografia de Marcelo D2"
Radiografia. Esse é o termo que explica o trabalho de Bruno Levinson sobre Marcelo D2. O livro é um olhar restrito, por dentro do núlceo do próprio Marcelo e, conseqüentemente, muito específico sobre o artista. Um olhar que vem totalmente imerso à amizade dos dois. Se por um lado Levinson nunca nega esse vínculo ao longo do livro – muito pelo contrário, o explicita e até toma partido em prol do amigo em alguns momentos –, isso compromete a relação de observação entre o escritor e o personagem de sua análise. Não se trata de uma biografia. É, definitivamente, um livro de exaltação.
Se a sua curiosidade, leitor, for despertada pela bela capa ou pelo ótimo acabamento do livro, é importante você saber desde o início que se trata de um trabalho que, mais do que investigar um personagem, o admira. De certa forma, “Vamos fazer barulho” é uma celebração da amizade entre D2 e Levinson.
O autor utiliza o formato de entrevistas para construir a obra. A oralidade presente no texto ajuda muito ao ritmo da leitura. É como se Levinson fizesse um documentário no qual tem coragem de se expor como amigo, sem se esconder atrás da armadura de uma suposta isenção. Isso é um pró, mas sem dúvidas traz vários contras juntos. Alguns poucos trechos em primeira pessoa introduzem cada uma das conversas que o autor teve com o próprio Marcelo e com os personagens à volta dele: a mãe, o empresário, o primeiro produtor do Planet, o juiz Siro Darlan e as três mães de seus filhos. O tempo verbal é quase sempre o presente, como se Levinson estivesse escrevendo enquanto observa. Isso torna sua paixão mais visceral, mas às vezes também soa esquizofrênico.
Se fosse para encarar o livro como uma biografia do artista, faltaria muita coisa. Falta, por exemplo, esmiuçar as turnês, falta um maior esmero nas datas de cada fato que envolve D2, falta a suposta isenção jornalística (que uma biografia, sim, exigiria) e, sobretudo, faltam as tretas e inimigos que D2 cultivou ao longo dos anos, por exemplo. Vá lá que Levinson explica que os músicos do Planet Hemp não quiseram falar, o que no caso de um livro baseado em entrevistas, inviabiliza o acesso a outras visões sobre D2. Não há ainda citações ao rompimento recente de Marcelo com BNegão, pelo contrário. No livro, fica a sensação de que os dois ainda se dão bem.
Há ainda alguns pontos porém, nos quais Levinson poderia ter pontuado com seus depoimentos pessoais, mas não o faz. São momentos que não se explicam só pelas palavras do entrevistado. Um bom exemplo foi quando o próprio D2 admitiu não saber muito sobre uma suposta visita de Bacalhau e Ronaldo Pereira (o primeiro produtor do Planet Hemp) à gravadora, na época em que ambos estavam saindo da banda. Nesse momento, Levinson admite que sabe mais coisas, já que ele trabalhava na Sony à época, e diz para D2: “Depois eu te conto. Leia o livro! [risos]”. O leitor segue lendo, mas não acha o que ele prometera. Além disso, por mais que o tom seja de exaltação, há alguns excessos que uma edição mais apurada cortaria, como as perguntas à Manuela, segunda esposa do cantor, sobre a performance sexual de D2.
Levinson cita a expressão criada por Chacal, que fala sobre “memórias contemporâneas”, que consiste em registrar a trajetória de quem ainda está criando e não apenas de carreiras já escritas. Nisso há um grande mérito na empreitada do autor. D2 tem cacife para estar na lista de personagens que merecem uma "memória contemporânea" e, até por isso, sua trajetória ainda deve dar muito pano pra manga. Realmente este gênero é algo que falta na literatura musical brasileira. Começou a melhorar nos últimos anos, mas ainda falta.
Marcelo D2 é um personagem por demais controverso da música popular brasileira e o olhar de amigo de Levinson acaba limitando a profundidade que poderia ter esta apuração. Ao mesmo tempo, como disse, o autor não promete nada ao contrário disso, tanto é que chama de “Radiografia de Marcelo D2” e não de biografia. As regras já estavam claras desde o início. É, pois, um olhar parcial, que mira um lado e não o todo.
Era de se esperar, e não dá para dizer que é surpresa. Trent Reznor pegou as trouxinhas do Nine Inch Nails na Interscope, e saiu para desbravar caminhos a serem anunciados em "um futuro próximo". Não é de hoje que Reznor critica abertamente o formato da indústria, o preço dos cds, as políticas de proteção aos artistas, etc, de modo que seria um contra-senso assistir à banda assinando contrato com alguma outra gravadora. Até em shows, ele pediu a todos que roubassem as músicas dele, que botassem para circular na internet. No site do NIN, ele ressalta que os tempos em que vivemos são muito interessantes, e isso na data de hoje me parece uma referência bem óbvia. Ainda acho que o grande salto dessa história toda vai ser o encontro da sede por música com o momento das bolsas financeiras do mundo, que não param de subir e bater recordes mesmo em meio a crises de hipotecas imobiliárias, ameaças de bolhas, golpes em fundos bancários de risco. Nada parece abalar a liquidez do mercado, e os meninos do software já fizeram a ponte deles. Mas isso são só elocubrações à toa.
Nada a ver
A melhor piada sobre o processo que a RIAA (Associação Americana da Indústria de Gravação) ganhou da mãe solteira de duas crianças foi do site gringo Pitchfork: com a multa, as gravadoras podem agora comprar duzentos e vinte e dois mil discos novos do Radiohead na internet. Jammie Thomas, de 30 anos, foi considerada culpada por ter botado no Kazaa vinte e sete músicas com direitos protegidos. A vitória da RIAA, mais do que qualquer outra coisa, criou jurisprudência para que qualquer um seja processado nos Estados Unidos.
Bruno do Pop Up fez um trabalho maneiríssimo (linkado no título do post pra dar uma moral) e entregou para a gente a primeira música do próximo trabalho do Nação Zumbi. E ainda botou o DuPeixe para falar, e revelar que esse Fome de Tudo sai com o dobro de verba para a produção do que o anterior, o Futura. Entre as participações, Céu, Maestro Ademir Araújo, Júnio Barreto, e Money Mark. O tecladista do Beastie Boys, aliás, você ouve apertando o play ali. Participação curtinha, viu? Sobre a música nova, minhas primeiras impressões são que os tambores tão muito bem gravados - o grave das alfaias é nítido, mais perto do que é ver os caras ao vivo (um grande elogio, mas nunca vai ser a mesma coisa). Pupillo mantém reputação com as viradinhas de caixa mais maneiras que têm por aí, às vezes no meio da levada até, quando viu já foi. Se Futura apontava para um preto-e-branco meio europeu e cinemático, essa Bossa Nostra mostra um retorno ao calor colorido (mas não necessariamente tão amarelo) de Nação Zumbi, o álbum. De programação, bem menos, mas rola uma sirene (será que é new rave? brincadeira) na hora em que a Bossa vira quase heavy metal instrumental. E a letra mostra sem metáforas que DuPeixe busca justamente cores na hora de soar Nação Zumbi. "Eu gosto mesmo é de vida real", é o que ele diz.
Esta resenha foi feita para a Rolling Stone de setembro. Segundo a revista, não foi aproveitada por questão de espaço no fechamento da edição. Acontece... Para ela não morrer assim, segue o texto...
Sany Pitbull & Deize Tigrona - 4 estrelas Carlito’s Up – Rio de Janeiro 18 de agosto de 2007
Numa noite que reuniu estrelas da música como Lenny Kravitz, Marina Lima, Iggor Cavalera e João Brasil em um espaço com menos de 70m², Sany Pitbull e Deize Tigrona mostraram que o universo pop carioca continua quente e renovador, com um eterno quê de ironia e provocação. A festa Carioca Funk Clube está colhendo os frutos do boca-a-boca, que já levou seu mestre-de-cerimônias a grandes matérias nos jornais da cidade. Com isso, não faltaram curiosos e atores globais querendo tirar uma de “cool” na festa em que Pitbull é residente e, a cada semana, convida um outro MC para participar. O reencontro com Deize se deu já quase às 4 da manhã. “A gente se conhece do tempo em que o Sany fazia parte da equipe Pitbull, lá na Vila Cruzeiro”, diz a Tigrona. Com um microfone na mão, ela atropela suas rimas de cunho sexual. Já que o assunto é putaria, ela puxa o refrão: “Lula 9 dedos, Lula 9 dedos/ Lula 9 dedos, ele esconde um segredo”. Sany Pitbull, por sua vez, comanda sets destruidores misturando a batida do Miami Bass com as mais diversas referências e fazendo com que tudo soe orgânico e natural. “Come as you are” parece que nunca existiu antes de um batidão seqüenciado nas teclas de seu sampler MPC. Se os antigos sambistas do tradicional bairro da Lapa conduziam a noite com as batidas nas caixas de fósforo, Sany faz o mesmo com seu MPC e atualiza a cultura da cidade. Lenny Kravitz ficou bolado.
Continuando o assunto iniciado abaixo pelo Bernardo, pois eis que Thom Yorke e sua trupe da pesada começam a mostrar ao mundo que se meteram numa 'grande enra$cada': o servidor não agüentou mesmo. E agora, o Webhead, digo, o Radiohead, se pergunta: "o que fazer com essa tsunami de dinheiro que vai entrar na nossa conta?"
A essa altura, você até talvez já tenha comprado o seu, mas vamos lá: o Radiohead gravou sozinho o próximo disco deles, e botou as músicas para encomendar de graça no próprio site, em troca de uma contribuição voluntária. Que pode ser de nada, sim. Mas, segundo o porta-voz da banda de Thom Yorke na BBC, até o momento a maioria dos fãs que clicaram no botão em forma de ponto de interrogação que está onde se esperaria o preço, pagou um valor aproximado ao do que é pago por um cd em lojas do ramo. E olha que o site precisou trocar de servidor para agüentar a pressão. E olha que muita gente tem pedido a caixinha com 2 cds, lps, músicas extra, embalagem e preço alto: o equivalente a R$ 150,00. Isso tudo, segundo o porta-voz. As dez músicas que dá para pedir hoje para baixar no dia 10 têm sido mostradas em shows por aí, e já tem quem esteja organizando listas delas no youtube, em versões ao vivo e provavelmente muito pouco fiéis ao que deve ter sido gravado.
Mas o ponto todo dessa história é o golpe que a maior banda de 90 para cá tramou, e que terá os resultados acompanhados de perto pela indústria e pelos fãs. O Radiohead dispensou gravadora, e achou um jeito novo de cativar o público. Não é vazamento, não é liberar o disco na véspera de lançar o seguinte, não é flertar com o Creative Commons e não é dizer que o myspace é a minha gravadora. É a independência, sem que ninguém considere a alternativa morte. A divisão dos lucros, sejam eles quanto forem, será mais generosa. E os shows continuam só deles. O Prince, longe dos tempos áureos, desafiou o esquema com um disco novo encartado em um jornal de domingo, na Inglaterra. Segundo consta, brigou com lojas de discos e lotou a turnê de vinte e uma apresentações que terá pelo país. Mas e quem não é o Radiohead e nunca foi o Prince? A Internet usada com esperteza já mostrou que é uma ótima plataforma de lançamento lá fora para casos que vão de Strokes do ano 2000 e Arctic Monkeys até Cansei de Ser Sexy e Bonde do Rolê. Ajudou a exportar Céu e o funk carioca. E agora aponta para grandes nomes como uma alternativa de relação mais direta com o público consumidor, embora esses grandes nomes precisem ainda aprender a se divulgar (uma missão que começa mais fácil, sem dúvida). Fica faltando na equação incluir artistas que ainda tem público a conquistar, mas já movimentam uma estrutura que depende da grana que era da venda de discos, e não foi substituída a contento. Entre esses exemplos, daria para incluir o próprio Strokes de 2007, já no terceiro disco, ou o Killers, o Skank, e todos mais que gravam um dvd ao vivo menos de um ano depois do disco de estúdio, sei lá. As gravadoras têm percebido a importância do uso da Internet para a distribuição de música, mas ainda procuram um modelo a se estabelecer. O Slacker, uma mistura de iPod com rádio last.fm que ainda não foi lançado, já tem contratos lá fora para transmitir os catálogos de EMI, Universal e Warner. Com a Sony, o contrato já existia há mais tempo. E os acordos com selos independentes seguem sendo feitos. Isso é só mais um exemplo, o Bruno vive falando de vários deles. E junto às gravadoras, novos “mecenas” entraram no jogo. A rede de cafés Starbucks começou ontem a distribuir cartões do iTunes para o download de uma determinada “música do dia”, que pode ser de Paul McCartney, Joni Mitchell, Bob Dylan, Joss Stone, Dave Matthews, Annie Lenox ou da Céu, em remix de uma Orquestra Dub de Bombaim. São dez mil lojas só nos EUA, onde a promoção está sendo testada. Mais números? Trinta e sete artistas, um milhão e meio de cartões por dia, cinqüenta milhões de faixas grátis até o dia sete de novembro. Ontem a rede também começou a vender cartões com, não uma música, mas um disco completo. E a estréia foi com a trilha sonora voz e violão de Eddie Vedder para ‘Into the Wild’, que tem sido muito elogiada em blogs lá fora. Tem especialista gringo achando que os blogs de MP3 (aqueles que oferecem discos inteiros para serem baixados) podem assumir um papel comercial importante nessa estrada, porque têm audiência, credibilidade, experiência com nova música, e podem oferecer uma divisão de lucros mais interessante para o artista do que lojas grandes como o iTunes. Sem entrar no mérito, e há questões legais e éticas envolvidas, a idéia é só uma mostra de como as coisas estão abertas.
Começou com um e-mail do Bruno pra mim que lincava mais um dos vídeos da Amy Winehouse bêbada, constrangendo e aumentando a audiência de uma premiação qualquer de música dessas que são todas iguais. Ela cantava Tears Dry On Their Own e a câmera fazia de tudo para não mostrar as pernas bambas dela, o peso mal distribuído sobre o pedestal do microfone, a voz mole, os olhinhos apertados, o bom e velho quadro de espelho em fim de noite que você, leitor, certamente não se lembra. Brincadeira, viu? O fato é que o vídeo despertou um papo que não foi para frente sobre como a banda de Amy já tá em um nível que a mocinha que canta a letra já é quase só uma parte ali da apresentação. Tá, exagerei, mas a banda é muito boa, e eu dizia ao Bruno que justamente não vi ninguém indo perguntar para o baterista, o backing vocal, o baixista, ou sei lá, como era tocar com a Amy, como são os momentos de tensão antes e durante a subida ao palco, o será-que-hoje-vai, enfim. Quem é essa banda? Não é de interesse público descobrir quem acompanha a doidona que transforma milhares de discos vendidos em dor de cabeça de ressaca, trocadilhos safados com o refrão ou o sobrenome dela, e com diagnósticos sobre quantos discos ou shows ela ainda tem em vida? Pois bem, chegou no domingo o e-mail do chappa Diogo, lincando para o New York Times. E a resposta para a pergunta de “quem é essa banda” tem lá um pouco de barraco. Vamos lá. Sharon Jones tem 51 anos, nasceu em Augusta (cidade de James Brown), e é a próxima aposta da pequena gravadora vintage de Nova Iorque, Daptone. Jones e a Daptone são obcecadas pela música dos anos 60, e vivem uma vida longe dos festivais de verão dos Estados Unidos e Europa, sem clipes em streaming na Internet. O problema foi que um dia, um moço produtor Mark Ronson apareceu com a proposta. A Dap-Kings, banda da gravadora e então acompanhando Mrs. Jones (será a mesma da música?), foi convidada a fazer o apoio de Amy na gravação de Back to Black, e em seguida, dos tais shows da sobremusa nos EUA. Tocaram também, não necessariamente na formação completa, em boa parte do Versions, segundo disco do próprio Ronson. Pois bem, muita água que passarinho não bebe rolou, e até no Vídeo Music Awards desse ano, a parte dos metais da banda apareceu fazendo a trilha da cerimônia. Jones não sabe o que pensar, embora o lançamento do disco dela com a banda, amanhã, esteja ganhando muito mais atenção do que ganharia. Ao NYTimes, ela disse que “Primeiro, eu me sinto meio brava com isso”. Ela segue no raciocínio: “A gente tava ali sentadinha, cuidando da vida, e do nada eles [Ronson e Amy] me aparecem com um ‘Queremos o som de vocês’”. Mas é ela mesmo que vai e agradece: “Bem, mas se calhou de ser a Amy a botar os Dap-Kings para serem ouvidos, aí é uma coisa boa. Aliás, é ótimo. Obrigado”. Dá uma força lá no myspace dela e vê se reconhece a vaibe, vai.